Barra de navegação do site

Página inicial Carta ao Leitor Reportagens Notícias Entrevistas Resenhas Radar da Ciência Links Opinião Observatório da Imprensa Busca Cadastro Entrevistas

Entrevistas


Inovar para crescer
Olívio Ávila

Inovação brasileira deveria reduzir a remessa de lucros
Sérgio Henrique Ferreira

Entrevistas Anteriores

Sérgio Henrique Ferreira - Fonte: ABC

Inovação brasileira deveria reduzir a remessa de lucros

Professor do Departamento de Farmacologia da Medicina da USP de Ribeirão Preto há 35 anos, Ferreira é premiado nacional e internacionalmente pela pesquisa na qual detectou no veneno da Bothrops jararaca uma substância que dá potência aos efeitos farmacológicos da bradicinina. Também é reconhecido internacionalmente por sua contribuição na área de analgésicos antiinflamatórios. As opiniões do médico a respeito da inovação no Brasil apontam medidas práticas, como o fim das zonas francas. "Para que a indústria brasileira responda adequadamente é preciso acabar com os incentivos irresponsáveis, com as zonas francas e as utilizações indevidas dos investimentos estatais para inovação industrial", afirma o pesquisador que tem mais de 160 publicações em revistas científicas internacionais. Ele deixa claro o que pensa sobre inovação na entrevista a seguir, realizada durante o período em que esteve em viagem entre Austrália e Londres na primeira semana de agosto.

ComCiência - Para um país como o Brasil, que possui uma grande economia mas ainda se enquadra dentro do subdesenvolvimento, qual seria o papel da inovação nos diferentes setores da atividade econômica, no seu ponto de vista? Ou que importância pode ter a inovação para alavancar o crescimento e o desenvolvimento?

Sérgio Henrique Ferreira - Implementar "inovação" significa um alerta industrial e econômico. No mundo contemporâneo, não há possibilidade de se criar uma industrialização competitiva se não nos tornarmos os donos das patentes. Mas não é só de patentes que vive um país... Inovação pode ser também desenvolver e utilizar processos industriais que estão nas mãos dos países desenvolvidos. A produção de medicamentos genéricos (estão fora das patentes!) é de grande interesse para a saúde pública e para a indústria de medicamentos nacional. Neste sentido é fundamental sairmos da fase de "empacotamento" e partirmos para a engenharia de síntese e fabricarmos nossos medicamentos genéricos (lembrando que nossas indústrias de ponta acabam sendo compradas pelo capital internacional, vide Biobras).

Mas a grande pergunta que fazemos é se a inovação industrial vai modificar a curva de pobreza brasileira ou simplesmente vai estimular o capital financeiro nacional ou internacional? Eu acredito que não deveríamos centrar na inovação que reside simplesmente em aumentar o nosso produto bruto nacional, mas também evitar as importações, a remessa de lucros e o pagamento de nossa dívida internacional. Isto é, uma distribuição dos seus resultados de forma socialmente mais igualitária. Na minha opinião, está nas mãos dos governos controlar a utilização dos lucros. Diríamos, não só os da indústria nacional mas também das grandes companhias internacionais que operam no mercado brasileiro.

ComCiência - Qual seria hoje a maior barreira no Brasil para o crescimento da inovação? O senhor acredita que essa barreira é cultural ou é econômica?

Sérgio Henrique Ferreira - A barreira para inovação obviamente é dupla. Não demos o salto qualitativo de utilizar a criatividade de nossos cientistas (da universidade e dos institutos técnicos). Economicamente, somos súditos do capital internacional. Devemos lembrar que os países desenvolvidos não estão interessados em nosso desenvolvimento, como demonstram as barreiras alfandegárias. Por outro lado, não é a Universidade que está encerrada num castelo de marfim. Culturalmente, nossos industriais têm a alma do português, dono do empório da esquina. Quem está fechada ao desenvolvimento é a própria indústria brasileira que vive do lucro fácil, e do investimento a curto prazo. Por outro lado, a visão do português reflete a ausência de uma estratégia política clara de desenvolvimento, portanto há elementos culturais e políticos nos nossos descaminhos. Portanto, ambas barreiras estão presentes.

ComCiência - O senhor acredita que a indústria brasileira responde bem aos desafios de mudança? Como?

Sérgio Henrique Ferreira - Muitas vezes pensamos que bastaria a definição de setores importantes para desenvolvimentos, de juros adequados e outros estímulos financeiros, assim como o direto envolvimento dos cientistas universitários e o uso do espaço público para o desenvolvimento inovador privado. A indústria brasileira responderá adequadamente se não for fortemente controlada por um sistema de lobbies industriais corruptos. No passado, durante a chamada fase econômica de proteção de mercado, o que ocorreu com a informática é emblemático. Em vez de industrializarmo-nos, e produzirmos computadores e seus componentes, nossa pseudoindústria partiu para o lucro imediato de importar as peças e simplesmente montar computadores (hard ware). A Coréia adotou uma política diametralmente oposta e veja no que deu. Hoje ela fabrica não só computadores e eletrodomésticos de ponta, mas tem também sua própria indústria de automóveis. Nós ainda estamos montando computadores na Zona Franca de Manaus e montando automóveis estrangeiros pelo Brasil afora. Para que a indústria brasileira responda adequadamente é preciso acabar com os incentivos irresponsáveis, com as zonas francas e as utilizações indevidas dos investimentos estatais para inovação industrial. Eu me recordo do tempo em que empréstimos, a juros baixos, eram tomados por alguns industriais e aplicados no mercado financeiro nacional e internacional. Isto implica que uma política estratégica de desenvolvimento obriga um rigoroso controle dos investimentos estatais e dos empréstimos a juros baixos. A globalização coloca em cheque as indústrias brasileiras de alta qualidade. Seus donos ou as vendem ou têm de partir para inovação ou produzir produtos internacionalmente competitivos. Pelo menos temos a nosso favor um mercado comprador interno poderoso e o pequeno custo da mão-de-obra (se a cascata de impostos for controlada).

ComCiência - Como o senhor interpreta a priorização, pela política industrial brasileira, dos setores de semicondutores, software, bens de capital e fármacos?

Sérgio Henrique Ferreira - Acho que é certa, como uma estratégia inicial. No futuro devemos ir mais longe.

ComCiência - Sobre política industrial e desenvolvimento tecnológico, como as duas coisas precisam caminhar juntas? Quais os desafios para uma conversão?

Sérgio Henrique Ferreira - O desafio principal reside em que o desenvolvimento tecnológico deve ocorrer dentro das indústrias inovadoras. As indústrias têm de ter o seu quadro de pesquisadores e seus laboratórios próprios. Uma indústria não pode aproveitar do desenvolvimento científico acadêmico se não tiver interlocutores profissionais. O pior interlocutor de uma indústria é o diretor de marketing. Os problemas de marketing devem ser resolvidos dentro da indústria antes de partir para o desafio da inovação. As inovações devem ser economicamente viáveis. Esta é uma decisão da indústria e depende da inteligência de seus donos ou diretores. No Brasil, os setores que eu acredito que mais investem na inovação são a do petróleo (prospecções da Petrobrás), a indústria siderúrgica, a aeronáutica (Embraer), assim como o setor agropecuário (Embrapa e institutos agronômicos).

Atualizado em 10/08/2004

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil