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Física Quântica no Brasil
Amélia Hamburger

Física Quântica e Holística
Ubiratan D'Ambrósio

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Física Quântica e Holística

Doutor em Matemática e atual presidente da Holos-Brasil, Ubiratan D'Ambrósio é um dos maiores pesquisadores da visão holística em Ciências, Educação, História, Arte, Religião e Filosofia. Membro do Conselho de Pugwash Conference on Science and Word Affairs, e presidente da Sociedade Latino-Americana de História das Ciências e da Tecnologia, foi também signatário das Declarações de Veneza, de Dagomys e de Vancouver, e autor de aproximadamente 200 obras, entre trabalhos e livros.

Discutindo temas atuais da holística e a relação destes com a Física Quântica, D'Ambrósio conversou com a Com Ciência.

Com Ciência - Como a Física Quântica ficou relacionada com conceitos de esoterismo? Que razões o sr. encontra para que alguns cientistas rejeitam a holística?
D'Ambrósio - Dispomos de instrumentos intelectuais para explicar e instrumentos materiais para observar. O conhecimento é elaborado com a ajuda desses instrumentos. Sempre se procura explicar o novo com os instrumentos intelectuais disponíveis. Claro, o novo apresenta aspectos que não podem ser explicados, e muitas vezes nem observados, com os instrumentos disponíveis. Portanto, a busca de explicações para o novo se faz elaborando novos instrumentos intelectuais e também materiais. A elaboração desses novos instrumentos apresenta, naturalmente, incertezas e até mesmo imprecisão.
A maravilha que é observar os primeiros passos de uma criança, ou o balbuciar das primeiras palavras é um belo exemplo de como o novo se inicia e do significado dessas imprecisões e incertezas. O novo é surpresa para os velhos da academia, que são, via de regra, conservadores, e que vão imediatamente buscar explicações para o novo com os instrumentos velhos. Não conseguem. Imprecisão e incerteza não são admissíveis para o acadêmico conservador, mesmo que seu discurso seja de progresso e inovação. Ao não conseguir explicar, rejeitam. É ilustrativo o que se conta de Niels Bohr, um dos fundadores da nova F ísica. Ao visitá-lo, um amigo notou uma ferradura atrás da porta. Perguntou a Bohr: "Você acredita que ferraduras trazem boa sorte?" O físico respondeu "Claro que não." O amigo perguntou: "Por que, então, tem uma ferradura atrás da porta?". Ao que Bohr respondeu: "Porque todos sabem que ferraduras dão boa sorte." Os acadêmicos, ao não encontrarem explicação, rejeitam. E o novo é considerado esoterismo, mito, crendice e outros epítetos desabonadores no meio acadêmico. O mesmo aconteceu quando Isaac Newton lançou os fundamentos do que seria uma Física Moderna [paradigmas newtonianos] e os instrumentos intelectuais para se desenvolver essa Física [Cálculo Infinitesimal]. Foi considerado um herege em alguns ambientes acadêmicos, assim como o foram Giordano Bruno, Galileu Galilei e vários outros.

Com Ciência - Que fatores contribuíram para o nascimento da holística? De que maneira ele pode beneficiar a humanidade?
D'Ambrósio - A espécie humana se caracteriza pela busca incessante de sobrevivência (como todas as espécies animais) e pela busca de transcendência (a única dentre as espécies animais a desenvolver a noção de história e de futuro). A busca de transcendência conduz aos mitos, às religiões, às artes e às ciências. E assim, procura novas possibilidades. O fascínio com o novo é intrínseco à natureza humana.
Poderosos instrumentos de observação e de indagação foram desenvolvidos a partir dos paradigmas newtonianos. Isso permitiu a formulação de novas questões que esses mesmos instrumentos não permitiam responder. Essa curiosidade aguçada levou a humanidade a ampliar seus questionamentos. E assim enxergar o que estava na natureza, mas não estava sendo notado, e fazer mais perguntas. Que benefícios traz para a humanidade? Mais conhecimento. Permite ao homem conhecer a si próprio, dar uma outra dimensão à sua relação com outros e com a natureza e compreender que, como indivíduo, é parte integrante de uma ampla realidade cósmica. Além disso, permitir que o homem compreenda a complexidade da natureza, de seu próprio ser e das relações humanas, dando origem às novas ciências do ambiente, aos estudos da mente, à biofísica, à bioengenharia, à cibernética, à inteligência artificial e à telecomunicação. Essas novas áreas do conhecimento, se encaradas no enfoque da transdisciplinaridade e da transculturalidade, possibilitarão atingir a paz nas suas várias dimensões (paz interior, paz social, paz ambiental, paz militar). Sem essa PAZ TOTAL não há possibilidade da continuidade da civilização no planeta.

Com Ciência - Existe muita procura por estudiosos holísticos? Ao mesmo tempo o sr. não considera que há alguns charlatões nessa atividade?
D'Ambrósio - Difícil hoje alguém enveredar no conhecimento, em todas as áreas, sem estar imersa no conhecimento atual sem incorporar os conhecimentos mais avançados da época. Isso se passou em todos os tempos e em todos os campos, exceto quando se fez segredo do novo pensar. Mesmo assim, o pensar vaza. A modernidade não começou quando Newton publicou os "Principia", mas quando ele foi assumido por não especialistas. O cristianismo se tornou religião importante quando o povo abraçou o cristianismo. Assim também, Einstein se tornou uma figura popular, reconhecido em todos os setores, e uma linguagem de Relatividade começou a penetrar todos os setores. A visão quântica do mundo começa agora a se tornar "popular".
Claro, o preço disso é muita gente falar sem entender, usar conceitos muitas vezes erroneamente, e indivíduos tratarem de incorporar essas idéias no seu fazer. De duas, uma: ou se impede isso -- e assim jamais as idéias novas produzirão um pensar novo -- ou se aceita que todos se apropriem do novo pensar -- mesmo que essa apropriação seja imprecisa, muitas vezes equivocada. Se o novo pensar é importante, deverá ser popularizado e vulgarizado [nos sentidos 1., 2. e 4. do Novo Aurélio]. Mitos, charlatanismo, mau uso, e outras coisas do gênero ocorrem. É inevitável. Ao impedir essa apropriação, ficará no domínio de poucos e será mais um elemento de opressão.

Com Ciência - Como estão relacionados os conceitos quânticos e holísticos?
D'Ambrósio - Ambos são resultado de uma insatisfação com sistemas de explicações. A mecânica quântica foi um passo além da mecânica newtoniana. Mas ambas dependem de considerar alguns absolutos, tais como espaço e tempo. Na verdade, usa-se a base da Física Clássica para fornecer os instrumentos para o pensar quântico. Ainda estamos a caminho do holístico. Vejo o desenvolvimento do pensamento futuro indo além dos conceitos quânticos, ancorados nos conceitos quânticos que hoje começam a ser apropriados pelo pensamento atual, que muitos chamam pós-moderno. O ponto crítico é se liberar de espaço e tempo absolutos. Não sei o que poderia ser isso, mas o pensamento holístico e transdiciplinar vai nessa direção. Na abordagem holística atual já se procura incorporar os conceitos quânticos. Mas como eu disse, é apenas o início de um novo pensar.

Com Ciência -O que o sr. diria para os críticos dos conceitos da holística?
D'Ambrósio - A mesmice conduzirá à extinção da espécie humana. Recomendo estudar a história das idéias, com uma visão mais ampla da história. Libertar-se das histórias "oficiais" e procurar uma história mais abrangente e holística da humanidade. Não somos, como adultos, ou acadêmicos, ou herdeiros de uma certa tradição religiosa, donos de verdades. Não há espaço para um saber arrogante. As mesmas angústias e incertezas que afetam a sociedade dominante estão presentes em todas as faixas etárias, em todas as camadas da população, em todos os cantos deste planeta, em todas as comunidades. É a hora de deixar de lado a arrogância de um pretenso saber e entrar, com humildade, na busca de um outro conhecimento. E comportar-se de acordo. É isso que chamo consciência.

Atualizado em 10/05/01

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