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Jornalismo pode ajudar a ampliar a cultura científica
Marcelo Leite

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Jornalismo pode ajudar a ampliar a cultura científica

Editor de ciência da Folha de S. Paulo, jornalista de formação e aluno de doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Marcelo Leite trabalha na Folha há quase 18 anos e nota uma evolução na cobertura de temas científicos no próprio jornal e na imprensa como um todo. Para ele, atualmente, o jornalista científico está mais preparado do que estava há 20 anos. Mas, Marcelo acredita que ainda há muito para se fazer, tanto para ganhar a confiança tanto dos cientistas como do público em geral, o que, segundo ele, seria facilitado pela ampliação da cultura científica no país - e o jornalismo tem papel importante nesse processo.

ComCiência - O que o senhor entende por cultura científica?
Marcelo Leite -
Eu vejo como um simétrico da cultura literária. Faz parte da cultura geral que as pessoas tenham uma noção de literatura, que saibam ou tenham ouvido falar sobre a época dos principais escritores, artistas plásticos e músicos; o que é música erudita, música popular, jazz, samba, bossa nova, samba canção... Existe essa expectativa de que as pessoas de bom nível cultural conheçam pelo menos a nata da cultura literária e musical do passado e do presente. Por outro lado, não existe essa expectativa de que as pessoas tenham a mesma noção das ciências naturais, o que para mim parece uma distorção de cultura geral. A cultura científica - pelo menos os rudimentos das principais ciências - deveria fazer parte da noção corrente de cultura geral. As pessoas deveriam ter noção do que é e de como funciona uma célula, o que é um átomo ou uma ligação química. Não precisa ser mais do que a base dada no curso secundário, mas o problema é que o ensino de ciências é muito deficitário no Brasil. Além disso, as pessoas fazem questão de esquecer o que aprenderam na escola. Mesmo as pessoas que trabalham comigo dizem até com certo orgulho que são ignorantes em ciência.
Eu não sou especialista, sou formado em jornalismo, não tenho uma formação técnica em física ou biologia, mas acho que tenho uma cultura razoável porque sempre me interessei, acompanhei, li bastante, o que é necessário, pois ciência muda muito. Como na literatura, que toda hora sai um livro novo, sempre há pesquisas novas. Não é preciso ser um assinante de Nature ou de Science para acompanhar essa produção, é possível saber pelo jornal diário, isso se não pular as matérias sobre ciência. Pode optar também por assinar uma revista sobre ciência. Tem tantas agora no Brasil: Scientific American, Pesquisa Fapesp, vários sites. É uma questão de interesse. A ciência é cada vez mais importante na nossa vida.

ComCiência - Esse conhecimento seria suficiente para ajudar a sociedade a opinar sobre assuntos como transgênicos, explicar o que é o DNA e outras coisas?
Leite -
Eu vejo um longo combate. Demora, vai demorar uma geração ou duas para podermos saber se contribuímos para mudar alguma coisa. O jornalista de ciência faz força nesse sentido. Não tenho pesquisas ou dados que mostrem se melhorou o conhecimento médio das pessoas, mas se eu tivesse que dar um palpite eu diria até que piorou o nível médio da população. O problema é que a média não lê jornal e nem revista, mas entre o público mais informado eu diria que pelo menos o interesse pelo tema de ciência aumentou. Quanto a isso não há dúvida. Não é à toa que tantas revistas de divulgação científica tenham sido lançadas e que a imprensa de cinco ou dez anos para cá começou a dar muito mais espaço para temas de ciência.
Há um problema mais conjuntural de diminuição de espaço e de equipes em função da crise econômica, que atingiu a imprensa como um todo. Não dá para ignorar que se o diretor de redação de um grande jornal tiver que cortar espaço de algum lugar não vai cortar linearmente e que algumas áreas do jornal que têm menor impacto noticioso, vão sofrer um pouco mais. Nem foi o caso da Folha, pois quando assumi a editoria, em março de 2000, havia cinco jornalistas e hoje são três. Perdemos 40% da equipe, mas em comparação ao corte geral no jornal, até que não foi dos piores. O fato de a editoria continuar sendo autônoma, como em nenhum outro jornal até onde sei, e ter três pessoas exclusivamente dedicadas com um espaço diário de no mínimo meia página, em face dessa crise toda, eu acho que é uma conquista e é um indicador da perseverança e da determinação editorial do jornal de manter esse setor em alta porque sabemos que o público demanda isso.

ComCiência - O que o faz acreditar que exista essa demanda?
Leite -
As pessoas estão - ainda que intuitivamente - percebendo que há uma lacuna na formação delas e que há coisas importantes acontecendo no mundo, como por exemplo os transgênicos, a exploração da Amazônia, a questão da poluição do ar. Todo mundo sabe que o clima está mudando e quer entender as causas disso. Eu costumo comparar a situação do jornalismo científico com a do jornalismo econômico. Há vinte anos, pouca gente entendia coisas básicas sobre economia, como balança de pagamentos, balança comercial, índice de inflação. Hoje muita gente que não é economista consegue entender esses termos. Isso porque em face da importância que a macroeconomia adquiriu na vida das pessoas, principalmente na época de hiperinflação, as editorias de economia dos jornais começaram a se especializar, os jornalistas foram estudar, começaram a fazer mais análises e as pessoas passaram a ter mais conhecimento e até autonomia para pensar sobre o tema e formar opiniões. Eu acho que o jornalismo científico vive um processo similar.

ComCiência - Uma questão que é sempre lembrada pelos pesquisadores das ciências humanas é que as pesquisas nessa área são pouco divulgadas. O senhor concorda? Como a Folha trata isso?
Leite -
A primeira razão é de organização interna do jornal. Definiu-se que a Editoria de Ciência da Folha cobriria somente ciências naturais. Ciências humanas na Folha é, em princípio, coberta pela "Ilustrada" e caderno "Mais" e alguma coisa sai em "Brasil". No "Cotidiano" também sai alguma coisa sobre comportamento, ecologia, mas não muito. Eu diria que ciência política, entrevista com filósofo, alguém da área de ciência ou filosofia política às vezes sai em Brasil. Sai muita coisa ensaística no "Mais". É uma questão de organização dos assuntos pelo jornal. Eu sou da área de humanas, mas reconheço que as ciências humanas são profundamente diferentes, do ponto de vista epistemológico, das naturais. Epistemologicamente o método é diferente, o objeto é diferente, o comportamento, o modo de crítica e de produção é diferente. Tem pontos de contato? É evidente que tem. Há muitas semelhanças também, mas acho que não tem o mesmo ritmo, nem o mesmo padrão e nível de produção de inovação, coisas com consequências práticas como nas ciências naturais. Eu acho que é plenamente justificável que você cubra separadamente. Além disso, tem o problema prático que é o seguinte: com três pessoas para o caderno de ciências, eu vou colocá-los para cobrir ciências humanas? Do meu ponto de vista particular e da Folha, certamente não é uma desvalorização da área de humanas, mesmo porque tem um caderno dedicado a ela aos domingos, que é o caderno "Mais".
Além disso nas ciências humanas ninguém descobre nada, pelo menos não no sentido das ciências naturais. As pessoas propõem, formulam, interpretam, a noção de descoberta nas ciências humanas não faz nenhum sentido.

ComCiência - O senhor disse que o jornalista de economia se preparou para melhorar a cobertura do setor, e quanto ao jornalista científico, ele está preparado para escrever sobre ciência? Qual deve ser a sua formação?
Leite -
Vejo isso do ponto de vista dinâmico. Eu estou há quase 18 anos nessa área, só na Folha, e vejo isso em perspectiva. Eu acho que melhorou muito a formação do jornalista da área de ciência. A diferença é brutal. Se pegarmos uma reportagem de ciência de 20 anos atrás e pegarmos uma hoje, na média a de hoje é muito melhor, do ponto de vista do conteúdo. Sobre a formação, já são outros quinhentos. Essas pessoas que estão na área há mais tempo como Cássio Leite Vieira, eu, Ricardo Bonalume, Alicia Ivanissevich, Ana Lúcia Azevedo, são meio autodidatas, algumas tiveram formação no exterior, outras no Brasil. Não consigo ver a formação do jornalista de ciência dentro da faculdade de jornalismo. Talvez uma especialização depois da faculdade. Pode haver uma disciplina, como havia na ECA [Escola de Comunicações e Artes, da USP] quando eu estudei. É como o jornalismo econômico, que também não se aprende na faculdade. Lá se aprende o básico, o resto se aprende fazendo, estudando economia, entrevistando especialistas. Tem que estudar. Qualquer especialidade do jornalismo exige estudo, seja sozinho, seja fazendo mestrado, doutorado. Não tem como a graduação tentar suprir isso e especializar as pessoas.

ComCiência - Na sua opinião o jornalismo científico é um espaço para jornalistas, para cientistas, ou para ambos?
Leite -
Penso que não deva ser exclusivo para um ou para outro. Eu conheço cientistas que se tornaram bons jornalistas de ciência, no Brasil e no exterior. Alguns acabam voltando à pesquisa. Outros são apenas jornalistas e também são muito bons jornalistas de ciência. Para mim, o perfil ideal de um bom jornalista, formado ou não na escola de jornalismo e que tenha faro para a notícia, talento para escrever, boa noção dos limites éticos da profissão etc, misturado com uma formação em ciência. Isso ele adquire numa escola de jornalismo, mas não obrigatoriamente. Se eu puder contratar um profissional que tenha duas graduações, sendo uma em jornalismo e outra em medicina, química, ou outra, vou achar ótimo. Infelizmente são raríssimos. Mas coincidentemente, os três jornalistas que trabalham na editoria de ciência da Folha hoje são formados em jornalismo, sem nenhuma formação em ciência.

ComCiência - Como deve ser o jornalismo científico? Além de divulgar as pesquisas, o que mais deve envolver essa especialidade?
Leite -
Insisto muitíssimo que somos jornalistas antes de qualquer outra coisa. Por opção profissional estamos na editoria de ciência, mas temos que ter todos os atributos do jornalista e o espírito crítico é o primeiro deles.
Com pouco tempo de trabalho na área já é possível saber quem é quem. Por sorte ou por azar o cientista no Brasil - fora raras exceções - não está muito interessado em se promover. Na área médica isso é mais complicado, mas as questões ligadas à saúde pública ficam para a editoria de "Cotidiano", são eles que lidam com os médicos que costumam assediar a imprensa interessados em promover seu próprio consultório ou hospital. Na editoria de ciências tratamos só de pesquisa básica, então não temos muito problema. Mas o cientista em geral ainda não se conscientizou que é importante o nome dele sair no jornal ou numa revista semanal. Seja porque isso vai aumentar o conhecimento sobre ele entre outros cientistas, seja porque haverá uma repercussão do trabalho dele. Devido a esse perfil do cientista brasileiro, a questão da autopromoção não nos afeta muito, o que temos que tomar cuidado é de não sermos propagandistas da ciência brasileira só porque é brasileira. Vou dar um exemplo: o projeto Genoma da Xyllela. Acho que foi uma grande realização da pesquisa brasileira, e todos os veículos divulgaram, mas acho que o menos ufanista foi o nosso. Não tem aquela coisa de "o Brasil chegou no primeiro mundo da ciência". Esse tom não é o nosso. Sabemos que é importante e procuramos dar a devida importância, mas sem excesso.
Outra coisa. Não é porque a pesquisa foi feita no Brasil que vamos deixar de ouvir outro pesquisador para saber se tem a relevância que o autor afirma. Esse é o nosso papel: falar da pesquisa, tentando ser crítico, ouvindo outros cientistas, uma vez que não temos competência para fazer essa análise.

ComCiência - O mais comum é ouvirmos a crítica de que o noticiário diário de ciência se baseia muito no que é divulgado pelas agências e revistas internacionais e pouco se fala da pesquisa brasileira. No entanto, vejo hoje mais divulgação da ciência nacional. Como o senhor vê essa questão?
Leite -
Certamente essa crítica é muito pertinente. Essa é uma das diferenças que eu mencionei antes. Há 20 anos dependíamos quase que completamente das agências de notícias para termos matéria sobre ciência. Tínhamos uma página de ciência, que se chamava "Ciência e Tecnologia", que era feita com orientação do físico Rogério Cerqueira Leite, da Unicamp, que também é do conselho editorial da Folha. Naquela página publicávamos mais notícias sobre a pesquisa nacional. Mas essa página acabou e perdemos um pouco esse espírito. Foi então que descobrimos as revistas internacionais, que foram a porta de acesso do jornalismo científico do Brasil à pesquisa de qualidade internacional. Ter acesso regular às revistas Nature e Science nos forçou a nos aparelharmos para entender os artigos e conseguir entrevistar os autores das pesquisas originais, o que gerou, temporariamente, uma distorção de nos acomodarmos com esse material, deixando meio de lado a pesquisa brasileira. Essa é uma explicação e não uma justificativa. Um agravante a essa situação é o baixo número de fontes de informação profissionais, que divulguem a pesquisa que é realizada no Brasil. Eu tenho participado de várias mesas redondas e debates nos quais digo que uma das razões para darmos tanta atenção à pesquisa estrangeira, é que ela chega para nós. Eu tenho acesso aos artigos da Nature e da Science antes de qualquer pesquisador do mundo, porque uma semana antes de sair a revista, elas são mandadas para nós, com telefone e endereço eletrônico de todos os autores, e quando ligamos, esses pesquisadores atendem na hora em 80% das vezes. Com os pesquisadores brasileiros não é assim.
Há uns dois meses eu fiz um levantamento, bem informal, para uma reunião interna. Temos como meta dar mais e melhor matérias sobre pesquisas brasileiras. olhei matéria por matéria de cabeça de página (título principal) e no bimestre analisado havia 40% de pesquisas feitas no Brasil ou por brasileiros no exterior e 60% estrangeiras. Certamente que as pesquisas internacionais são em maior número, mas levando em consideração que a pesquisa nacional representa menos de 2% da pesquisa mundial, eu considero que estamos dando um enorme destaque para a pesquisa nacional. Só não damos mais porque não ficamos sabendo do que é produzido. Se eu tiver duas opções na mão, uma nacional e uma internacional eu vou preferir a nacional, a não ser que a internacional seja muito mais relevante. Essa é a minha opção editorial.

ComCiência - O senhor acha que os pesquisadores brasileiros se escondem?
Leite -
O tempo inteiro. Eu diria que isso ocorre por receio, provavelmente por experiências difíceis no passado; por falta de sensibilidade de que ter o seu nome veiculado fora da área da especialidade dele pode ser importante, porque dá visibilidade ao trabalho, ajuda a conseguir recursos, aumenta a sua projeção. Além disso, já vi pesquisas que mostram que quando uma pesquisa sai no New York Times, aumenta o número de citações daquele trabalho, independente do jornal ser uma publicação não científica. Eu acho que mais dia menos dia isso vai acontecer no Brasil. O fato de sair na Folha, no Estado, vai fazer circular a pesquisa porque o pesquisador que é um especialista de uma área próxima, vê aquilo publicado e pode ser a primeira vez que está tomando contato com aquela pesquisa. Como é um jornal diário, ele fica sabendo antes da revista Nature ou Science, ou outra revista científica onde o trabalho será publicado, chegar na bilbioteca do departamento dele.

ComCiência - O senhor fala do pesquisador conseguir mais recursos, de ser mais lido pelos pares, mas o importante não é a própria divulgação da pesquisa para a sociedade como um todo?
Leite -
Essa é a razão ética, mas não é só por isso. Eu queria dizer que o cientista não só tem obrigação, mas que ele tem também interesses. É o que eu procuro, quando possível, passar para ele. Eu acho que com o tempo eles acabarão compreendendo isso e terão mais confiança no jornalismo científico brasileiro. Eu diria que na Folha não temos muita dificuldade de acesso aos cientistas. Acredito que o nome Folha e o prestígio que a editoria adquiriu nesses anos abre portas. Somos bem recebidos na maior parte dos lugares que procuramos. Mas vez por outra também temos problemas, às vezes tem alguém que 'dá canseira', mas jornalista leva canseira de todo mundo, por que não de cientista? Faz parte do nosso trabalho ficar insistindo, ir atrás, batalhar, é normal. Mesmo que o entrevistado tenha interesse em manter a informação sigilosa é nosso dever, se for algo relevante, de insistir, batalhar para levar essa informação a público.

ComCiência - E porque a discussão sobre a relação entre cientistas e jornalistas é sempre tão recorrente?
Leite -
Porque ela é conflituosa. O cientista tanto tem vontade de aparecer na imprensa como tem receio de aparecer, porque ele não tem controle sobre a forma como vai aparecer. Mas eu acho que como toda relação entre fonte e jornalista, ela depende muito de tempo para que se construa confiança. Não tem outra saída e infelizmente é um processo quase pessoal. É preciso confiar na instituição para a qual o jornalista trabalha, mas talvez, em primeiro plano, no próprio jornalista, na pessoa dele, na correção dele, na capacidade de precisão, na capacidade dele lidar corretamente com as informações sem cometer grandes barbaridades conceituais, respeitar off, sigilo, quando ele pedir, tudo isso que compõe qualquer relação do jornalista de qualquer editoria ou de qualquer jornal com a sua fonte. Mas é um processo longo, que depende das pessoas ficarem bastante tempo na área, o que nem sempre ocorre. Muitos profissionais passam pelo jornalismo científico e não se fixam.

Tem uma espécie de conflito básico: a função do jornalista é traduzir e simplificar para uma pessoa não especialista poder entender e acompanhar, enquanto a função do cientista é ser exato até o ponto do pedantismo. O cientista vai usar sempre o termo mais correto, que melhor se aplica ao que quer dizer, porque é da natureza do trabalho dele. E aí se cria um certo conflito de base porque o jornalista tem que simplificar e o cientista tem esse receio de que a simplificação distorça a pureza, a qualidade, a precisão do conhecimento que ele está produzindo. Eu acho que tem um meio-termo possível. Não é claro, é caso a caso, mas o jornalista tem que buscar o máximo de precisão, com o máximo de simplicidade. Parece uma contradição de termos, mas o nosso trabalho é esse. E o cientista, com o tempo, acaba percebendo que isso é possível. Seja porque ele mesmo faz divulgação científica, seja porque ele começa a ver que tem jornalistas que conseguem fazer isso. O cientista precisa entender que o jornalista fala línguas diferentes para públicos diferentes. Se ele próprio for dar uma palestra numa escola primária vai simplificar a linguagem, então, ele tem que aceitar que o jornalista faça isso também. Mas se o jornalista escreve uma bobagem o cientista tem mais é que reclamar. Ligar para o repórter, para o ombudsman, mandar uma carta para o jornal, espernear.

ComCiência - Em geral, a credibilidade em relação ao que a imprensa não especializada publica sobre ciência é muito baixa. A que você atribuiria isso?
Leite -
Depende muito. A televisão eu entendo perfeitamente. O tratamento de ciência na televisão às vezes é muito bom e às vezes é muito ruim. Mas, em princípio, eu acho que as pessoas muitas vezes não entendem as notícias sobre ciência. Tem também a questão dos veículos - aí precisaria analisar um por um - que são muito sensacionalistas. Mas eu acho que a sucessão de informações que contradizem informações anteriores - eu costumo dar o exemplo de uma hora dizem que é para comer ovo, outra hora que não se deve comer ovo - acaba deixando as pessoas muito desorientadas. Basta dizer na TV ou no jornal: "pesquisa americana diz que...", que as pessoas acreditam, e não têm que acreditar. Que pesquisa? De que universidade? Saiu onde? As pessoas precisam aprender a se perguntar isso. Ou os jornalistas têm que assumir essa função. Claro que não é todo mundo que sabe que a Universidade Johns Hopkins é mais importante que a Universidade de Minnesota mas o jornalista tem que ter essa noção e tem que passar isso no texto dele, para situar o leitor ou telespectador. O jornalista não pode sair vendendo pesquisa ruim como se fosse uma coisa importantíssima. Não é porque é feita no exterior que é boa. Tem muita porcaria feita nos Estados Unidos. Fora intenção de fazer propaganda. Saiu há pouco tempo um anúncio publicitário no jornal: "professor da Universidade Federal de Santa Catarina vende quitina de casca de camarão e diz que cura câncer". Se eu fosse o reitor processaria o cara porque está usando o nome da universidade. E as pessoas acreditam porque a instituição dá esse peso.

ComCiência - É o peso da imagem do cientista como o detentor do conhecimento?
Leite -
Pois é, mas é nossa função mostrar para as pessoas como funciona o processo de crítica científica, de avaliação, mas é difícil. É aquele problema da cultura científica que falamos no começo. Cultura geral falta de modo geral no nosso país; cultura científica então, nem se fala. Mas a gente continua tentando, aos poucos avançamos.

Atualizado em 10/07/03

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