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De 2700 cavernas registradas no Brasil apenas 10% foram biospeleologicamente inspecionados por especialistas

Especialista em Bioespeleologia (ciência que estuda as cavernas), a professora Eleonora Trajano, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo - USP, descreveu a situação atual da biodiversidade brasileira nas áreas de cavernas, com avaliação comparativa de diversidade subterrânea entre as principais regiões do Brasil. Através do seu trabalho "Biodiversidade Subterrânea traçada em Áreas de Karst Brasileiras", que foi apresentado no workshop "Biodiversidade Subterrânea", em Moulis, na França, a pesquisadora explica que o traçado de biodiversidade subterrânea é o primeiro passo para entender processos envolvidos na origem de fauna subterrânea, propondo ações racionais de conservação para protegê-la.

As áreas de karst brasileiras, (áreas com rochas solúveis, caracterizadas pelas feições de dissolução) que cobrem 500.000 km2 representam um potencial alto para pesquisa de biospeleological, (estudo de organismos que vivem em cavernas). Conversando com a Com Ciência a professora explicou seu estudo, esclarecendo que "qualquer esforço para traçar a diversidade subterrânea brasileira é merecedora para o acadêmico e para propósitos de conservação". Também sugeriu pesquisas através do site www.bambui.org.br para se obter mais informações sobre pesquisas espeleológicas.

Com Ciência - No seu trabalho sobre "Biodiversidade Subterrânea", a senhora diz que seu traçando é o primeiro passo para entender processos envolvidos na origem desta fauna, e propor meios de conservação para protegê-la. Como é feito este traçado? Quais as propostas de conservação mais viáveis?
Eleonora Trajano -
São comparados padrões em termos de número de espécies subterrâneas troglóbias (espécies encontradas exclusivamente no meio subterrâneo, com modificações relacionadas à essa vida totalmente subterrânea, como ausência de olhos e de pigmentação escura) e não-troglóbias em cada região - algumas regiões são mais pobres, com menos espécies para um determinada área, outras são mais ricas. Tenta-se relacionar isto a fatores como abundância de alimento, o passado biológico distante (condições climáticas há milhões de anos) etc. Não existem propostas universais, cada caso é um caso. De um modo geral, recomenda-se proteger sobretudo áreas com muitos troglóbios, ou com comunidades muito diversificadas e particulares. Medidas de proteção vão desde a preservação integral da área (se for biologicamente muito importante) até controle da visitação, zoneamento de cavernas etc.

Com Ciência - Até agora aproximadamente 2.700 cavernas eram registradas no Brasil, mas menos que 10% foram biospeleologicamente inspecionados por especialistas, e só algumas dúzias de modo sistemático. Falta apoio para esta inspeção? Como é realizada?
Trajano -
Não falta apoio, o que falta é pessoal e história. Começamos tarde no Brasil (na década de 70), enquanto na Europa e EUA se estudava fauna de cavernas desde início do século passado. Ainda somos poucos estudando biodiversidade no Brasil, mas isto se aplica a todos os grupos, não apenas a fauna de cavernas. É uma questão de demanda (altíssima em vista da mega-diversidade tropical) e oferta (relativamente poucos pesquisadores). Em São Paulo, em geral o apoio é bom, pois há agências de fomento à pesquisa, como a Fapesp, que sempre dão recursos aos projetos bem feitos e coordenados por pesquisadores competentes. O estudo é feito basicamente através de coletas, com anotação do maior número possível de dados (sobre o ambiente, ecologia etc.), e identificação das espécies por especialistas nos grupos (sistematas).

Com Ciência - Perturbações ambientais que têm ameaçado ecossistemas subterrâneos ao longo do mundo também representam perigo sério para a fauna de hipógeo (subterrânea) brasileira. Que tipos de perturbações? E que perigos oferecem?
Trajano -
Destruição do hábitat por mineração (de calcário, p. ex.), construção de hidrelétricas que inundam áreas calcárias - isto obviamente acaba com tudo o que estiver nas cavernas; desmatamento - diminui o afluxo de alimento para dentro das cavernas e altera o clima do entorno; poluição (mesmos efeitos que para a fauna de fora); visitação causando pisoteamento, alteração do clima, poluição por introdução de materiais estranhos e lixo, coleta de animais, etc., tudo isso causa diminuição das populações, já reduzidas, de cavernícolas, ameaçando sobretudo os troglóbios, que só existem lá.

Com Ciência - Comparações entre faunas tropicais e temperadas podem prover perspicácias importantes para modelos de evolução de hipógeo. Que tipo de comparações? Que perspicácias?
Trajano -
Essas comparações dizem respeito à riqueza da fauna cavernícola - número de espécies, abundância (tamanho das populações) de cada uma, aos grupos encontrados (classificação), à proporção entre troglóbios e não-troglóbios (há muitas espécies que são encontradas tanto dentro como fora de cavernas, no meio superficial), ao grau de modificação dos troglóbios (alguns tem olhos só um pouco menores que os de seus parentes epígeos, outros perderam totalmente os olhos). Quanto aos insights, é tema muito complexo, que requer horas de explicação sobre ecologia e evolução subterrânea. Brevemente, a comparação é importante para dizer se os modelos desenvolvidos para regiões temperadas são realmente modelos gerais, que explicam como e porque a fauna subterrânea é como é, ou seja, se se aplicam igualmente as cavernas tropicais (cujas condições limitantes para a colonização por seres vivos, sobretudo ausência de luz e pouco alimento, são particulares das zonas temperadas.

Com Ciência - Quais foram as áreas inspecionadas até agora?
Trajano -
Vale de Ribeira (nos Estados de São Paulo e Paraná); Serra de Bodoquena, (em Mato Grosso do Sul); Bambuí, (Brasil Central); em Brasília (em Goiás); São Domingos (em Goiás); Médio São Francisco (em Minas Gerais); sul-central do Estado da Bahia); Alto Paraguaçu, (Chapada Diamantina, Região Central da Bahia); Una (Campo Formoso, norte do Estado da Bahia) e Rio Pardo (sudeste do Estado da Bahia, na região litoral).

Atualizado em 28/06/01

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