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Energia - os direitos da sociedade*

Washington Novaes

É preciso que mude de patamar a discussão sobre energia elétrica no Brasil. Tal como ela acontece hoje, o cidadão comum se pergunta onde estão os problemas reais e os seus interesses específicos, perdido no tiroteio entre geradoras, distribuidoras, órgãos do governo (que também atiram uns contra os outros), ex-dirigentes do setor, construtoras e muito mais. O governo federal deve uma explicação mais clara ao país. A começar pela disponibilidade real de energia, porque os números são contraditórios e confusos.

Ainda há poucos dias, noticiou-se, ante a alta de 5,2% no consumo este ano (até abril), que estaria de volta o risco de um novo apagão depois de 2007. Risco acentuado pela própria ministra de Minas e Energia, que afirmou existirem 45 projetos de hidrelétricas não licenciadas por exigência de órgãos ambientais, principalmente o Ibama, e que impediriam a implantação de mais de 13 mil MW, capazes de afastar o risco. Nos dias que se seguiram, chegou-se a anunciar que, por isso, o diretor de Licenciamento do Ibama estaria sendo transferido para outra área do Ministério do Meio Ambiente (Gazeta Mercantil, 31.08) – possibilidade que ele mesmo desmentiu dois dias depois, lembrando que, de 24 processos de licenciamento em que o Ministério de Minas e Energia reclama, apenas dez são da competência do Ibama e, destes, cinco já foram licenciadas e dois, indeferidos.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que as "exigênicas ambientais" são acusadas de travar o progresso e reintroduzir o "risco de apagão", o secretário de Política Energética do Ministério e Minas e Energia, Amilcar Guerreiro, anuncia (Estado de S. Paulo, 24.08) que o governo federal decidiu adiar "por alguns meses" a duplicação hidrelétrica de Tucuruí, cuja conclusão, prevista para 2006, acrescentaria 4 mil MW à sua potência. Segundo a notícia, o adiamento estaria ocorrendo "possivelmente por causa de questões de superávit do setor público, por decisão do Ministério da Fazenda". Ou seja, em lugar de "exigências ambientais" hipotéticas, exigências concretas e imediatas de superávit fiscal.

Mas não é só. Também nos dias em que a discussão estava acessa, o WWF divulgou estudo do professor Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, mostrando que o Brasil pode aumentar em pelo menos 10% a produção de energia sem construir nenhuma hidrelétrica, mas promovendo a "repotenciação" de parte das 67 hidrelétricas com mais de 20 anos de operação, das quais 31 com mais de 40 anos. Com a repotenciação apenas de usinas com um total de 34 mil MW seria possível adicionar 8 mil MW (dois terços de Itaipu) à potência instalada. O custo, na troca de geradores e turbinas, seria da ordem de US$ 1,8 bilhão, cerca de um terço do necessário para produzir a mesma quantidade de energia "nova", e um prazo de execução de apenas três a seis meses, com retorno do investimento em quatro anos (contra 30 anos na construção de unidades novas).

Esse custo pode ser ainda menor, no caso da chamada "repotenciação leve". E o universo de usinas que podem ser repotencializados é ainda muito maior, com possibilidade de ganhar até 20%.
Inevitavelmente, o cidadão pergunta: e por que não se faz isso, se o prazo de execução e o custo são muito menores, o retorno do investimento sete vezes mais rápido e ainda se afasta eventual risco de desabastecimento? Mas o Brasil só investiu US$ 12 milhões em repotenciação em 2002. É preciso esclarecer.

Da mesma forma, é preciso que se diga se tem razão Luiz Pinguelli Rosa, professor-titular do Programa de Planejamento Enérgetico da Coppe/RJ e que até há pouco tempo ocupou a presidência da Eletrobras no atual governo. Escreveu ele (Folha de S.Paulo, 25.08) que "no detalhamento (do atual modelo energético) pesaram muito as pressões das distribuidoras e geradoras privatizadas dos grandes consumidores de eletrointensivos e dos produtores independentes, a maioria desses com termelétricas a gás natural" (cujo preço, segundo Pinguelli, é "muito alto"). Tudo isso, a seu ver, "interfere com um dos objetivos do mercado, que é dar prioridade ao serviço público" (em favor de interesses setoriais, conclui-se).

Diz o ex-presidente da Eletrobras que "um efeito perverso" foi substituir energia mais barata por energia mais cara – repassando a diferença para a sociedade. Mais complicado ainda, assegura ele que algumas geradoras deslocaram seu excedente de energia para grandes consumidores, enquanto se faziam contratos de longo prazo entre distribuidoras e termelétricas (algumas do mesmo grupo econômico da distribuidora), para substituir energia elétrica por energia termelétrica (R$ 150/MWh). "É pior", acrescenta, "a termelétrica em muitos casos fica desligada e seu proprietário compra energia no mercado 'spot' a R$ 18/MWh, gerada pelas hidrelétricas, em sua maioria do Grupo Eletrobrás".

Há mais, muito mais, no texto, mas se pode ficar por aí. Embora o tema seja muito vasto. Porque será preciso ainda discutir com mais clareza com a sociedade a questão das energias alternativas, das biomassas, do biodiesel. Saber onde estão os números reais no imenso imbróglio a respeito de custos de cada modalidade, subsídios embutidos ou explícitos. A questão dos subsídios aos eletrointensivos (que toda a sociedade paga e por isso tem direito de ser informada).
Energia será cada vez mais a questão central das próximas décadas. Neste exato momento, os países industrializados buscam sofregamente alternativas para a matriz energética baseada no petróleo e no gás natural. Quem chegar à frente poderá ter vantagens econômicas.

O Brasil tem posição relativamente privilegiada nesse panorama, por dispor de alternativas – a própria energia elétrica, as energias das biomassas, energia eólica, solar, das marés. Mas terá que ser muito competente. Não perder tempo. E cuidar dos custos ambientais e sociais – que são muitos – para não pagar caro depois.

Washington Novaes é jornalista.

*Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo em 10.09.2004.

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Atualizado em 10/12/2004

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