Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

O uso de modelagem na definição de estratégias para a conservação da biodiversidade

Ricardo Scachetti Pereira e
A. Townsend Peterson

Introdução
Durante as últimas décadas, tem-se vivido um período crítico à conservação e estudo da diversidade biológica. Grande parte dos cientistas têm chegado a um mesmo consenso, de que a taxa de extinção que a biodiversidade do planeta tem sofrido nos últimos dois séculos não tem paralelo algum na história humana, sendo apenas comparável à extinção em massa ocorrida no passado, como durante o desaparecimento dos dinossauros. A biodiversidade tem enfrentado uma série de ameaças, incluindo perdas e fragmentação de habitat, invasões de espécies e mudança climática, resultado da crescente ação humana sobre o ambiente.

Tendo em vista os danos causados à biodiversidade, este artigo visa descrever alguns dos principais avanços da tecnologia de informação, como as redes de computadores, databases distribuídas e algorítmos de modelagem, que permitem maior compreensão, e conseqüente proteção, da diversidade biológica no planeta.

Fontes de Informação de Biodiversidade
A informação relativa à diversidade biológica se apresenta de duas formas: dados primários e secundários. Basicamente, os dados primários consistem de coletas de espécimens, observações e estudos diretos de espécies. A informação é armazenada em museus de história natural e herbários do mundo inteiro, como coleções de espécimes (amostras de espécies), assim como em literatura científica, na forma de pesquisas e publicações. Tal informação, resultado dos esforços de taxonomistas e sistemáticos nos últimos 300 anos, é provavelmente a fonte de dados mais importante referente à biodiversidade.

Os dados secundários consistem em resumos baseados nos dados primários que adquiriram a forma de mapas regionalizados, guias de campo e registros municipais. Embora seja uma forma conveniente de se obter subsídios para análises e priorizações relacionas à biodiversidade, o uso de fontes de dados secundários destrói a conecção vital entre o produto e os dados. O produto começa a se degradar, logo após a sua conclusão, porque não se aperfeiçoa ou se aproveita dos dados mais acurados e abundantes que se tornam disponíveis a cada dia. Além disso, esta metodologia não utiliza os novas técnicas quantitativas para a modelagem de distributição e a análise sintética de dados.

A utilização de informação primária de biodiversidade, principalmente pontos de ocorrência de espécies, apresenta inúmeras vantagens em relação ao uso de fontes de dados secundárias. Primeiramente, a informação primária é aplicável a todas as regiões e grupos taxonômicos, assim como não precisa aguardar o resumo baseado na forma de informação secundária. Há uma conexão direta entre dados primários e os resultados. Além disso, os produtos que utilizam fonte primária não se tornam obsoletos mas sim são capazes de evoluir com a melhoria da qualidade e quantidade da informação. Finalmente, essa forma de informação de biodiversidade pode tirar vantagem de poderosas ferramentas de inferência, derivadas de áreas como ecologia de paisagem, estatística e inteligência artificial.

Acesso e Infra-Estrutura de Dados Primários
Dados primários de biodiversidade se encontram atualmente disponíveis em um sistema disperso baseado em fronteiras institucionais e nacionais. A maioria dos membros da comunidade de biodiversidade estão ansiosos por fornecer informação. No entanto, o sistema é simplesmente ineficiente e de difícil acesso. Por essa razão, os estudos de biodiversidade não aproveitam completamente as informações já existentes.

A maior parte das informações de diversidade biológica é armazenada na forma de coleções científicas em museus e universidades por todo o mundo, concentrados principalmente na Europa e América do Norte. Essa informação freqüentemente não se encontra informatizada, e é considerada propriedade de instituições individuais. O acesso a cada coleção deve ser feito individualmente, tornando o acesso à totalidade de informação existente uma tarefa árdua.

Assim, a situação atual mundial da informação de biodiversidade é deploravelmente ineficiente. Os dados, embora existam em quantidade suficiente para muitos grupos taxonômicos, não estão acessíveis, e portanto são raramente incorporados aos estudos de biodiversidade. As pesquisas de conservação de biodiversidade de grande escala, embora focalizem exatamente nos dados em questão, são baseadas apenas minimamente ou secundariamente nos dados de biodiversidade. Sendo assim, tais estudos carecem de poder analítico e seus resultados freqüentemente refletem tal falha.

A fim de ilustrar a importância da informação completa de biodiversidade, a Figura abaixo mostra os dados de ocorrência de três diferentes museus para espécies de peixe. Cada coleção individual representa apenas uma fração de todo o conhecimento de biodiverisdade e se baseia em uma ou outra região geográfica. No entanto, uma vez agregada em um conjuto de dados único, essa informação seria instrumento essencial nos avanços de conservação, planejamento de uso de terra, projeto de áreas de proteção e biologia básica.

Integração dos registros de espécimes georeferenciados de três coleções de peixe

Existem atualmente várias iniciativas para superação das barreiras descritas acima. Um exemplo é um esforço de pesquisa multi-institucional denominado The Species Analyst, desenvolvido como parte da rede de informação em biodiversidade norte-americana. The Species Analyst consiste em um servidor de informação de biodiversidade distribuído baseado na Internet que utiliza padrões de recuperação de informação baseadas no Z39.50 e HTTP/XML para integrar informação de diversos bancos de dados e plataformas computacionais heterogêneos. Essa informação integrada é então retornada aos usuários através Internet ou através de extensões a aplicações desktop como Microsoft Excel ou ESRI Arcview, que permitem consulta, visualização e recuperação de dados em vários formatos.

The Species Analyst atualmente fornece acesso a mais de 14 milhões de registros em 25 bancos de dados localizados em 19 instituições. Outros 31 milhões de registros estão comprometidos a participar, em 30 bancos de dados adicionais. The Species Analyst, portanto, conta com aproximadamente 50 milhões de registros de ocorrência de espécies, a maioria validada por espécimes em coleções científicas.

Como iniciativa européia, tem-se a ENHSIN (European Natural History Specimen Information Network) que conta atualmente 7 instituições. Seu projeto piloto integra atualmente 4 bancos de dados. Outras iniciativas nacionais, no México e na Austrália por exemplo, completam o cenário internacional em termos de infraestrutura para integração de dados sobre biodiversidade.

Ferramentas de Modelagem para Bioinformática Aplicada à Biodiversidade
O procedimento usado para converter dados primários na forma de pontos de ocorrência de espécies, em previsões contínuas de presença ou ausência numa determinada região geográfica é crítico ao sucesso dos produtos de biodiversidade.

O foco principal dos esforços de modelagem é o conceito de nicho ecológico fundamental de uma espécie. Este pode ser definido como a combinação de condições ecológicas dentro das quais a espécie consegue manter populações.

No desenvolvimento de modelos que produzam a distribuição da previsão geográfica de espécies, dois tipos de erro podem ser cometidos: omissão e sobreprevisão. Omissão consiste em não considerar, na previsão, áreas realmente habitadas, enquanto que sobreprevisão representa incluir áreas que não são verdadeiramente habitadas. Embora algumas solução simples possam minimizar ambos tipos de erro (por exemplo, incluir o mapa inteiro como presença da espécie reduz a zero o erro de omissão; incluir apenas os pontos de ocorrência conhecidos reduz a zero o erro de sobreprevisão), um algorítimo ideal minimizaria ambos simultaneamente.

Vários métodos são usados por investigadores para resolver tal problema. Um dos primeiros métodos nessa área, desenvolvido nos anos 80, é denominado BIOCLIM ("Bioclimatic Envelope"). Nessa aproximação, os pontos de dados de ocorrência de espécies são sobrepostos em um conjunto de coberturas climáticas, como temperatura, precipitação, radiação solar e neve. O algoritmo então define o conjunto de categorias que abrange 95% dos pontos de ocorrência como sendo o nicho fundamental da espécie. Tais categorias são destacadas no mapa, mostrando a distribuição geográfica potencial da espécie. A principal vantagem deste método se encontra em sua simplicidade. Entretanto, esse método tende a mostrar grandes erros de sobreprevisão e é relativamente susceptível à qualidade dos pontos de ocorrência da espécie.

Uma aproximação mais poderosa se trata do GARP (Genetic Algorithm for Rule-set Prediction). Este inclui numerosos algorítimos individuais (por exemplo, BIOCLIM, regressão logística) e utiliza as combinação de suas habilidades analíticas para gerar regras num conjunto de regras mais amplo; portanto, algumas porções da distribuição das espécies podem ser determinadas como dentro ou fora do nicho baseadas em diferentes regras de vários algorítimos. Dessa forma, GARP é um superconjunto de outras aproximações, que deverá ter sempre maior habilidade de previsão que qualquer uma delas. Testes realizados com o GARP demonstram uma excelente habilidade de previsão, requerindo um número relativamente baixo de pontos de ocorrência, evitando muitos dos problemas que atrapalham os outras técnicas.

Aplicações das Ferramentas de Modelagem de Espécies na Conservação da Biodiversidade
A utilização de ferramentas de modelagem de distribuição de espécies, baseada em pontos de ocorrência primário, para o planejamento da conservação da biodiversidade fornece uma série de vantagens com relação aos métodos convencionais:

  • Permite um melhor entendimento da distribuição de espécies raras e ameaçadas de extinção, para as quais existem poucos espécimes ou observações disponíveis. Por exemplo, GARP pode gerar modelos razoavelmente precisos para espécies com apenas 10 a 20 pontos geo-referenciados de ocorrência conhecidos;
  • Permite o projeto de programas de reintrodução para espécies;
  • É uma ferramente poderosa para compreender os efeitos das mudanças climáticas globais e outras alterações de escala global nas distribuições de espécies;
  • Possibilita técnicas pró-ativas para combater invasões de espécies;
  • Auxilia no desenvolvimento de planos de conservação da biodiversidade, através do fornecimento de um mecanismo de inferência poderoso para determinar as áreas de maior riqueza e diversidade de espécies.

A Figura abaixo exemplifica o uso de modelagem para avaliar a eficiência de alocação de recurso para reservas de conservação no México. A figura apresenta o padrão de riqueza de espécies de pássaros endêmicos do sudoeste do México, calculado através do uso de múltiplos modelos do GARP e dados de espécimes de vários museus. A área em verde escuro representa alta riqueza de espécies endêmicas, enquanto que as estrelas azuis mostram as localidades de reservas biológicas do sudoeste mexicano.

Modelo das espécies de pássaros endêmicos na floresta seca do sudoeste do mexicano e relação às localidades das reservas

Uma das reservas está localizada próxima à concentração primária, porém nenhuma delas deixa de atingir a concentração secundária, indicando uso não otimizado dos recurso de conservação.

Essas técnicas de modelagem podem ser também aplicadas ao estudo de espécies invasoras, como mostrado nas figuras 3 e 4. Nesse exemplo, observa-se uma espécie de inseto nativa do leste asiático, o besouro chinês (Anoplophora glabripennis), conhecida pelos danos a florestas. O mapa da esquerda mostra uma previsão de distribuição gerada pelo GARP a partir de pontos de ocorrência na região nativa. O mapa da direita mostra o nicho ecológico obtido na região nativa projetada nos Estados Unidos. Neste exemplo, pode-se observar que a costa leste é muito mais vulnerável a invasão das espécies, mesmo sabendo que os pontos de desembarque oriundos da Ásia são concentrados na costa oeste. Desse modo, é possível desenvolver estratégias de combate à invasão com máxima eficiência.

Exemplo de previsão de invasão de espécies utilizando ferramentas de modelagem do nicho ecológico

Esta estratégia oferece uma alternativa às técnicas reativas de combate a invasão de espécies. Ao invés de esperar pela próxima invasão para que se tome medidas de combate, pode-se tomar medidas preventivas, estudando as potenciais espécies invasoras, com base nas relações comerciais entre os países. Dessa forma, pode-se criar estratégias de prevenção, combate e erradicação antes mesmo da invasão ocorrer.

Conclusão
Para que se reverta o cenário de depredação ambiental e extinção das espécies, é necessário que todas as informações e ferramentas computacionais disponíveis sejam reunidas a fim de se compreender melhor e, dessa forma, poder proteger a biodiversidade. Com o auxílio de ferramentas de modelagem do nicho ecológico, é possível se utilizar mais efetivamente os dados de biodiversidade primários, assim como otimizar o uso dos escassos recursos de conservação atualmente disponíveis.

Ricardo Scachetti Pereira é pesquisador do Centro de Referência em Informação Ambiental e A. Townsend Peterson é pesquisador do Natural History Museum da Universidade do Kansas

Atualizado em 10/06/2001

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