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Resenhas


A universidade sem condição
Jacques Derrida

Re-pensando a universidade
H. Moysés Nussenzveig(org.)

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Resenha

A universidade sem condição

Jacques Derrida.
Tradução: Evandro Nascimento
São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

Por Susana Dias

Incondicional. É assim que Derrida crê que deveria ser a universidade e, nela, as humanidades. Para além da liberdade acadêmica a universidade deveria ter reconhecida uma liberdade incondicional de questionamento e de proposição. Mais ainda, deveria ter o direito de dizer publicamente, de publicar tudo o que uma pesquisa, um saber, um pensamento da verdade exigem, ainda que a título de ficção e de experimentação. A universidade a que se refere Derrida distingue-se de todas as instituições de pesquisa que estão a serviço dos interesses econômicos e não dispõem de independência. Embora essa universidade não exista de fato ela deveria permanecer "como um derradeiro lugar de resistência crítica - e mais que crítica - a todos os poderes de apropriação dogmáticos e injustos". Professa assim a sua fé na universidade e a sua fé nas humanidades.

A desconstrução é um dos conceitos mais conhecidos atribuído ao filósofo francês. Tem se tornado um conceito bastante popular nos meios universitários, urbanos e literários. Não chega a ser um "sucesso internacional", como declarou Derrida em entrevista a Evandro Nascimento, o tradutor desta obra. É, antes, "alvo de verdadeiras cruzadas, de ódio". A desconstrução, para o autor, não é um discurso teórico, é o que acontece no mundo, o que acontece mesmo sem carregar este nome. Nesse sentido, a desconstrução está em curso e toda a história do mundo se desconstrói por si mesma. Como resultado desse movimento, não se está mais seguro do que quer dizer a palavra homem, não se está mais seguro quanto à história desse conceito, o que faz com que se possa interrogar essa história e, ao mesmo tempo, tentar transformá-la, contribuindo com o processo.

A universidade "mais que crítica" seria para o filósofo uma universidade desconstrutiva, ou seja, com direito incondicional de colocar questões críticas. Não apenas ao conceito de homem, mas à própria crítica, à forma e autoridade das questões levantadas nas pesquisas e à forma interrogativa de pensamento. A desconstrução seria desencadeada (e, aliás, já é, embora ainda de forma singela) especialmente pelas humanidades e começaria pela desconstrução de sua própria história e de seus próprios axiomas. A principal forma de operar essa desconstrução é a produção de acontecimentos que se dá, por exemplo, ao escrever e ao dar lugar a obras singulares. Para Derrida, esta seria uma forma da universidade ganhar potência e se opor aos poderes de Estado, econômicos, midiáticos, ideológicos, enfim, a todos os poderes que limitam a democracia. Não a democracia já existente, mas a que ainda está por vir.

Derrida aponta, porém, que ao mesmo tempo a incondicionalidade é a força invencível da universidade e também a sua fraqueza. Exatamente por ser "sem condição", por não aceitar que lhe imponham condições, a universidade às vezes "se rende, às vezes se vende, arrisca-se a servir simplesmente para ocupar, tomar, comprar, prestes a se tornar uma sucursal de conglomerados e de firmas internacionais". Como o princípio de resistência da incondicionalidade não tem sido exercido de fato pela universidade, e pelas humanidades, ele termina por exibir a impotência, "a fragilidade de suas defesas perante os poderes que a comandam, assediam-na e tentam dela se apropriar. Porque é estranha ao poder, porque é heterogênea ao princípio do poder, a universidade é igualmente desprovida de poder próprio".

Por não aceitar que lhe imponham condições a universidade é compelida a se render também sem condição, como se pode verificar com o crescente financiamento das atividades de pesquisa e o ensino com interesses comerciais e industriais. Para Derrida, grande parte do que acontece hoje com o trabalho dentro da universidade é efeito da tecnociência. Para ele, uma importante questão se coloca nesse cenário: poderia a universidade afirmar uma independência incondicional, reivindicar uma soberania, sem nunca se arriscar ao pior, sem ter que se render, se deixar conquistar ou comprar a qualquer preço?

Usando seu próprio conceito, Derrida faz uma desconstrução do ato de professar, da teologia e da história do trabalho, da história do saber e da fé no saber, do mundo, da ficção, da literatura, da obra, e de tantos outros conceitos. Indigna-se diante do fato das humanidades serem limitadas (e se limitarem) a dizer o que crêem verdadeiro somente dentro da universidade. Questiona o diferente status adquirido pelos diversos trabalhadores na universidade, pelas diversas áreas do saber, bem como pelos saberes que produzem sobre o mundo. Interroga, desta forma, os limites clássicos estabelecidos para as humanidades e a forma como se constituíram no mundo.

Mais do que uma análise, uma crítica, uma desconstrução, o que Derrida faz nesta obra é um convite aos trabalhadores da universidade a exercerem não apenas o princípio da resistência incondicional, mas a exercerem uma força de resistência, e de dissidência. Um convite a continuar a operar a desconstrução da história da universidade, da história das humanidades, ao infinito. Mas adverte no final da obra: "Vão com calma, mas apressem-se, pois não sabem o que os aguarda".

Atualizado em 10/08/2004

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