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Reforma Agrária e Meio Ambiente
Neide Esterci e Raul Silva Telles do Valle (org.)

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Reforma agrária e meio ambiente
Neide Esterci e Raul Silva Telles do Valle (org.)
Instituto Socioambiental. 2003.

Nas três edições do Fórum Social Mundial o movimento ambiental e o movimento camponês estiveram entre os mais presentes. Ambos são fortes tanto internacionalmente como no Brasil. Os dois movimentos, entretanto, trazem uma contradição, pelo menos aparente. Enquanto o movimento ambiental busca uma redução da produção, do consumo e do uso da terra, o movimento pela reforma agrária - que está contido no movimento camponês - busca a ampliação da produção e um maior do uso da terra.

Para resolver essa contradição o Instituto Socioambiental (ISA) propôs uma oficina no Fórum Social que discutisse os dois direitos: à reforma agrária e ao meio ambiente. O livro Reforma agrária e meio ambiente é um dos resultados desse encontro e nele estão inteiramente transcritas as falas dos integrantes da oficina. O livro é formado ainda por artigos de pesquisadores e juristas, que discutem a interface entre os dois campos, o da preservação da biodiversidade e o da reforma agrária.

O tom geral da conclusão da oficina é que a contradição não está entre os dois movimentos mas no sistema capitalista, que leva a uma maximização da produção e do consumo. A conclusão está logo na introdução do livro, em texto assinado pela presidente do ISA,  antropóloga Neide Esterci. Os seringueiros, que tiveram como representante máximo Chico Mendes, estão entre os primeiros que perceberam que a aliança com os movimentos ambientalistas poderia render frutos à reivindicações sindicais de sua organização. Assim, conseguiram que as reservas extrativistas fossem demarcadas, aliando a garantia de sustento dos "povos da floresta" com a prática de uso sustentável do meio ambiente.

O representante do MST, Egídio Brunetto, fez, em sua fala no encontro, um diagnóstico sobre o que separa os dois movimentos. Segundo ele, "os camponeses foram ensinados a destruir a terra e tentam viver em função da crise permanente da agricultura. A nossa sorte é que uma hora esse fato é percebido e então começamos a tentar ir no sentido inverso contra a nossa cultura imediatista que privilegia o lucro iminente". Brunetto afirma que o MST está discutindo essas questões e que busca uma "reeducação do ser humano através de uma reconstrução de hábitos e de cultura".

A assessora de política agrária da Contag, Cleia Anice, situa o "problema" na chama da revolução verde. "A agricultura 'moderna' da revolução verde impôs a visão de que a natureza seria um ônus para a produção e, portanto, seria preciso desmatar, queimar e reformar a natureza, para se conseguir a produtividade e o lucro esperado", diz. Segundo ela, o ideário da revolução verde seria um distanciamento da origem camponesa de produção. O "vilão" não é, segundo ela, o assentado, mas o modelo de produção dos latifúndios. Seria preciso, então rediscutir o modelo da monocultura de exportação e buscar parcerias que possam implantar procesos sustentáveis nos acampamentos.

Outro ponto importante colocado pelos palestrantes no encontro e enfatizado nos artigos que compõem o livro é a rediscussão da propriedade privada. Esta aparece principalmente nas falas dos juristas. Carlos Marés, do ISA, põe o dedo na ferida ao dizer que "o mal desta história [a ameaça ao meio ambiente e à biodeversidade] é a propriedade privada, centro da modernidade, base do sistema jurídico estatal e pós-moderno". Pouco antes, Brunetto, do MST, já havia dito que "é fato que a nova fase de acumulação do capital está na biodiversidade", aludindo às patentes sobre organismos vivos, que transformam estes em mercadorias. Mas Marés vai fundo ao dizer que "a propriedade privada tem que ser revista com profundidade, de preferência tem que ser abolida e a Constituição brasileira nos permite uma interpretação acerca de seu enfraquecimento, com vias à extinção".

Marés coloca que, pela Constituição de 1988, a propriedade da terra só pode existir aliada ao cumprimento da função social da mesma. E essa função social da terra estaria colocada sobre quatro itens, segundo a definição do jurista Benedito Ferreira Marques: o bem-estar dos que nela vivem e trabalham; o uso racional e adequado da terra; a proteção dos recursos naturais renováveis e do meio ambiente; e a a observância das leis trabalhistas. Anice, da Contag, diz que, no entanto, essa visão não tem prevalecido e nem mesmo propriedades produtivas que utilizam trabalho escravo têm sido objeto de desapropriação.

Aparentemente radicais, essas idéias estão expostas de maneira muito lógica, fundamentada e clara em Reforma agrária e meio ambiente, tanto nas falas transcritas como nos artigos. A proximidade entre os movimentos ambientais e camponeses se ampliará e poderá render bons frutos a ambos se o homem for entendido como parte integrante da natureza e não um mero explorador dos recursos. E direitos humanos fundamentais como o direito à alimentação e ao trabalho só podem ser inferiores ao direiro à propriedade em uma sociedade pervertida.

Atualizado em 10/06/03

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2003
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Brasil