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Epilepsia
Carlos A. M. Guerreiro e outros (org.)

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Epilepsia
Carlos A. M. Guerreiro, Marilisa M. Guerreiro, Fernando Cendes, Iscia Lopes-Cendes (org.). Editora Lemos, 2000.

por Sara Nanni

Embora traga muitos termos técnicos e questões que provavelmente interessem apenas aos profissionais da área médica, o livro Epilepsia, lançado em 2000, pela Editora Lemos, trata também de muitos aspectos práticos e leva ao leitor informações genéricas sobre a epilepsia, como as novas drogas, os tipos de tratamento, os aspectos genéticos da doença, a qualidade de vida do epiléptico e a relação entre a psicopatologia e o comportamento do doente. Epilepsia é, na verdade, uma coletânea de artigos científicos, resultado do Curso de Pós-Graduação em Neurociências da Unicamp, realizado com o apoio da Biogalênica-Ciba-Geigy, em 1995. O livro é parte do "Projeto de Educação Continuada" da Liga Brasileira de Epilepsia. Para quem tem receio do excesso de palavras complicadas e técnicas, os organizadores avisam de antemão que o objetivo do livro é enriquecer o conhecimento teórico e principalmente prático, dos interessados nos cuidados que se deve ter com os pacientes epilépticos.

As generalidades da epilepsia são enumeradas por Carlos Guerreiro no capítulo "Aspectos Gerais", introduzindo para o leitor aquilo que há de mais básico no conhecimento desta doença. Segundo Guerreiro, não existe uma definição que seja completamente satisfatória de epilepsia. Pode-se, no entanto, apelar para o conceito de que as crises epilépticas são eventos clínicos que refletem a disfunção temporária de uma pequena parte do cérebro (chamadas crises focais) ou de uma área mais extensa, a qual envolve os dois hemisférios cerebrais (chamadas crises generalizadas). A crise acontece em razão da descarga anormal, excessiva e transitória das células nervosas, e os seus sintomas dependem das partes do cérebro que são envolvidas na disfunção.

Guerreiro também explica como deve ocorrer o processo de diagnóstico das crises epilépticas. Segundo ele, é fundamental obter informações precisas sobre a ocorrência dos eventos das crises. "O diagnóstico geralmente depende da descrição pormenorizada das crises pelo paciente, por parente ou testemunha", afirma. Devem ser observadas diversas características, como os movimentos involuntários ou automatismos, como estalar os lábios, mastigação ou careta, movimentos oculares, alteração da consciência, quedas, confusão mental, dentre outras. A seguir, ele descreve os exames físico geral e neurológico convencional, os quais auxiliam no diagnóstico da doença.

Embora deixe claro que os dados de freqüência das epilepsias sejam muito variáveis, por causa de dificuldades metodológicas (definições de epilepsia e fonte para obtenção de dados), Guerreiro apresenta as taxas de incidência da doença em alguns estados brasileiros, considerando também a caracterização dos afetados (adulto ou criança, homem ou mulher). Ele afirma, por exemplo, que a faixa etária mais acometida é a infantil, e que a maioria dos estudos demonstra um discreto predomínio da doença nos homens em relação às mulheres. "Estima-se que um por cento da população tenha epilepsia aos 20 anos de idade e mais do que 3% receberá o diagnóstico até os 80 anos".

É citada, ainda no capítulo "Aspectos Gerais", a classificação das crises epilépticas, além das epilepsias e síndromes epilépticas e condições relacionadas a elas. As epilepsias têm um enorme espectro clínico, variando de condições benignas e auto-limitadas até formas graves, incapacitantes e fatais. Muito artigos elencados no livro tratam em profundidade algumas dessas classificações listadas por Guerreiro, tais como Epilepsia de Lobo Temporal, Crises Neonatais, Epilepsias Graves da Infância, Epilepsias Benignas da Infância e Epilepsia Mioclônica Juvenil.

Também são feitas breves considerações sobre o diagnóstico diferencial da doença. Para identificar o tipo de epilepsia que acomete um paciente, deve ser considerada a possibilidade de haver condições não epilépticas, que podem interferir no seu diagnóstico. Guerreiro cita e analisa, por exemplo, a enxaqueca, a pseudocrise, os distúrbios do sono, o ataque de raiva, comparando-os com os reais sintomas da epilepsia. Ainda são mencionados aspectos da etiologia (investigação das causas da doença), da utilização do eletrencefalograma (o mais sensível e eficiente exame de avaliação das epilepsias), do tratamento medicamentoso (para o controle das crises, evitando o risco de lesões físicas e as conseqüências psicossociais) e da aplicação da ressonância magnética e da cirurgia.

Genética
Entre as causas da epilepsia, pode ser citado o fator genético (além de doenças infecciosas, fatores tóxicos, trauma ou agentes físicos, distúrbios metabólicos, vasculares e nutricionais), que é explorado no capítulo "Aspectos Genéticos", escrito pelas especialistas Iscia Lopes-Cendes e Eva Andermann. A base genética das epilepsias sempre foi muito especulada pela medicina. No entanto, na década de 50, vários estudos epidemiológicos apontaram as primeiras evidências científicas para a predisposição genética em algumas formas de epilepsia. Por exemplo, foi observado que pacientes com epilepsia generalizada idiopática (início da doença relacionado à idade) apresentavam casos de epilepsia na família com maior freqüência do que a população em geral. Com a utilização do eletrencefalograma, muitas controvérsias foram resolvidas. Para esse tipo de epilepsia, foi demonstrado que as alterações epilépticas eram transmitidas geneticamente, não ocorrendo a mesma coisa, necessariamente, com relação às crises. Nesse caso, basta um dos pais ser afetado pela doença para que os filhos tenham 50% de chance de herdar o gene anormal e causador da epilepsia. Os mesmos estudos foram feitos com pacientes com epilepsias focais (ou parciais), sendo que observações semelhantes foram constatadas. Indivíduos com epilepsia do lobo temporal também apresentaram antecedentes na família de casos da doença, porém com menor freqüência daqueles observados em pacientes com epilepsia generalizada.

O capítulo sobre "Aspectos Genéticos" também faz referência às técnicas de biologia molecular que podem ser aplicadas ao estudo das epilepsias, proporcionando a comprovação experimental das teorias sobre os genes que as transmitem. São expostos alguns conceitos básicos da genética molecular e suas implicações, além de serem discutidas brevemente as formas de epilepsia que já tiveram os seus genes localizados.

Medicamentos
As novas drogas para o tratamento da epilepsia são apresentadas pelos próprios organizadores do livro. No artigo, eles esclarecem sobre a eficácia das drogas (relacionando-as com os tipos de epilepsia e as idades dos pacientes em tratamento), os medicamentos que já foram desenvolvidos e as suas utilidades. Algumas exemplificações são fornecidas aos leitores. Em crianças, o uso de uma única droga antiepiléptica, apropriada para um tipo de crise, controla aproximadamente 50% dos casos. Já em pacientes adultos com epilepsias generalizadas idiopáticas há sucesso aproximado em 80% dos casos, e com epilepsias parciais sintomáticas a eficiência acontece em dois terços dos pacientes. Assim, os autores descrevem, um a um, os remédios existentes. Como um bula de remédio, o capítulo traz o nome das drogas, os seus mecanismos de reação no corpo e efeitos colaterais, bem como as suas indicações, eficácia e composição química.

Qualidade de vida
"Desde as primeiras e modestas pesquisas na década de 40 houve uma crescente preocupação quanto aos efeitos da doença e tratamento na qualidade de vida dos pacientes, culminando hoje numa área de considerável importância e atenção clínica", avaliam Elisabete Abib de Souza e Marilisa Guerreiro, no capítulo Qualidade de Vida. No entanto, as autoras avisam que ainda não existe um consenso sobre o conceito de qualidade de vida. Se, antigamente, consideravam-se como critérios para medir o impacto da epilepsia na vida de uma pessoa a freqüência, o tipo e a severidade das crises, hoje se leva em conta o grau de desvantagem que uma pessoa experimenta como resultado da epilepsia nos níveis social e cultural. "Assim, o tratamento de pacientes epilépticos requer mais do que simplesmente a administração de drogas, e o prognóstico [parecer do médico acerca do seguimento e desfecho de uma doença] não depende exclusivamente do controle de crises", afirmam as autoras. Para elas, os problemas sociais ou culturais podem interferir na qualidade de vida dos pacientes epilépticos tanto quanto as crises.

Nesse capítulo, para avaliar o grau de interferência da epilepsia no nível psicossocial dos pacientes, abordam-se áreas como os cuidados profissionais médicos, a família, a escola, o trabalho, assim como as alterações emocionais e os distúrbios cognitivos que delas podem decorrer. Dentre outras considerações, a importância da família é bastante destacada. Com freqüência, a epilepsia começa na infância e as crianças aprendem muito rápido que há algo de errado com elas. Esta aprendizagem pode ser positiva ou negativa, o que depende das explicações dos pais e dos seus comportamentos. Para as autoras, os pais treinam seus filhos para que se sintam apreensivos a respeito da epilepsia. Despertam-se nas crianças sentimentos de raiva, medo, choque, ansiedade, confusão e depressão. E tudo isso decorre dos comportamentos dos pais, que variam de permissividade e superproteção até rejeição, pobre acompanhamento na administração dos medicamentos e baixa expectativa.

Os aspectos físicos também são aí abordados, como fatores relacionados às epilepsias, às etiologias, às drogas, aos cuidados médicos e ao centro médico de atendimento. "O tipo de síndrome epiléptica influencia diretamente a qualidade de vida do paciente", afirmam as autoras. Há aquelas que costumam ser facilmente controladas e têm bom prognóstico, no entanto, também existem as que são de mais difícil controle, tendo caráter muitas vezes progressivo.

O artigo ressalta, ainda, que, além do controle clínico, uma das principais metas do tratamento deve ser a de ajudar o paciente epiléptico a levar uma vida que seja o mais normal possível. Isso apenas "pode ser conseguido com o fornecimento de informações precisas e orientações adequadas". Daí a importância da família, da escola (ou trabalho) e dos médicos terem participação positiva no tratamento

Atualizado em 10/07/02
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