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                            10/03/2016
                            
 O desastre em Mariana (MG), ocasionado pelo rompimento da barragem de  Fundão, da mineradora Samarco, ocorrido em novembro de 2015, é  considerado o maior desastre ambiental do Brasil. A catástrofe  provocou uma onda de rejeitos que matou pelo menos 17 pessoas,  provocando a perda da biodiversidade ao longo de 663 km de rios. No  último dia 2 de março, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi  assinado pelos governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo  e pela mineradora Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP  Billiton. O acordo prevê a recuperação de 42 mil hectares de áreas  de preservação degradadas e cinco mil nascentes na bacia do Rio  Doce. Segundo o Ibama, o TAC estabelece que as empresas deverão  desembolsar R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos, sendo R$ 2  bilhões em 2016. Estão previstos investimentos, até 2031, de R$  800 milhões a R$ 1,6 bilhão por ano, totalizando cerca de R$ 20  bilhões. Porém, algumas entidades têm contestado os termos do TAC,  argumentando que ele teria “amenizado” o lado das empresas por  colocar um teto nos gastos. Conversamos sobre esse assunto com a  presidente do Ibama, Marilene Ramos. O instituto, vinculado ao  Ministério do Meio Ambiente, participa das negociações do acordo e  do levantamento das consequências do desastre. Marilene Ramos é  engenheira civil e tem doutorado em engenharia do meio ambiente pelo  Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de  Engenharia (Coppe/UFRJ). Foi presidente do Instituto Estadual do  Ambiente (Inea/RJ) entre 2011 e 2014, secretária de Estado do  Ambiente entre 2008 e 2010 e presidente da Serla/RJ entre 2007 e  2008, e professora da Escola de Administração Pública e Empresas  (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas.
  Como está o levantamento dos impactos na região do desastre de  Mariana? Já há um volume consistente de dados? 
 Nós temos um laudo técnico preliminar  que agora está sendo atualizado. Teremos um novo laudo com previsão  para final de março. Não posso dizer que é o laudo definitivo,  porque temos um desastre que ainda está produzindo impactos, danos.  A mancha lá na foz do Rio Doce não se dissipou ainda. Tanto o Ibama  quanto a ANA (Agência Nacional de Águas) e o ICMBio estão  trabalhando nessa atualização, além da contribuição dos estados  e equipes técnicas. Essa atualização será baseada em todo o  monitoramento e em vistorias de campo que foram feitas desde os meses  de dezembro, janeiro e fevereiro. Há um monitoramento intensivo,  tanto dos trechos dos rios quanto da parte estuarina e da área  marinha atingida pelo desastre, inclusive áreas em que não há  ainda certeza se foram ou não atingidas, mas que estão sendo  monitoradas, como é o caso do Parque de Abrolhos (BA). Têm saído  laudos parciais, como por exemplo o que acabou embasando uma  suspensão da pesca de arrasto, de camarão, ali na região da foz do  Rio Doce, por conta da lama que foi depositada no fundo do rio; é  uma região que pode ter a presença de contaminantes. Da mesma  forma, há laudos desaconselhando o retorno da pesca em todo o Rio  Doce. Não por conta só da questão de haver contaminação, mas  também porque, como houve uma redução drástica na população de  peixes em todo o rio, é recomendável não se retornar à pesca  enquanto nós não pudermos fazer um enriquecimento  e pudermos constatar um crescimento dessas populações. Esses laudos  que estão sendo preparados para o fim de março estão baseados no  monitoramento de qualidade de água, de sedimentos, tanto nos rios  quanto na área marinha e costeira. 
  
 Como está a situação das pessoas que foram afetadas, de alguma  forma, pelo desastre? Há dados de quantas são e como elas serão  auxiliadas? 
 Essa questão dos impactos sociais e econômicos está sendo tratada  diretamente por um grupo formado na Casa Civil, com participação  dos estados atingidos e inclusive de representantes dos atingidos. O  importante é que esse acordo, esse TAC (Termo de Ajustamento de  Conduta)  celebrado na quarta-feira (02/03), prevê a inclusão de  todos os atingidos, de todas as tipologias de atingidos. E todo esse  trabalho de cadastramento está sendo acompanhado pela área social  do governo federal, para garantir que todos os atingidos sejam  contemplados. Seja porque perdeu um ente da família, seja porque  perdeu a casa, porque teve que suspender sua atividade agrícola, a  pesca, ou um comércio que por conta da falta d'água no seu  município não pode funcionar. A previsão que está no TAC, de  cadastramento e de negociações, é com todas as categorias de  atingidos. Tudo isso está previsto no TAC, além, obviamente, da  própria Defensoria Pública, que está acompanhando essa questão de  perto. Mas essa não é uma questão em que o Ibama se envolva  diretamente. 
 Como foi feito o cálculo para estimar o valor do TAC? Vimos que  existem entidades que estão contestando o acordo, argumentando que  ele teria favorecido mais as mineradoras. O que a senhora pode dizer  sobre isso? 
 Eu acho que as pessoas que estão criticando deveriam aguardar um  pouco para ler os termos do acordo. Não é? Para evitar fazer  afirmações infundadas; depois, no momento em que ele já estiver  homologado pelo juiz e puder ser amplamente divulgado em todas as  suas cláusulas, vão ver que essa suspeição não procede. Nós  ainda não pudemos disponibilizar no site do Ibama e no site do  governo os termos do acordo, porque há um entendimento da Advocacia  Geral da União de que ele só deve ser disponibilizado publicamente  após apreciação feita pelo juiz. O juiz poderia se sentir de  alguma forma pressionado, ou não devidamente respeitado na sua  autoridade, caso haja uma divulgação ampla. Mas o que nós, que  participamos da negociação, podemos afirmar é que reparação dos  danos não tem limite, ela não tem teto e nem piso. A reparação  terá que ser feita pelas empresas na totalidade dos projetos que  forem aprovados, que forem exigidos pelo comitê interfederativo e  pelos órgãos ambientais competentes, para as medidas de reparação. 
 E como foi feita a estimativa do valor? 
 A estimativa que existe é para que as empresas trabalhem, para que  elas possam fazer previsões em seus balanços, em seus orçamentos,  para os próximos 15 anos. Agora, obviamente, como toda previsão,  ela pode ser alterada para mais ou para menos. O que existe firmado  dentro do acordo, isso sim, tem um valor já pré-fixado, que  independe de quanto custarão as medidas reparatórias, são as  medidas compensatórias. Ou seja, antes até de nós termos a  totalidade dos estudos que vão permitir definir a totalidade dos  danos, e a totalidade das medidas de reparação, foi pré-fixado um  valor de R$ 4,1 bilhões para medidas compensatórias. O que são  essas medidas compensatórias? Elas vão compensar danos causados até  aqui que, independente da sua reparação, nós consideramos que  exigiam uma compensação. Então, esse é o valor. E veja como isso  é vantajoso, porque nos acordos, o normal é que as medidas  compensatórias sejam um percentual das medidas reparatórias. Esse  valor de R$ 4,1 bilhões foi estimado em função de estudos  técnicos, em cima de medidas que foram negociadas como medidas  necessárias para que o Rio Doce e as áreas impactadas pudessem se  recuperar de uma forma mais acelerada. O que importa é esse  conceito: nós precisamos de medidas compensatórias que ajudem o Rio  Doce e os demais rios atingidos e as demais regiões impactadas a se  recuperar de forma mais acelerada, e elas são complementares às  medidas de reparação. 
 Quais serão essas medidas compensatórias? Como elas vão  funcionar? 
 Qual é a tese? É tecnologicamente impossível você reparar a  totalidade, de forma completa e total qualquer dano, sempre poderá  ficar algum resquício, ainda que você drague todo o rejeito que foi  despejado dentro dos rios. Há uma parte, por exemplo, que está hoje  sob forma coloidal, não há  como você tirar ela do mar, tirar do estuário, vai ter que aguardar  um tempo até que ela se degrade e se decante. Então, qual é a  ideia das medidas compensatórias ambientais? (Existem também as  medidas compensatórias socioeconômicas, mas estou me referindo às  ambientais). É que se façam ações sobre outras fontes de  degradação da bacia, que não têm nada a ver com o evento, com o  desastre, que não têm nada a ver com os rejeitos despejados, como  áreas de preservação permanente que hoje estão degradadas. Como,  por exemplo, a bacia do Rio Doce, que é uma bacia que apresenta  processos erosivos intensos, sem vegetação, com voçorocamentos  enormes, o que faz com que o Rio Doce receba uma enorme contribuição  de sedimentos, oriundos a cada chuva forte. Então, qual é a ideia?  Nós vamos atuar recuperando a cobertura vegetal dessas áreas de  preservação permanente, para reduzir esse aporte de sedimentos para  dentro do rio. Com isso, mesmo que o rio ainda contenha sedimentos  oriundos dos rejeitos, ao controlar outra fonte, no equilíbrio  geral, eu tenho um impacto positivo sobre o rio. Da mesma forma, a  questão de tratamento de cinco mil nascentes, a recuperação de  cinco mil nascentes. A nascente tem aquela área de entorno dela, de  um hectare, em que se você tem uma recuperação da cobertura  vegetal, ela passa a produzir mais água.  Quando eu tenho mais água  no rio, eu tenho um rio mais capaz de restaurar seus processos  biológicos, mesmo na presença de uma carga de sedimentos ainda  oriunda do desastre. Da mesma forma, foi incluído um valor  expressivo para coleta e tratamento de esgoto e para erradicar  lixões, nas cidades ribeirinhas do Rio Doce, que são 39 municípios.  Qual é a ideia? Nós vamos reduzir o lançamento de carga poluente  no rio, seja de esgoto doméstico, seja de chorume dos lixões, para  que o Rio Doce fique mais limpo e, com isso, ele possa regenerar a  vida de forma mais rápida. Então, este foi o ponto de partida para  estabelecer essas medidas compensatórias que montam a R$ 4,1  bilhões. Para você ter uma ideia, o plano da bacia do Doce, feito  em 2009, previa um investimento ao longo de 20 anos de R$ 1,3 bilhão.  Os recursos das medidas compensatórias colocadas disponíveis são  mais de três vezes esse valor. Nunca ninguém imaginou o Rio Doce  recebendo investimentos dessa monta. E, volto a afirmar, isso para as  medidas compensatórias. 
 E para as medidas reparatórias? 
 Para as medidas reparatórias, há uma estimativa por conta de que  tipo de medidas reparatórias são. Tem que dragar os rejeitos, tem  que tratar os rios, tem que recompor a fauna, tem que fazer  monitoramento, tem que fazer educação ambiental, tem que informar a  população, tem uma série de medidas reparatórias que foram  estimadas em algo em torno de R$ 15 ou 16 bilhões, por isso, tem-se  falado em um total em torno de R$ 20 bilhões. Agora, há muitos  estudos ainda a serem feitos para avaliar quais são as melhores  soluções, quais são as melhores tecnologias disponíveis no mundo.  Só então é que as medidas reparatórias vão poder ser definidas  de forma adequada e com projetos adequados, bem detalhados, para que  a gente saiba exatamente quanto vão custar. Independente do quanto  custarão as medidas reparatórias, as medidas compensatórias vão  custar no mínimo R$ 4,1 bilhões.  
 O que saiu de errado em termos de fiscalização, na sua  avaliação? O desastre poderia ter sido evitado? 
 Olha, o Ibama não se envolveu diretamente na investigação do  evento, do rompimento da barragem.  Nós estamos aguardando o laudo  de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, que  estão com técnicos e especialistas convocados para gerar um laudo  conclusivo sobre as causas do rompimento da barragem. Como você  sabe, o licenciamento foi feito pelo órgão estadual, e o Ibama, em  nenhum momento, acompanhou a construção ou o monitoramento dessa  barragem para avaliar se houve alguma sinalização de risco. Não  sabemos. 
 O evento trouxe alguma mudança em termos de legislação  ambiental e fiscalização?   
 Nós iniciamos uma discussão sobre a inclusão, no Código de  Mineração, de dispositivos que permitam prever recursos para um  fundo de reparação ambiental, de recuperação de áreas  degradadas. Existe uma previsão similar nos Estados Unidos, do  chamado “superfundo”, que garante que, seja por um evento como  esse de Mariana (MG), seja um acidente que cause uma degradação  ambiental, ou que, no fim da vida útil daquela mina, o empreendedor  tiver falido ou por qualquer problema não tenha condições de  reparar o dano, que exista um fundo para promover essa reparação.  De certa forma, estamos aproveitando toda essa mobilização em torno  do tema para levantar essa discussão e tentar que isso seja previsto  no novo Código de Mineração. Nós temos muitos casos no Brasil de  áreas que foram exploradas e que depois se transformaram em passivo  ambiental, porque não se conseguiu obrigar o empreendedor a  fazer a recuperação da área degradada como é previsto no  licenciamento ambiental. 
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