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                        |  O futuro do transporte urbano é coletivo
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                            Por Tiago Alcântara
                             10/11/2015
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Elon  Musk é uma máquina de fazer dinheiro. O empresário sul-africano  ganhou boa parte de sua fortuna de US$ 11,2 bilhões após vender os  serviços Zip2 e PayPal para Compaq e eBay, respectivamente. Desde  então, esteve envolvido com algumas das empresas mais admiradas do  Vale do Silício. A região é conhecida como polo de tecnologia e  inovação dos Estados Unidos. 
Após  investir no ramo de transportes espaciais, Musk virou fabricante de  carros elétricos com sua Tesla Motors. O noticiário mostra os  lançamentos da empresa com uma mistura de curiosidade e assombro.  Entretanto, os automóveis elétricos, no formato atual, não serão  capazes de reduzir congestionamentos ou proporcionar uma vida melhor  nas grandes cidades.  
 Carro da Tesla. Flickr/Georgemoga 
O  transporte do futuro não é um sedã de luxo que custa a partir de  US$ 75 mil. Se fosse importado para o Brasil, na cotação da moeda  americana e livre de impostos, um carro da Tesla custaria R$ 290 mil.  Provavelmente, também não será o Google quem vai resolver a  questão com carros autônomos. 
A  razão para isso é simples. “É no transporte coletivo que a  tecnologia dos veículos autônomos e elétricos fará maior  diferença para as cidades”, afirma o professor da Pontifícia  Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pesquisador do  Massachusetts Institute of Technology (MIT), Fábio Duarte. 
“Carros  elétricos emitem menos poluentes nas ruas. Mas é necessário saber  se a eletricidade que os move é gerada por fontes renováveis. O  impacto ambiental desses veículos, considerando sua produção e a  produção de energia, continua grande", comenta Duarte. O  pesquisador participa do Senseable City, projeto que estuda as  transformações causadas pela implantação de sensores e presença  de eletrônicos portáteis no espaço das cidades. 
Uma  análise sobre o ciclo  de vida de um automóvel movido por eletricidade mostra que cada  unidade de carro elétrico já sai da fábrica sendo responsável  pela emissão do dobro de dióxido de carbono de um carro  convencional. O estudo foi publicado no Journal of Industrial  Ecology, da Universidade de Yale (EUA) em 2012. "Além  disso, a emissão de poluentes é parte do problema da motorização  individual. Já no trânsito, a diferença é que passaremos a ter  congestionamento de carros elétricos”, continua Duarte. 
Transporte  e sistemas de informação 
A  explicação para os problemas de mobilidade urbana pode vir de um  lugar tão improvável como uma imagem compartilhada à exaustão na  internet. No ano de 1965, o fotógrafo Heinz Zinram ajudou o  departamento de trânsito de Londres a explicar como os carros  aproveitam mal o espaço das estradas. A peça mostra quanto espaço  69 pessoas ocupam em uma via em três situações: cada uma dentro de  seu próprio automóvel; a pé e, finalmente, dentro de apenas um  ônibus. 
  
Imagem:  Reprodução/London Transport Museum 
A  campanha virou até mesmo um pôster  decorativo retrô, vendido pelo Museu dos Transportes de Londres.  O que Zinram e os londrinos desvendaram há 50 anos é o que o doutor  em economia e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística  (FEE), do Rio Grande do Sul, Ricardo Brinco, chama de “estilo de  vida moldado pelo automóvel”. Para Brinco, a dependência por essa  opção de transporte é responsável por deteriorar as condições  de mobilidade urbana e o meio ambiente. 
“Há  uma extremada dependência em relação a uma única escolha de  modelo, que resulta em um elevado número de deslocamentos per  capita realizados em veículo privado. Por outro lado, é  crescente o reconhecimento da incapacidade dos centros urbanos de  assegurarem espaço de circulação para acomodar toda a demanda de  viagens geradas em automóvel”, afirma o economista da FEE. 
Por  outro lado, o pesquisador do MIT explica que os carros autônomos,  elétricos ou não, são parte de um sistema integrado, em que  semáforos inteligentes controlam o tempo de abertura em função do  fluxo, sinais eletrônicos desviam o tráfego para evitar  congestionamentos e os automóveis são equipados com sensores que  detectam presença de pedestres. 
Para  Duarte, o futuro da mobilidade urbana está na incorporação de  tecnologias como motores elétricos e carros autônomos no modelo de  transporte coletivo. “Nos dois casos carros elétricos e  autônomos, o interesse é ver essa tecnologia aplicada no  transporte público, nos ônibus. Os BRTs, os ônibus que circulam em  corredores exclusivos, são o caso perfeito: não se misturam com o  tráfego, têm menos cruzamentos, as estações podem ser ponto de  recarga”, comenta o pesquisador do MIT. Duarte  continua: “entender o transporte como parte de um sistema de  informação e comunicação mudará o modo como o planejamos e  gerenciamos". 
Tecnologia  e conforto 
Uma  estimativa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada  (Ipea) aponta que o tempo  de deslocamento médio de casa para o trabalho no Rio de Janeiro  é de 47 minutos por trecho. O levantamento levou em conta dados de  nove regiões metropolitanas do país e revelou uma média de 82  minutos por dia gastos com transporte. 
Convertendo  o tempo gasto em deslocamentos para horas trabalhadas, o valor seria  equivalente a R$ 300 bilhões ao ano (mais de 7% do PIB brasileiro).  Pior: as horas gastas no transporte público passam longe de serem  agradáveis para seus passageiros. 
Para  Ricardo Brinco, “é vital que a imagem do transporte coletivo se  torne suficientemente atrativa para poder deslocar os usuários  cativos do transporte privado”. O pesquisador da FEE aponta que os  transportes precisam se beneficiar de materiais mais confortáveis,  motores ecológicos e outras inovações. Saindo do banco do  passageiro e indo para a central de controle, big  data e a chamada “internet das coisas” também podem  contribuir com viagens mais confortáveis. 
  
 
 Linha de BRT (corredor de ônibus) de Curitiba. Flickr/mariordo59 
E  tudo pode começar a partir das informações que os mais de 150  milhões de smartphones que existem no Brasil produzem, afirma o  engenheiro, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de  Janeiro e membro sênior do Institute of Electrical and Electronics  Engineers (IEEE), Raul Colcher. "Atualmente, lidamos com grandes  massas de dados, grandes redes de captação que, continuamente,  estão recebendo informações. O grande desafio é tirar  inteligência desses dados, usando georreferenciamento e inteligência  urbana para criar cidades inteligentes", argumenta Colcher.  
Imagine  um ônibus que se dirige sozinho, movido por energia elétrica, e  climatizado. O veículo conta com sensores de peso – avisando  quando é preciso ter mais coletivos rodando. Enquanto isso, na  plataforma, os usuários podem verificar painéis informativos com  horários, rotas dos ônibus e informações em tempo real do  trânsito. Nas paradas, os veículos usam os pontos para carregamento  das baterias. A poucos quarteirões de distância, um passageiro  verifica no seu smartphone se vale a pena correr até a estação  para pegar um desses ônibus. 
Todas  as tecnologias citadas já passam por testes em várias cidades do  mundo. Bogotá, na Colômbia, tem centenas de quilômetros de  corredores exclusivos de ônibus. Singapura conta com uma central de  monitoramento em tempo real do trânsito desde 1997.  Na China, a  fabricante Yutong anunciou que seu ônibus autônomo “dirigiu” 32  quilômetros entre as cidades de Zhengzhou e Kaifeng sem nenhum  incidente. As informações em tempo real também estão disponíveis  na tela de qualquer celular com o aplicativo Waze instalados. 
"Hoje  o carro é parte de um sistema de informação e comunicação.  Sensores no veículo detectam outros veículos e pedestres,  aumentando a segurança viária. Sensores nas ruas medem o fluxo e  índices de poluição e controlam automaticamente abertura de  semáforos ou desvios de rotas. Pessoas sabem exatamente quando  chegará o ônibus e com isso controlam o tempo a gastar de casa ao  ponto de ônibus”, descreve Duarte. 
E  como fica o metrô? 
Brinco  comenta que o metrô é um sistema de transporte de grande eficiência  e tem o diferencial de estar preparado para os deslocamentos de  grandes quantidades de usuários. Além disso, esse tipo de  transporte contempla traçados de superfície, em vias elevadas e  subterrâneas. 
Por  outro lado, o volume de recursos financeiros que são comprometidos  pelas obras de metrô abre espaço para que sejam consideradas  alternativas menos caras aos orçamentos públicos. “O certo é que  as despesas com a implantação de um metrô são gigantescas,  especialmente no caso de linhas subterrâneas”, afirma o economista  e pesquisador da FEE. 
O  pesquisador aponta que os veículos leves sobre trilhos (VLTs) são  “menos glamorosos", mas tão eficientes quanto o metrô.  Considerado o “herdeiro” do bonde, o veículo leve sobre trilhos  é uma solução de infraestrutura mais simples e mais barata. 
O  modelo utiliza veículos alimentados por energia elétrica e pode  circular entre os carros. Presente em várias cidades dos Estados  Unidos e Europa, os VLTs devem começar a rodar até o início de  2016 na baixada santista e no Rio de Janeiro. É dessa última cidade  que vem uma terceira alternativa: o Maglev Cobra. 
Maglev  Cobra   
 Protótipo do Maglev Cobra. Divulgação Maglev Cobra/UFRJ 
Usando  supercondutores, o trem levita sobre o trilho, sem nunca encostar  nele. A tecnologia usada em países como Japão, Alemanha e China é  semelhante, mas a versão brasileira deve ser adaptada para uso no  espaço urbano, assim os usuários deverão se contentar com  velocidades menores. Em razão das estações e do trajeto urbano, os  trens devem flutuar a uma velocidade média de 70 km/h. Bem longe dos  500 km/h atingido por um trem bala japonês. 
 Desenvolvido pelo Laboratório de Aplicações de Supercondutores  (Lasup) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Cobra é  o resultado de anos de pesquisa no campo de supercondutores. Um dos  desafios da equipe do Lasup é tornar sua tecnologia mais barata.  Para isso, é necessário baixar os custos do sistema de  condutores e planejar suas estações. 
O  projeto ainda não tem previsão para implementação, mas o site  oficial demonstra mais otimismo e informa que o veículo  flutuante já recebeu aportes financeiros de instituições como  Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio  de Janeiro (Faperj), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e  Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ainda  de acordo com a página, o “Maglev é coisa para o futuro. Só que  o futuro já chegou”.  
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