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 Dia  5 de outubro de 2000, noite de quinta-feira. O salão do Teatro  Sanders da prestigiosa Universidade Harvard está lotado de  acadêmicos, incluídos vários vencedores de edições passadas do  Prêmio Nobel. Por seu trabalho, publicado três anos antes, o físico  russo naturalizado holandês e britânico, Andre Konstantin Geim,  então na Universidade de Nijmegen (atualmente na Universidade  Manchester), e o físico-matemático inglês Michael Victor Berry, da  Universidade  de Bristol, foram agraciados com o prêmio de Física. O feito?  Levitar uma rã sob um campo magnético de alta intensidade – e o  artigo, inclusive, tem um título bastante claro e descritivo: “Of  flying frogs e levitrons” (“Sobre rãs voadoras e levitrons”), publicado no European  Journal of Physics.  O prêmio? Um Ig Nobel. “Láurea” concedida pela publicação  humorística Annals of Improbable Research (AIR) para pesquisas que  “primeiro nos fazem rir e, depois, pensar”. Geim, longe de se  sentir constrangido ou irritado, foi  receber a honra pessoalmente.  Dez anos depois, Geim, por trabalhos sobre grafenos (sem relação  com batráquios voadores), dividiria com o físico russo naturalizado  britânico, Konstantin Novoselov, o Nobel  de Física.  Andre Geim tornara-se o primeiro, e até o momento o único, a ser  agraciado tanto pelo AIR quanto pela Real Academia Sueca de Ciências. 
Embora  o Nobel seja provavelmente a honraria mais conhecida e reconhecida,  especialmente nas áreas de ciências, muitas outras premiações  surgiram ao longo do tempo. Nos compêndios da editora Gale Research  “Awards,  Honors & Prizes”,  segundo a socióloga americana Harriet Zuckerman, da Universidade  Columbia, no início dos anos 1990, havia cerca de 3 mil premiações científicas apenas nos EUA; um número cinco vezes maior do que ao  fim da década de 1960, um  crescimento que não pode ser explicado somente pelo aumento do  número de cientistas, 
  que  se deu a uma taxa bem menor. Parte  delas acaba servindo de complemento, contemplando campos que não são  agraciados pelo Nobel, como a matemática. A Medalha Fields, criada  em 1936 e conferida regularmente a cada 4 anos pela União Matemática  Internacional desde 1950, e o Prêmio Abel, da Academia Norueguesa de  Ciências e Letras, concedido anualmente desde 2003, são duas das  principais nessa área. 
 A  Fields, cujo nome homenageia o matemático canadense John Charles  Fields (1863-1932), um dos principais idealizadores do prêmio,  tornou-se mais conhecida do público brasileiro este ano pelo fato  de, pela primeira vez, um brasileiro (e um latino-americano) ser  agraciado. Artur Ávila Cordeiro de Melo, carioca e também  naturalizado francês, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada  (Impa) e do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, da França)  já era cotado há algum tempo. Juntamente com Ávila, foram  premiados outros três matemáticos com menos de 40 anos: a iraniana  Maryam Mirzakhani, das Universidades de Harvard e de Stanford; Manjul  Bhargava, americano-canadense, da Universidade de Princeton; e o  austríaco Martin Hairer, da Universidade de Genebra. 
 Mirzakhani  é a primeira mulher a receber o galardão. Seria a Fields uma  espécie do clube do Bolinha (acusação também feita ao Nobel)?  Hairer acredita que não. “A amostra é muito pequena”, diz o  matemático austríaco. “Além disso, a proporção de mulheres (na  área) provavelmente não é maior do que 10 ou 15% e, antes dos anos  1980, 1990, esses valores eram ainda menores; então não creio que  haja um viés contra as mulheres no comitê da medalha Fields,  principalmente dada a grande integridade profissional e humana de  seus componentes”, prossegue Hairer, complementando: “Dito isso,  claro que o fato de haver tão poucas mulheres matemáticas é  lamentável, mas qualquer solução para isso deve começar em  estágio muito anterior, como o encorajamento pelos pais às jovens  para que acreditem que matemática e ciências não são apenas para  meninos”. 
Proposital  ou não, a baixa presença das mulheres entre cientistas laureados –  não apenas entre vencedores da Fields – levou à criação de  algumas premiações especiais com a intenção de aumentar a  visibilidade de seus méritos. Caso, por exemplo, do L'Oreal-Unesco  para Mulheres nas Ciências, cuja versão  brasileira conta também com a participação da Academia Brasileira de  Ciências. Para Zuckerman, premiações exclusivas para mulheres “não  têm sido efetivas na redução da discriminação por gênero”,  embora a socióloga considere que sejam realizadas com as melhores  das intenções. “Não vejo muitas mulheres serem incluídas nas  novas premiações; de fato, há muito pouco delas; no entanto,  parece que elas estão sendo, bem aos poucos, reconhecidas pelo  excelente trabalho que fazem”, diz. 
 Novos  Nobéis e polêmicas 
 Parte  das premiações tenta se posicionar como concorrente ao Nobel, não  apenas por atuar nas mesmas áreas como pelos valores envolvidos.  Enquanto a Fields distribui 15 mil dólares canadenses aos vencedores  (cerca de US$ 14.700) e o Nobel, atualmente, cerca de US$ 1,2 milhão  por área – podendo ser dividido por até três ganhadores –  recentemente foram criados prêmios que pagam até US$ 3 milhões  para pesquisas como o Breakthrough Prize, nas áreas ciências da  vida, física fundamental e matemática. O prêmio Tang, voltado para  o desenvolvimento sustentável, biofarmacêutica, estudos chineses e  direito, é conferido a cada dois anos com o valor de 40 milhões de  dólares taiuaneses (algo como US$ 1,3 milhão) para cada área.  Esses valores são bancados por bilionários de diversas origens. O  incorporador de imóveis taiuanês Samuel Yin está por trás do  Tang; o investidor russo Yuri Milner e o co-criador do Facebook, Mark  Zuckerberg patrocinam o Breakthrough Prize em matemática; a área de  ciências da vida recebeu aportes do co-fundador do Google, o russo  Sergey Brin, do empresário chinês Jack Ma, de Zuckerberg e de  Milner; e o de física fundamental, por Milner. 
O  físico teórico russo da Universidade Princeton, Alexander Polyakov,  relata  à  jornalista Zeeya Merali  para o site da Nature,  ao receber o Breakthrough Prize em física fundamental deste ano:  “Esses prêmios de grandes valores monetários podem se tornar  muito influentes e podem ter um impacto positivo ou podem ser muito  perigosos”. Zuckerman concorda com Polyakov: “Prêmios com muito  dinheiro, que atraem grande atenção do público e que são  grandemente desejados, ao menos por alguns, distorcem as prioridades  e reforçam as tendências já fortemente competitivas nas ciências;  mas também chamam a atenção do público para a importância das  ciências e das novas contribuições e também recompensa os que  pensam e trabalham duro em ideias frequentemente difíceis de se  compreender e que não necessariamente têm aplicações práticas”. 
 Mas  as polêmicas não terminam aí. Em vários casos, as novas  premiações vão para cientistas já renomados e premiados  anteriormente. Para Zuckerman, isso se deve aos organizadores desses  prêmios considerarem que é mais seguro prestigiar quem já foi  agraciado anteriormente sem que tenha ocorrido qualquer problema.  Isso acaba se constituindo no que é conhecido como efeito Mateus –  cientistas já eminentes tendem a ter ainda mais crédito em relação  a cientistas menos conhecidos. Além disso, os organizadores gostam  de ser associados a cientistas que já são famosos. O que pode  render acusações de tentativa de se obter prestígio vicário. Na  reportagem de Merali, o físico nobelista Frank Wilczek, do MIT,  considera que algumas pessoas estão “ou tentando tomar emprestado  o prestígio de ganhadores do Nobel ou tentando comprá-lo”. 
Suspeitas  similares são evocadas a cada vez que algum cientista eminente  aceita o prêmio da Fundação Templeton, voltada para a “catalisar  descobertas a respeito das grandes questões sobre o propósito  humano e a realidade final”, isto é, a conciliação entre ciência  e religião. Como em 2011, quando o astrofísico britânico Martin  Rees,  da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, aceitou o prêmio de 1  milhão de libras (cerca de US$ 1,56 milhão). O jornalista  de ciências norte-americano John Horgan considera a premiação como uma tentativa de legitimação da agenda  religiosa da entidade, como escreveu em seu blog. Já o físico  norte-americano Sean Carroll brinca em seu blog dizendo que aceitaria o prêmio e o utilizaria  para financiar a evangelização para o naturalismo e o ateísmo –  depois de pagar a hipoteca. 
A  origem do dinheiro das premiações e o histórico dos patronos  também são alvo de preocupações. Yin, do prêmio Tang, já foi  citado em investigações  de corrupção de políticos taiuaneses,  embora não  tenha sido processado. 
Algumas  categorias de premiações, no entanto, são ainda mais polêmicas –  as que cobram dos agraciados  alguma contribuição:  seja por meio da venda de catálogos nos quais seus nomes estão  incluídos, seja para a confecção de medalhas e placas ou para a  organização da cerimônia. 
 O  anti-Nobel 
 Uma  premiação que poderia ser alvo de polêmicas e críticas termina  por ser muito bem vista pela comunidade científica – ao menos por  parte dela. Geim, do Ig Nobel, não é um caso isolado, vários  outros pesquisadores recebem de bom grado o prêmio – os  organizadores tomam o cuidado de entrar em contato com antecedência  com os potenciais ganhadores para verificar a aceitação. 
Em entrevista  telefônica a Adam Smith para a Fundação Nobel,  Geim diz ter ficado orgulhoso do Ig Nobel. A ideia da rã flutuando  sob o campo magnético era, desde o começo, uma imagem com o intuito  de ser divertida, mas o fato de ter tido a coragem de aceitar o  prêmio, para o físico, foi particularmente motivo de orgulho. 
Os  arqueólogos Astolfo de Araújo, da Universidade de São Paulo, e  José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de  São Paulo, são os únicos brasileiros vencedores. O  mérito foi  por um trabalho publicado em 2003: “The  role of armadillos in the movement of archaeological materials: an  experimental approach”,  sobre o efeito da escavação do tatu na distribuição de itens em  sítios arqueológicos – com as implicações na datação na  medida em que mistura camadas mais novas com as mais antigas. “Acho  que a ciência é algo que deve ser levada a sério sem que seja  sisuda e mal-humorada”, diz Araújo. “Aceitar o prêmio é  entender que você ajuda a disseminar a ciência como uma coisa  interessante”, opina o arqueólogo da USP e completa: “Um ótimo  exemplo é uma outra premiação do Ig Nobel de 2008, em que os  pesquisadores trabalharam dentro de uma boate de strip-tease, e  descobriram que as dançarinas ganhavam mais gorjeta quando estavam  no período fértil. Muito engraçado, mas ao mesmo tempo faz pensar  um bocado, não? Será que somos tão racionais assim? Será que  somos sujeitos à ação de feromônios de uma maneira muito mais  forte do que imaginamos? Será que existe livre-arbítrio? Ou seja,  uma coisa engraçada pode levar você aos mais altos questionamentos  filosóficos”, diz. 
 Zuckerman  também considera a premiação como benigna: “Isso me diverte e  acho que fazer piada com o que é geralmente visto como sagrado é  bom para todo mundo”. Mas se ela gostaria de receber o prêmio?  “Absolutamente não!”. 
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