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                             Os  museus são considerados os "atrativos estrelas" do turismo,  principalmente do turismo cultural (Camargo & Cruz, 2009, p.  315). No México, por exemplo, o Museu Nacional de Antropologia, o  Museu do Templo Maior, as ruínas de Teotihuacán, além dos inúmeros  museus regionais e a céu aberto, são paradas quase que obrigatórias  para quem visita o país. Outros exemplos significativos são o Museu  do Louvre, em Paris; o Museu do Prado, em Madrid; o British Museum,  em Londres e o Metropolitan Museum, em Nova York.
 A  aproximação dos museus com o turismo contribui para o  desenvolvimento social e cultural de uma região, já que o processo  de turistificação ajuda na valorização do patrimônio, pois  possibilita "a revitalização da identidade cultural, para a  preservação dos bens culturais e das tradições, operando como uma  atividade que pode gerar mecanismos de sustentabilidades próprios  para a cidade" (Rotman & Castells, 2007, pp. 63-64).  
Essa  aproximação é importante também para o desenvolvimento econômico  da região. A exposição sobre Claude Monet, organizada em 1995 pelo  Art Institute of Chicago, por exemplo, atraiu 960 mil visitantes em  um período de dezenove semanas, gerando quase 300 milhões de  dólares na economia da cidade; já a exposição sobre Cézanne,  organizada pelo Philadelphia Museum of Art, em 1996, atraiu 550 mil  visitantes no período de 13 semanas, movimentou um volume de 10 mil  pernoites em hotéis e aproximadamente 86,5 milhões de dólares  (Linaza, 2007, p. 139). 
Outro  fator de destaque para fortalecer a relação entre turismo e museus  e incrementar a cadeia econômica tem sido a introjeção dos  pressupostos da economia criativa, um elemento importante para  produzir perspectiva de geração de renda que garanta a  sustentabilidade econômica dos museus e a geração de fluxos  econômicos para a comunidade no seu entorno, além de agregar valor  simbólico e proporcionar experiências únicas para os visitantes a  partir da inovação dos espaços e dos acervos.  
Pensando  nessa aproximação entre turismo, museus e economia criativa,  surgiu, em 2012, uma pesquisa desenvolvida no Departamento de  Hotelaria e Turismo (DHT) da Universidade Federal de Pernambuco  (UFPE) com o objetivo de analisar as ações desenvolvidas pelos  museus recifenses (1). 
A  relação entre economia criativa, museus e turismo está prevista no  Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM) do Instituto Brasileiro de  Museus (Ibram). Um dos eixos estruturantes é "Cultura e economia  criativa", cuja ação propõe "fomentar a relação  museu-comunidade, considerando a função social dos museus,  produzindo novas perspectivas de geração de renda pautadas em  produtos e serviços, que aproveitem potencialidades, saberes e  fazeres" (Ibram, 2010, p. 17). Ainda de acordo com PNSM, a  consolidação do eixo cultura e economia criativa prevê como uma de  suas diretrizes a ampliação de parcerias entre os museus e o setor  turístico, de modo a propiciar a inclusão, o respeito e a  valorização da diversidade cultural, a partir da participação dos  museus na cadeia produtiva do turismo (Ibram, 2010, p. 74).  
Exemplo  significativo dessa relação entre economia criativa, museus e  turismo é o Museu Guggenheim, em Bilbao, cuja implantação serviu  para recolocar a cidade do país basco nos mapas de destinos  turísticos. Quando foi implantado, Bilbao estava com a  infraestrutura desgastada e com a reputação abalada pelo  terrorismo, e ele ajudou a promover a revitalização, atraindo  atividades que "deram vida" à cidade, por meio do surgimento  emergente de extraordinária atividade urbana e de bares e  restaurantes, além da criação de diversos empregos, promovendo o  desenvolvimento da cidade (Morato & La Iglesia, 2010). 
Vale  salientar que os projetos de economia criativa desenvolvidos nos  museus podem atrair um segmento do turismo ainda pouco explorado, mas  crescente: os turistas criativos. Richards e Raymond (2000) definiram  o turismo criativo como aquele que oferece aos visitantes a  oportunidade de desenvolver seu potencial por meio da participação  ativa em cursos e experiências de aprendizagem característicos dos  destinos turísticos. O turismo criativo, baseado na experiência,  participação e cocriação, tem sido cada vez mais estimulado  porque responde às necessidades do turismo de se reinventar, às  necessidades dos destinos de fazer algo diferente em um mercado  saturado e aos desejos dos turistas por experiências significativas  (Richards & Marques, 2012). 
Hoje,  o conceito de turismo criativo vai além da relação com as  experiências de aprendizagem adquiridas pelos turistas, e inclui uma  gama de atividades criativas (artes visuais, performance, culinária,  moda, design, escrita, filosofia, jardinagem etc.), em que o conceito  criativo vem em primeiro plano e no qual há o envolvimento dos  turistas na produção da vivência. Trata-se de participação e  cocriação entre habitantes e visitantes, na tentativa de reumanizar  a relação entre visitantes e visitados (Richards & Marques,  2012). 
Os  museus também estão aderindo ao turismo criativo. O Museu da  Criança, em Santa Fé, no México, intitula-se como um local onde as  pessoas aprendem "por meio da criação". Conforme apontado no  site, ele oferta diariamente aos visitantes programas como oficinas  de pintura, escultura, trabalho em madeira, origami, de papel,  jardinagem, música etc., além de exposições que exploram a arte  por meio da brincadeira, do lúdico. 
Exemplos  da relação entre economia criativa, museus e turismo também já  podem ser encontrados em alguns pontos de Recife. O museu Cais do  Sertão, inaugurado em abril de 2014, é um equipamento cultural  pensado dentro dos pressupostos da economia criativa, e tem o  potencial de vincular produtores criativos da cidade com pessoas de  diferentes regiões que querem desenvolver atividades. O museu possui  elementos capazes de valorizar as coletividades, além de mobilizar a  participação de vários atores no cotidiano do centro cultural.  
O  Cais do Sertão possui um diálogo constante com outro equipamento  museal, o Paço do Frevo. Inaugurado em 2014, é um espaço dedicado  à difusão, pesquisa, lazer e formação nas áreas de dança e  música de um dos ritmos considerado como patrimônio imaterial da  humanidade, o frevo. O Paço do Frevo também é um museu totalmente  baseado nos pressupostos da economia criativa, que propicia a  vivência de um conjunto de experiências.  
Outros  museus desenvolvem ideias baseadas na economia criativa, colaborando  para ampliar o fluxo de visitação e possibilitando outra dinâmica  ao espaço. O projeto "Chá com charme", por exemplo, promovido  pela Casa Museu Magdalena e Gilberto Freyre, consiste na apreciação  de saborosos chás durante uma agradável tarde nos jardins do sítio  ecológico da Fundação Gilberto Freyre, mesmo local onde o  sociólogo e a família costumavam receber seus amigos para os  momentos festivos. 
Já  o museu Murillo La Greca, também localizado na cidade de Recife,  abriga o projeto "Praia do La Greca", oferecendo um dia cultural  para quem gosta de unir diversão com conhecimento. Os visitantes  desfrutam da projeção de uma praia no espaço externo do museu, com  bebidas, petiscos e atrações musicais. É aberto a todos, e os  participantes sempre levam boias, cadeiras, guarda-sóis e outros  elementos que caracterizem uma praia. 
É  possível perceber que os projetos "Chá com charme" e "Praia  do La Greca" congregam elementos baseados nos princípios  norteadores da economia criativa brasileira, e a diversidade cultural  é um pressuposto intrínseco. A comunidade é incluída na cultura,  há uma troca, com participação efetiva da comunidade. 
A  sustentabilidade também está presente por meio de recursos que são  favoráveis ao meio ambiente, de forma a gerar renda, cultura e  inclusão social de maneira sustentável, e a inovação consiste  tanto em melhorar algo já criado como criar algo novo, o  diferencial, e isso está acontecendo nos museus que inovam a partir  da interação da criatividade com a cultura. Essa relação permite,  então, ampliar o acesso a novos públicos, tais como os turistas  criativos. 
Quando  pensamos a relação entre museus, economia criativa e turismo, o  objetivo não é propor uma "Disneyização" (Bryman, 1999) dos  museus, tampouco desvirtuá-los de suas funções pedagógicas e  sociais, já que é extremamente compatível a aliança da sua função  pedagógica e social com a função turística. Uma não inviabiliza  a outra, afinal, o turista, quando visita um museu, está aprendendo  sobre o outro e exercitando a experiência cultural. 
Por  fim, o diálogo entre museus e turismo deve levar em conta "as  questões relativas aos bens simbólicos e às representações  sociais intrínsecas a essas instituições" (Nascimento, 2010, p.  10). Portanto, é possível turistificar os museus sem que eles  percam suas funções de local onde é possível dialogar com a  alteridade (Morais, 2012b), permitindo que continuem a ser espaços  em que memórias, patrimônios, identidades e culturas de uma  coletividade são simbolizadas, interpretadas e reinterpretadas,  significadas e ressignificadas, construídas, reconstruídas e  descontruídas (Morais, 2012a). 
 
 Isabela  Andrade de Lima Morais é doutora  em antropologia, professora adjunta do Departamento de Hotelaria e  Turismo (DHT), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e líder  do Grupo de Pesquisa Antur. Realiza pesquisas na área da economia  criativa nos museus e sua relação com o turismo. Email:  isamorais_@hotmail.com/ isabela.morais@ufpe.br 
 
 Nota 1 – Essa pesquisa foi contemplada no edital do CNPq - MCTI/CNPq/MEC/CAPES nº 18/2012 – Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. A Facepe e o Pibic da UFPE participaram da pesquisa por meio do auxílio de bolsa de iniciação científica e a Proaes/UFPE pelo auxílio de bolsa do programa de manutenção acadêmica. Os alunos pesquisadores dessa pesquisa foram todos do curso de turismo do Departamento de Hotelaria e Turismo da UFPE. 
  
Referências 
Bryman,  A. (1999). "The Disneyization of society". In: The  editorial board of the sociological review. Blockwell  Publishers, 108, Couley Road Oxford.  
Camargo,  P. de, & Cruz, G. da (orgs.). (2009). Turismo  cultural:  estratégias, sustentabilidade e tendências.  Ilhéus: Editus. 
Instituto  Brasileiro de Museus. (2010). Plano  Nacional Setorial de Museus. Brasília:  Instituto Brasileiro de Museus. 
Linaza,  M. R. (2007). El  turismo cultural, los museos y su planificación. Espanha:  Ediciones Trea. 
Morais,  I. A. de L. (2012a). "Turistificação do patrimônio e dos  museus". In: Anais  da 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, São Paulo.  
Morais,  I. A. de L (2012b). "Economia criativa nos museus". In: Diário  de Pernambuco, Pernambuco. 
Morato,  M. M. & La Iglesia, R. G. (2010). "Projetos  e processos emblemáticos: o caso Bilbao". In: Reis, A. C. F.  (org.) Cidades  criativas: soluções inventivas: o papel da copa, das olimpíadas e  dos museus internacionais.  (pp. 202 – 280). São Paulo: Garimpo de Soluções; Recife:  Fundarpe. 
Nascimento,  J. do (2010). Economia  de museus.  Brasília: Editor Ibram.  
Richards,  G. & Marques, L. (2012). "Exploring  creative tourism: editors introduction". In:  Journal  of Tourism Consumption and Practice. Volume 04, n. 02, 01-11. 
Richards,  G. & Raymond, C. (2000). "Creative tourism". In: Atlas  News,  23, pp. 16-20. 
Rotman,  M. & Castells, A. N. G. (2007). "Patrimônio  e cultura: processos de politização, mercantilização e construção  de identidades". In: M. F. L. Filho. Antropologia  e patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos. (pp.  57-79). Blumenau: Nova Letra.  
Santa  Fé creative tourism. Disponível em santafecreativetourism.org/2011/07/discovering-the-joys-of-learning-play-and-community-santa-fe-children%E2%80%99s-museum. 
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