| Reportagem | 
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                        |  Da tração animal aos biocombustíveis: a evolução dos transportes terrestres
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                            Por Tássia Biazon e Fernanda Grael 
                             10/11/2015
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			Com  o crescimento populacional ao longo dos séculos, demandas de  mobilidade surgiram e foram sendo respondidas conforme os  conhecimentos de ciência e tecnologia avançavam. Atualmente, o  desafio está em encontrar combustíveis que não gerem gases tão  nocivos para o ambiente e em soluções para uma mobilidade urbana  que melhore a qualidade de vida. Tem sido um longo caminho. 
	
		
	
	
		
			O  deslocamento sempre foi uma necessidade humana. O homem nômade, na  busca por alimento, tinha como único meio de locomoção suas  próprias pernas. Com o surgimento da agricultura, originando as  aldeias, o transporte começava a nascer, e durante séculos, seria  realizado por tração animal. Por volta de 3500 a.C., com a roda,  apareceram as carroças.  
	
		
	
	
		
			O  Museu Virtual do Transporte Urbano, da Associação Nacional das  Empresas de Transportes Urbanos (NTU), relata que apenas em 1661, em  Paris, o transporte público surgiu, com o francês Blaise Pascal.  Eram carruagens com itinerários, horários e preços  preestabelecidos. Em 1826, ainda na França, em Nantes, por esforços  do empresário Stanislas Baudry, a cidade cria o chamado, então,  “omnibus”.  
	
		
	
	
		
			Quem  vê hoje o trem suspenso em Wuppertal, Alemanha, um dos mais antigos  do mundo ainda em funcionamento (em operação desde 1901), não  imagina que o monotrilho surgiu em 1821. A inovação veio logo  depois da construção da primeira locomotiva do mundo, o "cavalo  mecânico", criada pelo inglês Richard Trevithick. Já existiam  os trilhos, mas os vagões eram puxados a cavalo até 1804. 
	
		
	
	
		
			As  primeiras linhas de bonde a tração animal surgiram em Nova York, em  1832. Só em 1881 apareceria o elétrico, em Lichterfelde na  Alemanha. As estruturas de deslocamento dos bondes conduziriam  posteriormente ao trólebus que, movido à eletricidade transmitida  por cabo suspenso sobre o trajeto, continua operando em diversas  cidades como Londres, Coimbra e São Paulo. 
	
		
	
	
		
			Com  o desenvolvimento da tecnologia e a preocupação com a  sustentabilidade, os antigos bondes evoluíram para veículo leve sobre trilhos (VLT), um moderno meio de transporte de média  capacidade, rápido, silencioso e ecológico. Eles vêm ganhando  expansão no mundo, oferecendo mais um meio de locomoção nas  grandes cidades. 
		
	
		
	
	
		
			Quanto  ao transporte subterrâneo, Londres foi pioneira. Durante o século  XIX, era a maior cidade do mundo, com trânsito, abarrotado de  pedestres, carruagens e cavalos. Diante desse cenário, surgiria o  primeiro metrô, em 1863. Segundo o Transport For London (TFL),  responsável pela maioria dos transportes públicos da cidade, hoje  são 270 estações e 11 linhas, atendendo por ano mais de 1 bilhão  de passageiros. 
	
		
	
	
		
			O  transporte no Brasil 
	
		
	
	
		
			Levando  em consideração dados registrados pelo Ministério do Transporte, a  história do transporte brasileiro se inicia com expressiva  precariedade. Até 1822, os caminhos atendiam às necessidades dos  engenhos, atividades de apreensão de indígenas, criação de  comércio de gado e procura de metais e pedras preciosas. Apenas com  a chegada da família real começaria a se estabelecer uma melhor  mobilidade.  
	
		
	
	
		
			O  crescimento da produção e exportação cafeeira, que durante anos  usou animais para transporte, deu fruto às vias ferroviárias. A  primeira foi a Estrada de Ferro Mauá, em 1854, ligando Petrópolis  ao Rio de Janeiro. Assim, desde o período colonial, a malha  ferroviária brasileira já era destinada mais às cargas do que aos  passageiros. 
	
		
	
	
		
			O  Museu Virtual do Transporte Urbano enfatiza que o primeiro bonde a  tração animal do Brasil surgiu em 1859, substituído em 1862 pelo  movido a vapor, e em 1892 pelos elétricos. Até meados de 1960, o  país apresentava a maior rede de transporte de bondes do mundo, fato  que mudou com a chegada do trólebus, em 1949, segundo aponta a  SPTrans.  
	
		
	
	
		
			Em  1893, a família Santos Dumont adquire o primeiro carro do país –  uma novidade mundial, já que o primeiro carro usando gasolina como  combustível havia sido lançado poucos anos antes, em 1886.  
	
		
	
	
		
			O boom rodoviário viria durante o governo de Juscelino Kubitschek. A gestora de trânsito da Companhia de Engenharia de  Tráfego (CET) de São Paulo, Ada Castro, reforça que “o  brasileiro foi incentivado, a partir dos anos 1960, com a implantação  da indústria automobilística, a um pensamento mais rodoviário, que  proporcionava uma falsa sensação de poder e status, bem como a  ideia de um crescimento econômico, sucateando o transporte sobre  trilhos, largamente utilizado até então”. Segundo o Departamento  Nacional de Transportes Terrestres (DNIT), vinculado ao Ministério  dos Transportes, atualmente o país tem 1,7 milhão de quilômetros  de estradas, sendo apenas 13% desse total pavimentadas. 
		
	
		
	
	
		
			A  prioridade dada ao modelo rodoviário ainda ecoa fortemente hoje. O  professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos,  Renato Anelli declara que, no Brasil, a implantação de  infraestrutura em massa sobre trilho segue muito lentamente, e os  transportes urbanos de passageiros sobre trilhos, mesmo que leves,  são raros. O projeto do VLT é um exemplo. Se integrado aos demais  modais nos grandes centros urbanos, utilizando a malha ferroviária  preexistente, pode transportar mais pessoas que o ônibus e custar  mais barato que o metrô. “Enquanto as medidas inovadoras, que  incentivam o transporte público ou não motorizado, não forem  apoiadas pela maioria da população, os investimentos necessários  não serão redirecionados. Continuaremos alargando avenidas em vez  de construir metrôs, VLTs, corredores exclusivos, ciclovias e  calçadas seguras”, diz. 
	
		
	
	
		
			O  projeto pioneiro do VLT, em Campinas, com implantação de baixo  custo, foi desativado, e até hoje permanece abandonado. De acordo  com a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo  (EMTU/SP), o VLT da baixada santista, previsto para funcionar em  2016, será o primeiro do estado de São Paulo.  Em relação ao metrô, este tardou a entrar em operação, só começando em 1974, em São Paulo. Dados da Companhia do Metropolitano de São Paulo apontam que as cinco linhas atuais transportam diariamente 4,7 milhões de passageiros, distribuídos em 61 estações e 154 trens. Em agosto de 2015 teve início a operação comercial do monotrilho da linha 15-prata, um sistema de transporte até então inédito no país. O sistema de metrô, contudo, tem uma capilaridade muito baixa para as dimensões da capital. 
	
		
	
	
		
			Observando  o histórico do Brasil em relação à mobilidade, Castro lamenta a  comparação com outros países. “Nossa cultura é bem diversa.  Gostaria de ser bem mais otimista, mas tendo como quadro o cenário  atual e o comparativo (histórico, econômico, social e político)  entre as sociedades atuantes, sinto que a resposta que poderia ser a  curto prazo será a longo prazo”. 
	
		
	
	
		
			Biocombustível  e o papel de destaque do Brasil 
	
		
	
	
		
			Levando  em conta que 72% das emissões de gás carbônico em 2013 foram  derivadas da queima de petróleo, segundo relatório do Observatório  do Clima divulgado em agosto deste ano, torna-se mais urgente pensar  em alternativas menos poluentes, como os biocombustíveis. E, nessa  área, o Brasil se destaca.  
	
		
	
	
		
			O  artigo “Análise da situação da produção de etanol e biodiesel  no Brasil” do professor do Instituto Geográfico da Universidade de  Tubingen, da Alemanha, Gerd Kohlhepp, explica que os biocombustíveis  são produzidos à base de plantas, como cana-de-açúcar, beterraba,  milho ou trigo.  
	
		
	
	
		
			A  experiência do Brasil com esse tipo de produção fortificou sua  posição como potência com influência global e garantiu pretensão  à liderança política na América Latina. É o maior produtor e  exportador de açúcar no mundo e o segundo maior consumidor de  etanol (atrás dos Estados Unidos). Produz, por ano, 6.800 litros de  etanol de cana-de-açúcar, quase o dobro dos EUA, que geram 3.800 litros de etanol de  milho. 
	
		
	
	
		
			Não  foi por acaso que se atingiu esse patamar. O programa Pró-Álcool  começou em 1975, para diminuir a dependência do Brasil das  importações de petróleo, cujo preço aumentou devido à crise  econômica. O objetivo do então presidente da época, Ernesto  Geisel, era substituir a gasolina, aproveitando o alto potencial  açucareiro. “Em meados dos anos 1970 ainda era necessário  importar 80% do petróleo. Para tal era gasto até 47% (em 1980) do  total dos gastos para importação”, diz Kohlhepp. 
	
		
	
	
		
			O  mercado de biocombustíveis em alta gerou a expansão de áreas  cultivadas de cana e também culminou na produção de veículos com  motores adaptados. Para o professor Kohlhepp, foi uma inovação  mundial e a solução para diminuir a dependência do petróleo. “A  reativação da produção de etanol na última década estava ligada  ao objetivo da redução do gás carbônico no setor de transportes bem como da  criação dos motores flex-fuel para o qual havia sido igualmente  criado um knowhow próprio no Brasil. Devido aos altos preços do petróleo foi esta  uma solução ideal”, relata. 
	
		
	
	
		
			O  Pró-Álcool chegou ao fim em 1986, quando o preço do petróleo  caiu. Hoje, 40 anos após o lançamento do programa, esse  biocombustível já conseguiu substituir aproximadamente 2,5 bilhões  de barris de gasolina, segundo cálculos da União da Indústria de  Cana-de-Açúcar (Unica). 
	
		
	
	
		
			Para  o professor Kohlhepp, a entrada do etanol brasileiro na Europa ainda  é cheia de entraves. “Em parte, os critérios ecológicos e  sociais são artificialmente mais rígidos para evitar a importação  desse produto brasileiro, embora a produção em São Paulo  corresponda, definitivamente, aos critérios de qualidade europeia.  Mas é uma questão da exportação que ainda não se coloca, pois a  produção brasileira atual não é nem suficiente para o mercado  nacional”. 
	
		
	
	
		
			De  forma geral, o etanol brasileiro é mais sustentável do que os  concorrentes, como o etanol de milho dos EUA, mas “a Europa exige  que se comprove isso por meio de certificações, o que é um  processo caro e de difícil implementação”, complementa o  professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de  Uberlândia (UFU), Bruno Benzaquen Perosa. 
	
		
	
	
		
			O  futuro dessa indústria é, contudo, promissor. Segundo reportagem publicada na Reuters,  com a desvalorização do real, a perspectiva do etanol brasileiro no  exterior melhorou e o aumento dos impostos sobre a gasolina  impulsionou a demanda doméstica para níveis recordes. Segundo a  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis  (ANP), a comercialização da gasolina está em queda, enquanto as  vendas do etanol aumentaram 42% no ano, contando até setembro de  2015. 
	
		
	
	
		
			Segundo  dados da Unica, para cada litro de etanol utilizado no lugar da  gasolina, 2,2 kg de gás carbônico deixam de ir para a  atmosfera, e o uso de biocombustíveis é cada vez mais importante. A  população mundial atual de pouco mais de sete bilhões, pode  chegar, em 2100, a 12 bilhões, de acordo com o estudo “World  population stabilization unlikely this century” publicado em 2014  pela Science.  Assim, a mobilidade sustentável é um desafio que deverá ser  intensificado.  
 
 
 
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