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                             A crise  financeira internacional iniciada em 2008 reacendeu um longo debate, travado ao  menos desde a Revolução Russa, sobre o papel do Estado em relação à economia. O  intervencionismo estatal no planejamento econômico voltou a ser defendido com  ênfase por certos economistas, muitos deles keynesianos – seguidores de uma  corrente de pensamento macroeconômico formulada pelo economista inglês John  Maynard Keynes. 
Entretanto, para  parcela considerável de acadêmicos, para instituições como o Banco Central  Europeu (BCE) e para muitos governos nacionais da Europa, como a Alemanha, a  forte crise financeira, pela qual países como a Espanha e a Grécia passam,  resta como obstáculo ao aumento do investimento e da retomada de ingresso de  capital externo. O argumento utilizado é o de que, tendo se endividado  fortemente nos últimos anos, esses países precisam agora fazer um esforço  fiscal capaz de arrumar as finanças nacionais. 
Apesar de alguns  economistas defenderem o aumento do investimento público para que os países  saiam da crise, os governos dos países endividados têm procurado realizar um  esforço fiscal, a fim de sanear suas finanças. Esse saneamento permitiria  retomar o crescimento, tanto pela possibilidade de receber maior fluxo  financeiro quanto por abrir espaço orçamentário para investimento do próprio  Estado. 
Durante a  história, o modo como o Estado deve agir em relação aos cidadãos, a fim de  preservar suas liberdades e aumentar o bem-estar, foi sempre um tema muito  discutido. Há aqueles, como o historiador marxista Eric Hobsbawm, que afirmam  que uma intervenção profunda do Estado se faz necessária. Em A era dos extremos, Hobsbawm aponta que  o planejamento econômico setorial, que ele defende, se originou no socialismo  soviético totalitário. 
No extremo  oposto estiveram teóricos como o húngaro Michael Polanyi, que, após precisar  sair da Rússia em função do regime soviético, e da Alemanha, após a ascensão do  nazismo, afirmou que os indivíduos se coordenariam melhor caso a ação do Estado  fosse menor. 
No debate  econômico contemporâneo, o intervencionismo estatal continua a ser um tema  recorrente. Quase ninguém na academia afirma que o Estado não deve agir. A  pergunta principal, portanto, não é se o Estado precisa atuar, mas como deve  proceder, a fim de garantir o desenvolvimento, que tem a liberdade do indivíduo  como um atributo chave. Uma das principais ideias a surgir no campo do  desenvolvimento é a importância da educação e da melhora do capital humano no  longo prazo. 
Longo  prazo e educação 
  Tome-se, como  exemplo, a península coreana, encravada no Oriente asiático, que tem o Mar do  Japão ao leste e o Mar Amarelo a oeste. Imagens obtidas por um satélite da Nasa  em anos recentes mostram duas Coreias muito bem demarcadas. O contraste entre  os dois modelos econômicos – o capitalista, liderado pela Coreia do Sul e o  outro, comunista, liderado pela Coreia do Norte – é geograficamente perceptível.  Na foto,  os pontos iluminados simbolizam a rede elétrica dos dois países, o que pode ser  tomado como um índice de desenvolvimento. A Coreia do Norte tem alguns poucos  pontos com luz. A capital, Pyongyang, é o principal deles. Na Coreia do Sul, a  rede elétrica se espalha por quase todo o território. É um sinal claro de que  um modelo deu certo e o outro não. 
“A Coreia do Sul  é um dos países que mais se desenvolveu após a Segunda Guerra Mundial”, afirma Ednaldo  Michellon, professor da Universidade Estadual de Maringá e autor, junto com  Michelle Merética, do texto “Educação e crescimento econômico na Coreia do Sul”,  publicado em simpósio da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em  Economia (Anpec). 
O país do qual  emergiram empresas como a LG e a Samsung pautou seu crescimento no investimento  público e na educação. “O modelo coreano de desenvolvimento foi investir pesado  na industrialização, em esforços de exportação e, especialmente, em uma  política educacional bem sucedida”, afirma Michellon. “A reforma educacional  após a Segunda Guerra teve uma enorme importância para o país”. 
A educação e o  investimento em capital humano são dois fatores chave para o desenvolvimento.  Na teoria econômica, um dos primeiros a levantar a importância do capital  humano para um país foi Gary Becker, autor do clássico Human capital, vencedor do Prêmio Nobel em 1992 e economista da  Universidade de Chicago. 
Em Human capital, Becker relata como a  qualificação que um indivíduo obtém ao longo de sua vida pode aumentar os seus  ganhos no longo prazo. Se os indivíduos traçam o caminho de maior qualificação,  a produtividade da economia como um todo tem ganhos substantivos, o que leva ao  desenvolvimento. 
Após Becker,  outro economista, Theodore Schultz, também laureado com o Nobel em 1979,  expressou que o investimento em capital humano contribui de forma significativa  para a redução da desigualdade de renda. Na década de 1990, Gregory Mankiw,  David Romer e David Weil, com base no trabalho anterior de Robert Solow,  chegaram a um modelo no qual a poupança interna, o crescimento populacional e o  investimento em capital humano explicam boa parte da diferença de renda entre  os países. 
Capital  humano no Brasil 
  No Brasil, os  índices relacionados à qualidade do capital humano ainda são bastante  inferiores ao de países considerados desenvolvidos, como os Estados Unidos, ou  em desenvolvimento, como a própria Coreia do Sul. Desde meados da década de  1990, a oferta educacional brasileira se alterou significativamente. A  universalização do ensino fundamental e a expansão do ensino médio e do ensino  superior foram avanços importantes. Contudo, de acordo com a Pesquisa Nacional  por Amostra de Domicílio (Pnad) realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de  Geografia e Estatística (IBGE), apenas 19% dos jovens entre 19 a 24 anos têm  acesso às universidades. Doze anos antes, o acesso ao ensino superior na faixa  etária de 18 a 21 anos já era de 45% nos Estados Unidos e de 69% na Coreia do  Sul. Esse é um sinal evidente de que o acesso às universidades no Brasil é  ainda bastante precário e insuficiente. 
A Constituição  Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 3º, que um dos objetivos republicanos  do Brasil é reduzir as desigualdades sociais e possibilitar uma sociedade  livre, justa e igualitária. Nesse sentido, ações com essa meta se tornam cada  vez mais importantes. Uma das iniciativas mais interessantes com vistas a  ampliar o acesso ao ensino superior, fundamental para a economia nacional no  longo prazo, é a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp),  idealizada por Carlos Vogt, que já foi reitor da Unicamp, secretário de Ensino  Superior do Estado de São Paulo e hoje ocupa o cargo de presidente da  instituição. 
A Univesp, que  já tem cursos em funcionamento junto com a USP e com a Unesp, irá atuar com  dois focos principais. “Um dos focos é trabalhar com a formação de professores  para o ensino fundamental e o ensino médio, sobretudo nas áreas básicas para o  desenvolvimento das capacidades cognitivas”, afirma Vogt. Nesse sentido, a  Univesp pretende formar professores de ciências para o ensino médio, além de  trabalhar nas áreas de linguagens, como as ligadas às tecnologias de informação  e de comunicação, além de idiomas. 
O outro foco da  universidade virtual, ligado à ideia de inclusão social com mérito, é a ideia  de college. “O college terá como meta fundamental a formação para o mercado de  trabalho em nível de graduação. Formaremos profissionais para o mercado de  trabalho e para ingressarem nos cursos das universidades e das Fatecs,  incluindo os cursos mais concorridos como medicina e engenharia, por exemplo”  conta o presidente da Univesp. Os cursos dentro da modalidade do college vão durar dois anos. O objetivo  será propiciar a formação básica do estudante, que o capacitará tanto para a  vida profissional quanto para cursos oferecidos pelas universidades. 
Em relação à  política de cotas estabelecida pelo governo federal, o projeto elaborado no  âmbito do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp),  e anunciado pelo governador do estado, tem algumas diferenças importantes. “A  diferença fundamental é que o conceito de cota implica em reserva de vaga e a  proposta do estado de São Paulo, do Cruesp, é trabalhar com metas a partir de  uma situação que já se verifica nas universidades”, diz Vogt. 
A ideia não é  estabelecer uma reserva de vagas genérica para alunos egressos de escolas  públicas, mas buscar que cada curso tenha maior igualdade e um equilíbrio de  oportunidades entre esses alunos e os egressos de escola privada. “A reserva de  vagas genérica pode implicar não ter os alunos das escolas públicas nos cursos  mais concorridos, como as engenharias e medicina”, indica Vogt. 
A preocupação da  universidade virtual com o capital humano é visível. Para o presidente da  Univesp, “o capital humano é o grande segredo da verdadeira mudança ou da  mudança permanente que pode acontecer em uma sociedade e em uma economia”. 
Curto  prazo, plano externo e o Brasil 
  No curto prazo,  a margem de manobra para tomar medidas que permitam o crescimento e o  desenvolvimento tende a ser bem menor. Após a crise financeira de 2008, a  preocupação em regular os fluxos financeiros de capitais ao redor do mundo se  intensificou, ao mesmo tempo em que economias emergentes, como a China, a Índia  e o Brasil passavam a ocupar um maior papel no processo decisório mundial. 
O maior  protagonismo dessas economias foi visto, por exemplo, na decisão de tornar o  G-20, do qual fazem parte, o principal grupo de discussão de temas financeiros  no âmbito global, em substituição ao G-8. O G-20 já obteve avanços, como o  acordo de Basileia III – o qual, se seguido à risca, irá levar maior segurança  ao sistema financeiro – e mudanças no processo decisório do Fundo Monetário  Internacional (FMI), onde os países em desenvolvimento têm hoje maior poder de  voto. Contudo, a resistência de países desenvolvidos a mais mudanças tem  obstado outros avanços. 
Em tempos de  crises, as negociações dentro da Rodada do Desenvolvimento da Organização  Mundial do Comércio – a Rodada Doha – também têm sido lentas. A eleição de  Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos em 2009, que levou o Partido  Democrata ao poder, provocou dificuldades ainda maiores a uma negociação que já  não se mostrava fácil. Nos Estados Unidos, os governos democratas tendem a ser  mais conservadores em relação ao comércio exterior do que os republicanos. 
A falta de maior  coordenação entre os países tem ensejado medidas unilaterais de diversas  economias. No Brasil, o governo interveio por meio do aumento do imposto sobre operações  financeiras (IOF) e do imposto de importação, com o objetivo de desvalorizar o  real e proteger a indústria nacional, medidas que só agora começam a ser  revistas. 
“Como a pauta de  importação brasileira é principalmente formada por insumos e máquinas para  indústrias, e muitas indústrias conseguem repassar o aumento do imposto de importação  para os preços, a elevação desse imposto se traduz em pressão inflacionária”,  afirma Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada  (Ipea). 
No caso do IOF,  embora a moeda nacional tenha de fato se desvalorizado, o que favorece as  exportações, o aumento de ingresso de capital externo no Brasil sofreu severa  redução. “O capital externo que vinha para a bolsa de valores facilitava o  investimento de empresas. Essa redução do influxo tem como contrapartida uma  dificuldade maior de empresas com capital aberto para investir”, diz Almeida. 
Além disso, a  dificuldade de o Estado intervir por meio de investimentos é maior no Brasil do  que em países não democráticos, como a China. “A população brasileira optou,  por meio da Carta Constitucional de 1988, que quer um Estado que intervenha em  assuntos sociais, como a educação”, explica Almeida. “Isso faz com que o espaço  para intervir seja menor aqui do que na China, que, em função de garantir  poucos direitos sociais à população, pode acumular uma poupança maior, e ter  uma taxa de investimento público mais significativa em relação ao PIB”,  complementa. A China, assim, logra enormes taxas de crescimento econômico. Isso  não quer dizer, contudo, que a intervenção do Estado vá levar, por si só, ao  desenvolvimento. 
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