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 “Há um turbilhão  acontecendo fora do Brasil na área de editoração científica”. O autor desta  afirmação irrefutável é Benedito Barraviera, presidente da Associação Brasileira  de Editores Científicos (ABEC). O “turbilhão”  se refere ao movimento feroz e de amplitude viral que está ocorrendo no meio  acadêmico internacional em defesa ao acesso aberto à informação científica  produzida com financiamento público, porém publicada por editoras privadas em  periódicos científicos com preços exorbitantes. O estopim que deu início ao  movimento foi um post escrito em  21 de janeiro deste ano por Timothy Gower, um dos matemáticos mais conceituados  e atualmente professor da universidade de Cambridge, na Inglaterra. 
Gower tornou pública  sua decisão de boicotar a gigante holandesa Elsevier, a maior editora de  periódicos científicos do mundo, e enumerou suas razões: os preços exorbitantes  cobrados pela empresa; a prática de venda casada de periódicos para as  bibliotecas das universidades e a recusa à qualquer tipo de negociação – o que  as obrigava a adquirir publicações que não eram de interesse; e o fato da  empresa apoiar projetos de lei americanos como o Sopa (Stop Online Piracy Act),  Pipa (Protect Intellectual Property Act) e Research Works Act (RWA) (leia post sobre Sopa e Pipa) – todos rechaçados por defensores da internet livre ao redor  do mundo.  O RWA, elaborado em dezembro  de 2011, pretendia eliminar a divulgação online gratuita de pesquisas  financiadas pelo governo americano, ou seja, com dinheiro público. O post de Gower cruzou o Atlântico em tempo real e resultou, no dia seguinte, na  criação (desta vez pelo americano e também matemático Tyler Neylon) do manifesto “The cost of knowledge”, um boicote contra  a Elsevier, até o momento assinado por mais de 12 mil pesquisadores ao redor do  mundo. Essa ação fez com que, em 27 fevereiro, a Elsevier retirasse seu apoio ao  RWA publicamente, assim como fizeram os próprios autores do projeto de lei, os  deputados Darrell Issa, do Partido Republicano,  e Carolyn Maloney, do Democrata – que receberam da Elsevier um apoio de U$ 29  mil dólares para se elegerem. 
 Tim Gowers se posicionou abertamente a favor do acesso aberto ao conhecimento científico e catalizou enorme movimento de mudança. Crédito: World Mathematical Year 2000 Symposium 
Aproximadamente 15 dias  depois da morte do RWA foi criada uma petição online no site da Casa Branca, chamada OpenAccess2Research, que insta a administração  Obama a tornar lei o acesso livre a todo periódico científico resultante de  pesquisas financiadas com dinheiro público. O documento já recebeu mais de 26  mil assinaturas, acima da meta de 25 mil até 19 de junho, quando será enviada ao governo para análise. Também como  consequência do manifesto, a agência financiadora de pesquisas Wellcome Trust, da Inglaterra, anunciou que somente  financiará pesquisas que tiverem seus resultados publicados em acesso aberto –  passando a agir de maneira similar ao National  Institute of Health (NIH) dos EUA. A internet está, portanto, claramente  causando uma mudança completa do modus operandi da divulgação do  conhecimento científico e, assim, redefinindo radicalmente o custo do  conhecimento. 
“A maioria das editoras  internacionais aderiram a certas alternativas de acesso aberto somente porque  começaram a sofrer pressões da sociedade. Foram essas pressões e a internet que  causaram algumas mudanças de comportamento”, analisa Barraviera, comentando o  fato de que a editora Elsevier decidiu, após o manifesto, abrir o acesso a 14  periódicos na área de matemática. Gower considera que a editora poderia e deveria fazer muito mais, principalmente em  benefício das bibliotecas universitárias, abolindo o sistema de venda casada de  periódicos e baixando preços. 
As bibliotecas  (virtuais e reais) e a luta pelo acesso aberto  
A biblioteca da mais  prestigiosa universidade privada americana, Harvard, também se posicionou, publicando  em abril um memorando no qual incitava seus 2.100 professores e pesquisadores a deixarem de  publicar artigos em periódicos pagos, pedindo para que “levassem seus  prestígios” para publicações de acesso aberto. A conta paga às editoras se tornou  insustentável também para a Harvard, uma das mais ricas universidades do mundo,  chegando a US$ 3,75 milhões anuais. 
   Interior da Widener, a principal biblioteca da Universidade de Harvard, aberta em 1915, que contém 20% dos 15,6 milhões de livros da instituição Crédito: Karen Robinson 
A Public Library of  Science (PloS), que é, ao mesmo tempo,  biblioteca e editora sem fins lucrativos, apoia a petição OpenAccess2Research.  Em sua homepage foi divulgada mensagem do presidente da instituição, Peter  Jerram, sobre “a oportunidade que se abriu com este momento do movimento pelo  acesso aberto, no qual há a possibilidade de se influenciar políticas públicas  em favor do acesso aberto e irrestrito ao conhecimento científico”. 
No Brasil o movimento  pelo acesso aberto sempre contou, desde o início, com o engajamento de  bibliotecas e bibliotecários, conforme afirma Abel  Packer, presidente da Scientific Electronic Library Online (SciELO), criada em 1997. “Isto  porque o custo das revistas foi crescendo muito acima da inflação e os  orçamentos das bibliotecas foram ficando apertados”, diz. A novidade é que,  agora, o movimento conta com um apoio cada vez mais amplo da comunidade de  pesquisadores e seus alunos, e a todos que se engajam via redes sociais. 
De acordo com Packer, a  SciELO tem o objetivo de melhorar as publicações científicas brasileiras quanto  à visibilidade, acessibilidade, uso e fator de impacto. Para ele, pode-se dizer que essa biblioteca virtual atua como um “metapublisher”, desenvolvendo três funções: indexação de  periódicos (passam por sistema de controle de qualidade antes de entrarem na  coleção), publicação dos periódicos na internet; e promoção da  interoperabilidade, ou seja, da presença de sua coleção de forma mais ubíqua  possível na internet – “estamos no Web of Science, Scopos, Google etc”, afirma  referindo-se a bancos de dados científicos e ferramenta de busca  internacionais. A SciELO também adota as licenças creative commons para todos os artigos lá  publicados, que podem ser compartilhados e adaptados para fins não comerciais  contando que seus autores sejam citados. Packer acredita que o modelo de  financiamento dos periódicos científicos no futuro terá o  acesso aberto mantido, principalmente, via “taxa de processamento de artigo”  ou article processing charge – no qual o  pesquisador paga diretamente à revista caso seu artigo seja aceito e, assim, os  leitores têm acesso online imediato e gratuito ao material. 
Acesso aberto, fator de  impacto e número de citações 
Muitos periódicos  científicos brasileiros são mantidos por uma gama de financiamentos – como é o  caso da Revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, publicação com o maior  fator de impacto no Brasil e também de acesso aberto, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Ciência  Tecnologia e Inovação (MCTI). O fator de impacto é uma medida do prestígio e da  visibilidade da revista. 
 Reproduções da capa do Brazilian Journal of Physics, em 1999 (esq.), e depois de se associar à Springer. Crédito: reprodução 
Talvez objetivando  exatamente aumentar o fator de impacto, alguns periódicos brasileiros  tradicionais, como a Revista Brasileira de Física (BJP – Brazilian Journal of Physics) e a Revista  da Associação Médica Brasileira (Ramb)  trocaram o acesso aberto por editoras privadas. Segundo Luiz Nunes de Oliveira,  editor do BJP e pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo  (USP), a decisão de se associar à Springer,  tomada pela gestão anterior à sua, se deve ao desejo da publicação de se  profissionalizar. Ele conta que a falta de um software adequado, por exemplo,  causava descontrole no processo de avaliação dos artigos e não permitia  encontrar um artigo pelo nome do autor. “Isto chegou num ponto em que as  pessoas nem davam mais atenção para as mensagens que vinham do software. Outro  problema era achar pessoas para fazer a parte gráfica, a arte, a comunicação, o  marketing da revista – isso tomava muito tempo  e provocava crises”, diz. 
Ele reconhece ser uma  desvantagem sair da SciELO (o contrato com a editora exige isto) e, portanto,  deixar o acesso aberto, mas, por outro lado, diz que a editora Springer  oferece, em seu ponto de vista, algumas vantagens. “Eles são muito agressivos  na parte de divulgação da revista, no marketing, dentro e fora do Brasil. Então  eles oferecem a revista para bibliotecas, divulgam artigos, promovem os  melhores artigos do ano etc. Além disso, eles oferecem apoio para o trabalho  administrativo, como cobrança de artigos atrasados, por exemplo, e também uma  revisão do inglês para um número pequeno de artigos”, revela. 
Perguntado se esse  seria um modelo a ser seguido por outras publicações brasileiras, Nunes pondera  que essa decisão deve levar em conta os leitores da revista – “se é uma  comunidade internacional, pode ser interessante”, diz. A Sociedade Brasileira  de Física (que edita a publicação voluntariamente e ainda tem que pagar extra  para cópias da revista em papel) espera que o fator de impacto da revista  aumente com a associação. A média de artigos recebidos também aumentou – foi de  um por dia para quase dois. Para fazer o download de um artigo da última edição  da BJP no site da Springer, paga-se atualmente U$ 34,95. 
As revistas brasileiras  de acesso aberto estão sendo cada vez mais seduzidas a ingressarem nas editoras  internacionais, que prometem maior visibilidade em troca de conteúdo científico  de qualidade. É o acredita Barraviera, que também é professor titular de infectologia  na Faculdade de Medicina da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), e  editor da Revista do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap). “Nossa revista já foi assediada  por, pelo menos, três editoras privadas internacionais e acredito que o mesmo  está acontecendo com várias publicações brasileiras com potencial. Com a  explosão dos BRICs, viramos oportunidade de negócio para essas empresas”, diz.  Este processo, pensa ele, tende a aumentar, já que no Brasil e nos países  emergentes o mercado não está saturado como nos EUA e Europa. A falta de aopoio  de autoridades políticas federais ao acesso aberto também é uma barreira à sua  adoção no Brasil, identifica Abel Packer – ele defende que as agências  brasileiras que financiam pesquisas com dinheiro público também deveriam  adotá-lo. “O conhecimento científico é um bem público e, assim sendo, deve  estar disponível. Se somente alguns têm acesso, se cria uma casta de  beneficiados. O dia em que as sociedades científicas brasileiras saírem em  defesa do acesso aberto, ele sem dúvida dominará no país”, finaliza. 
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