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                             Considerada  hoje, mais que uma tendência, um movimento espontâneo e intrínseco à ciência  contemporânea, a produção de conhecimento em bases interdisciplinares vem  gradualmente sendo incorporada pelas universidades. No Brasil, essa é uma  realidade visível em diversas iniciativas, tanto na graduação como na  pós-graduação e em estruturas dentro desses espaços que são, por definição, agregadores.  “Quando se considera que 80% da produção científica é realizada nas  universidades públicas, as mudanças estruturais nessas instituições, para  facilitar a pesquisa multidisciplinar, se mostram particularmente urgentes”,  indica o Livro Azul,  documento com recomendações geradas pela 4ª Conferência Nacional de Ciência,  Tecnologia e Inovação (CNCTI), lançado em 2010. 
A Coordenação  de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de ser uma  agência nacional de fomento à pesquisa, é a entidade responsável pela avaliação  trienal de todos os cursos de pós-graduação no país e também pela avaliação de  novas propostas. Essas avaliações são feitas a partir da configuração da tabela  de áreas de conhecimento. Segundo a página da Capes, “a classificação  das áreas do conhecimento tem finalidade eminentemente prática, objetivando  proporcionar aos órgãos que atuam em ciência e tecnologia uma maneira ágil e  funcional de agregar suas informações”. Em 1999, foi criada a área multidisciplinar,  que passou a ser chamada de área  interdisciplinar, em 2008. “A  questão da interdisciplinaridade tem sido colocada como questão chave para o  aperfeiçoamento da qualidade da pós-graduação brasileira”, afirma Arlindo  Philippi Jr, que entre 2007 e 2011 foi coordenador da Área Interdisciplinar da  Capes.  
  
Como reflexo dessa nova configuração, Philippi, que atualmente é pró-reitor adjunto  de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), cita o Plano  Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020. “Há um capítulo inteiro  dedicado à questão da interdisciplinaridade como a base para o desenvolvimento  da pós-graduação brasileira, a necessidade de que seja realmente o fundamento  para programas de qualidade”, comenta. Outro sintoma desse movimento é o  crescimento sistemático do número e classificação dos programas de  pós-graduação interdisciplinares.  
O Conselho Nacional de Desenvolvimento  Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e  Inovação (MCTI), dispõe atualmente de comitês formados  por pesquisadores para julgar e acompanhar os pedidos de projetos de pesquisa e  de formação de recursos humanos. No início da década de 1990, o CNPq chegou a  instituir um comitê multidisciplinar, mas segundo o pesquisador Marcel Bursztyn,  em artigo publicado na Liinc em Revista, foi  uma experiência mal sucedida, por sua baixa efetividade.  
Outros  instrumentos importantes que essas organizações possuem e que incentivam o  desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares são as chamadas e editais de  pesquisa. Muitas das agências de fomento federais e Fundações  de Amparo à Pesquisa (FAPs) têm adotado editais temáticos, que favorecem o  financiamento de projetos interdisciplinares em temas como energia, água,  mudanças climáticas. Essas pesquisas envolvem, geralmente, equipes maiores, com  origem em vários departamentos e/ou instituições. 
“A  própria comunidade científica tem verificado que as questões contemporâneas têm  aumentado sua complexidade, exigindo também cuidado maior em relação à busca de  soluções para esses problemas complexos”, afirma Philippi, para quem a solução  não é possível por uma única área do conhecimento, mas por várias, por meio do  diálogo entre elas. 
Estudos  avançados e interdisciplinaridade 
Embora a organização dos chamados institutos  de estudos avançados varie muito – temas, independência financeira, tipo de  membros entre outros –, podemos encontrar nesses órgãos, geralmente locados em  universidades, algumas características comuns. “Na prática, parece que todas  têm um programa de fellowship para membros  visitantes, com foco na pesquisa, não no ensino, e todos cruzam as fronteiras  disciplinares”, resume Peter Goddard, físico matemático e diretor do Instituto  de Estudos Avançados de Princeton. Em palestra apresentada no Simpósio Internacional de Estudos Avançados do Centro de Estudos  Avançados da Unicamp (Ceav-Unicamp), Goddard comentou a possibilidade de falar  em um novo estágio de desenvolvimento da universidade, que teria levado à  formação de institutos de estudos avançados. Para o pesquisador, entre os  motivos que levaram à proliferação desses espaços a interdisciplinaridade é,  talvez, o aspecto mais sutil e difícil de examinar, “Institutos de estudos avançados  não precisam ter a arrogância de achar que poderão resolver os problemas  sistêmicos da universidade contemporânea. É possível que ajudem em certa  medida, mas o seu sucesso e a sua proliferação talvez sejam um sintoma de um mal-estar  mais difuso ou mesmo de uma crise na universidade moderna”, afirma. Um dos  sintomas dessa crise seria a possibilidade do acadêmico ter de assumir papéis  no ensino de graduação, em um departamento com função de pesquisa dentro de uma  disciplina e em um instituto interdisciplinar. 
No Brasil, o primeiro instituto de estudos  avançados foi criado pela Universidade de São Paulo (IEA-USP), em 1986 e, hoje,  outras universidades também desenvolveram órgãos semelhantes, como o  CEAv-Unicamp. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abriga o Instituto  de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), do qual o filósofo Ivan  Domingues foi um dos fundadores e ex-diretor. Domingues afirma que a tarefa  proposta de promover estudos de ponta e difundir a transdisciplinaridade, não é  fácil. “O ambiente nas melhores universidades do mundo é bastante disciplinar.  Isso é especialmente claro na área do ensino – graduação e pós. O que não  faltam são regulamentações: cargas horárias, currículos rígidos, diplomas  reconhecidos, regulações das profissões etc”, afirma.  
Segundo Domingues, o grupo que criou o instituto  procurou, então, explorar diferentes frentes da pesquisa e o desafio passou a  ser identificar temas ou problemas com potencial transdisciplinar e na ponta do  conhecimento. “Hoje, passados mais de 10 anos, podemos dizer que o IEAT está  bem implantado na universidade e desfruta de reconhecimento e prestígio. Mas a  imensa maioria dos colegas se sente mais à vontade com as suas disciplinas e  especialidades”, pondera. 
Novas  experiências 
No final da década de 1990, foi firmado  o Tratado  de Bolonha, com o objetivo de formular um espaço europeu de ensino superior,  ou seja, integrar as estruturas educativas dos países participantes, promovendo  maior mobilidade dos estudantes e prevendo a uniformização dos estudos  superiores, com o reconhecimento do diploma em todos os países membros. Esse  modelo prevê a flexibilidade dos programas de estudo e do percurso acadêmico  dos alunos.  
O processo de Bolonha influenciou a  criação dos bacharelados interdisciplinares no Brasil em algumas universidades,  como a Universidade Federal do ABC (UFABC) e a Universidade Federal da Bahia  (UFBA). Esta última colocou em prática o projeto Universidade Nova,  uma proposta de transformação curricular que formou em 2012 os duzentos  primeiros alunos. Esses cursos são divididos em três ciclos: o bacharelado  interdisciplinar, a formação profissional e a pós-graduação. “Além de evitar a  precipitação das escolhas profissionais, os primeiros ciclos longos serão uma  excelente ocasião para a disseminação da cultura inter e transdisciplinar – o  desafio será vencer o holismo difuso e o generalismo vazio que costumam  acompanhar essas iniciativas, levando-as ao descrédito”, diz Domingues.  
A ressalva do pesquisador diz respeito à  necessidade de compreender que não se condenam as disciplinas, mas o  especialismo excessivo. “Estamos a falar do multi,  do inter e do trans-disciplinar, e não do anti,  do contra e do indisciplinar. O foco são as disciplinas e a necessidade de ir além  delas. Porém, sem uma base disciplinar forte, com conhecimento de causa das  lacunas e das barreiras, o trans jamais  será alcançado”, afirma. 
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