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                            10/06/2015
                             São  relativamente recentes as pesquisas na área do turismo no Brasil, em  comparação com outras áreas. Como foi o surgimento e consolidação  das pós-graduações e das pesquisas na área? 
 No  Brasil, a pesquisa em turismo deu seus primeiros passos,  naturalmente, com as primeiras graduações, mas eram pesquisas mais  pontuais, não se tinha programas mais consolidados. Muitas vezes, as  pesquisas em turismo eram feitas por pesquisadores de outras  formações como a história, a administração e a economia. Só na  década de 1990 é que se tem um esforço mais concentrado em termos  de pesquisas em turismo, com o fortalecimento de uma área de  concentração dentro de um curso de pós-graduação em comunicação  e artes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São  Paulo (ECA-USP). A ECA tinha mestrado e doutorado em comunicação,  com várias áreas de pesquisa, entre essas o turismo, que aos poucos  foi se fortalecendo. Mas, por diversos motivos, esse grupo não se  consolidou como uma pós-graduação própria de turismo. Digamos que  o que fica forte nessa área, além da formação de doutores com  tese em turismo que acabavam sendo quase todos ou pelo menos um bom  número da ECA-USP no Brasil, é a manutenção da revista científica  mais antiga na área, que é a Turismo  e Análise,  que existe até hoje e começou a ser publicada no início da década  de 1990. Ainda naquela década, o primeiro mestrado em turismo no  Brasil surge na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), no  município do Balneário Camboriú. A Univali é uma universidade  comunitária, como várias que há em Santa Catarina, onde se tem  poucas universidades públicas no interior. Como a graduação em  turismo e hotelaria já tinha surgido em anos anteriores, juntando  essas duas áreas, a pós-graduação surge em 1997 também como  turismo e hotelaria. Na época, alguns professores da própria USP  vinham dar aula junto com os professores locais. Quem coordenava o  curso era a professora Doris Van de Meene Ruschmann, que tinha  dedicação parcial tanto na USP quanto na Univali. Ela foi a  primeira coordenadora e unia esses dois grupos. O curso foi  recomendado em 1999 e como não existia uma área de turismo na  Capes, foi classificado junto com a área de administração e  ciências contábeis e é onde o curso se mantém. A partir daí,  houve a criação de outros mestrados no Rio Grande do Sul, em São  Paulo e na Bahia. Desse grupo dos primeiros mestrados, fundou-se a  Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Turismo  (Anptur) em 2002, e é essa associação que consolida seminários e  pesquisas mais sólidas em turismo e hotelaria no Brasil. 
 Com  origem na comunicação, mas agora vinculada à administração,  quais são as linhas de pesquisa mais fortes na área de turismo no  Brasil? 
 O  turismo continua tendo, pela sua origem, uma força na comunicação  em termos de pós-graduação, mas na Univali, com o vínculo de  turismo e hotelaria, em tese teria um viés de gestão. Também tem  muitas pesquisas na área da geografia. Então, ela tem esses três  pontos: ou uma força na geografia ou na administração ou na  comunicação. Esses são os pilares da pesquisa em turismo. Hoje, na  Anptur, já reconhecemos seis áreas fortes de turismo no Brasil: a  de planejamento e sustentabilidade no turismo, a de política e  desenvolvimento local e regional do turismo, a de gestão do turismo,  a de cultura, lazer, entretenimento e gastronomia, a de metodologias  e etnologias do turismo e a de hospitalidade. Essas seis áreas  surgiram dentro dos 14 cursos de mestrado e doutorado que hoje estão  em 10 programas de pós-graduação em turismo no Brasil. 
 E  na associação, quais estão sendo as principais ações para se  expandir a pesquisa na área de turismo e como tem sido a divulgação  da sua revista científica? 
 A  Anptur acabou tendo uma função inicialmente de congregar os  programas de pós-graduações. Então, sua ação prática é fazer  o seminário anual que congrega todos os programas com a apresentação  de suas melhores pesquisas. Este ano nós tivemos mais de 260  trabalhos inscritos no evento, que ganha certo corpo a cada nova  edição. O segundo veículo de ação é a revista científica da  associação, que já está perto de seus 10 anos de publicação.  Este é nono ano. A gente também vem incentivando muitos projetos  integrados entre os programas de pós-graduação e projetos como a  consolidação das revistas científicas dos programas, porque hoje  quase todos os programas já têm suas próprias revistas  científicas. Então, a Anptur acaba criando momentos de trocas de  informações entre os editores dessas revistas ou passando essas  informações para os programas que ainda não têm suas publicações.  É principalmente nessa área de divulgação da pesquisa científica  que a Anptur vem atuando. 
 Quais  incentivos essa área recebe para expandir suas pesquisas, quais  foram suas principais conquistas e quais pontos ainda precisam ser  aperfeiçoados? 
 Nós  temos, por exemplo, no Conselho Nacional de Desenvolvimento  Científico e Tecnológico (CNPq), uma área própria para o turismo.  Para algumas áreas consolidadas, ter um representante no CNPq já é  cotidiano. Para a área de turismo, nós temos um representante nos  últimos seis anos. Essa condição de ter um representante próprio  fez com que tenhamos o mecanismo, um canal direto com a agência de  fomento, então facilitou bastante. Eu sou pesquisador e peguei essa  transição em que a gente mandava um projeto para a área de ciência  da informação em museologia, que era onde o turismo estava  concentrado, e que era uma das áreas correlatas da comunicação.  Hoje, ter um comitê específico, mesmo que ele esteja junto com  geografia, planejamento urbano e demografia, fez uma diferença  grande: aumentou muito o número de projetos aprovados, que triplicou  nesses seis anos. Quero reiterar que esses projetos significaram a  cota de recursos para a área, porque a própria área se fez  presente na concentração de mais trabalhos e com uma demanda mais  qualificada. Hoje nós já temos pesquisadores com bolsa  produtividade do CNPq na área do turismo. Na Capes, nós ainda  estamos junto com a área de administração, mas até este ano já  fizemos dez programas de pós-graduação. Então, praticamente temos  um subcomitê. Embora tenhamos muito a avançar, já temos um espaço  considerável por conta disso. Agências de fomento como a Fapesc,  até onde eu conheço, não tem o turismo como uma área específica  para submissão de projetos. No SciELO estamos trabalhando para abrir  uma área para periódicos de turismo que não seja dentro das  ciências sociais aplicadas. O trabalho da Anptur, como associação,  tem uma meta principal a trilhar, que é a consolidação da área. 
 As  pesquisas acadêmicas em turismo são aproveitadas pelo mercado na  área? 
 Sendo  bastante realista, eu acho que há várias tentativas. A gente mesmo  tenta trabalhar com alguns dados, mas a área do turismo é mais uma  das áreas sociais e é um resultado dessas outras áreas. Então, o  processo é muito similar ao das ciências sociais, e por mais que  elas se intitulem sociais aplicadas, a aplicação do conhecimento da  academia no mercado ainda se restringe muito. Eu acho que há  tentativas, algumas mais exitosas, outras menos exitosas. Por  exemplo, a Univali e o programa de pós-graduação se associaram,  quatro anos atrás, a uma empresa de eventos que fazia um festival em  Foz do Iguaçu. É um festival do mercado com aquelas feiras e dentro  dessa feira já existia um fórum científico, onde a gente acabou  ganhando um corpo a mais e está tentando mostrar ali que as  pesquisas acadêmicas podem dar resultado para o mercado e  vice-versa. Isso quer dizer que os alunos e professores do turismo  vão lá no fórum, mas também visitam a feira para ficarem  conectados. E me parece que a desconexão é como se existissem dois  tempos e se vivesse em dois mundos. Nós também estamos participando  de um grupo internacional que trabalha com a Univali com a  transferência do turismo para o mercado. Portanto, há um exercício  ou uma predisposição para que as pesquisas da área tenham reflexo  no mercado, mas sendo realista, pouco disso aconteceu, assim como em  todas as demais áreas de sociais aplicadas em que há uma distância  muito grande. Porém, creio que pelo menos há uma predisposição em  todos os programas de turismo no Brasil. Nós temos dois programas  que foram criados com títulos profissionalizantes e por si só têm  que ter dissertações desenvolvidas em mestrados profissionais que  são vinculados ao mercado, por exemplo. Há, sim, uma intenção  grande da área, mas creio que vai levar ainda alguns anos, talvez  algumas décadas para isso se consolidar, porque a universidade  brasileira foi toda estruturada dentro de seus muros. 
 E  como está hoje o panorama do turismo no Brasil? 
 Houve  uma mudança muito grande no turismo, nacionalmente, com a criação  do Ministério. Isso já faz mais de 10 anos. Havia uma expectativa  de que ali houvesse uma mudança radical. Quem é mais ponderado  percebeu que havia uma sinalização e uma predisposição para que a  área se consolidasse. Na década de 1980, o turismo, em termos de  cursos de graduação, foi uma área difundida no Brasil. A febre  passou e nós vemos muito crescimento da área do turismo nos cursos  técnicos, principalmente os federais. Praticamente todos os estados  têm um campus dos institutos federais com o curso de turismo. A nossa pós-graduação  de mestrado e doutorado vem recebendo, nos últimos cinco anos,  muitos alunos que são professores dos institutos federais. Então,  nota-se que, se por um lado acabou o “oba oba” de cursos de  turismo e hotelaria em cada esquina, agora acho que o turismo entra  de forma mais consolidada nos institutos federais e universidades  públicas, e se mantém um número grande de cursos na área em  universidades comunitárias e confessionais. 
 O  senhor tem pesquisas focadas em planejamento e gestão de território,  demonstrando que muitos planejamentos em turismo eram feitos sem  conexão com a forma como seriam gerenciados. Poderia comentar o  conceito de planejamento sustentável? 
 Eu  trabalho uma ideia de que a sustentabilidade é um princípio, que  sustenta as ações humanas, ou é uma meta a ser buscada e não  necessariamente um patamar a ser alcançado. Considerando essa  premissa, o planejamento em turismo, para ser sustentável, deve vir  de todo discurso ambiental, participativo e socialmente justo e  economicamente viável. Ele precisa ser um processo que seja possível  de colocar em prática, não pode ser um planejamento completamente  técnico e lento para ser colocado em prática. Então, o processo de  planejamento só tem função de ser se ele for simples, rápido,  direto e se tiver princípios para ser gerenciado. O que falta em  muitas secretarias de turismo municipal ou estadual é planejamento.  Mas talvez eu possa inverter: o que falta em muitas secretarias é  gestão política. E eles precisam saber que gerenciar é saber  planejar ao mesmo tempo. Então, o planejamento, que tem um viés  técnico, e a gestão, que tem um viés político, precisam estar juntos  para o desenvolvimento do turismo. E essa é a minha maior crítica e,  ao mesmo tempo, a base que eu sustento que deva acontecer em  planejamento. Acho que várias cidades conseguiram isso em situações  muito particulares e outras estão muito distantes disso, porque  buscam projetos de planejamento longos, demorados, de dois ou três  anos. E quando termina o planejamento, o destino já é outro, já se  tem outro público. Esse descompasso do turismo é o foco principal  que eu trabalho. 
  
 
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