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 Onde  hoje está localizado o Triângulo Mineiro, entre 80 e 66 milhões de  anos atrás (ao final do período Cretáceo), havia uma área árida  habitada por dinossauros, em especial, os herbívoros titanossauros.  Resistindo ao tempo e às árduas condições climáticas, vieram à  luz os primeiros achados fósseis da região – e que hoje firmam o  município de Uberaba como a “Terra dos Dinossauros no Brasil”.
 Mas  o primeiro fóssil de dinossauro da América Latina foi descoberto  por acaso, como contam os pesquisadores Thiago da Silva Marinho,  diretor do Complexo Cultural e Científico de Peirópolis, e Luiz  Carlos Borges Ribeiro, geólogo do complexo e da Universidade Federal  do Triângulo Mineiro (UFTM), em artigo publicado na edição  especial da revista Scientific  American Brasil,  em maio deste ano. 
Segundo  eles, durante as obras de um trecho ferroviário em Uberaba, em 1945,  o paleontólogo da então Divisão de Geologia e Mineralogia,  Llewellyn Ivor Price (1905-1980), identificou que a bola com a qual  os funcionários da ferrovia jogavam bocha era, na verdade, um ovo de  dinossauro, cuja identificação foi publicada em 1951. 
Desde  então, numerosas e sistemáticas escavações foram feita na região,  a ponto de ser constituído um acervo diverso de artefatos que  colocam Uberaba como centro de referência em estudo e divulgação  de patrimônio geológico no país. 
Turismo  paleontológico: o caso de Peirópolis 
Bairro  rural da cidade de Uberaba, Peirópolis tinha como atividade  econômica, até os anos de 1970, a produção cafeeira e a  exploração da cal, mas entrou em franca decadência com a  diminuição dessas atividades e do desmonte ferroviário. 
O  início das atividades voltadas ao turismo paleontológico se deu com  a instalação, em 1991, do Centro de Pesquisas Paleontológicas  Llewellyn Ivor Price e do Museu dos Dinossauros, que, quase 20 anos  depois, integraram a UFTM, formando o Complexo Cultural e Científico  de Peirópolis. 
“Em  Uberaba, notadamente em Peirópolis, os fósseis ganharam uma nova  interpretação que transcende mesmo a relevância científica:  passaram a elementos de revitalização econômica e cultural, o que  vem possibilitando a melhoria na qualidade de vida de seus moradores  graças ao turismo paleontológico, principal atividade econômica da  localidade, tirando partido da magia que os dinossauros exercem sobre  as pessoas”, concluem Ribeiro e Marinho no artigo da Scientific  American Brasil. 
Os  pesquisadores ressaltam que a atividade turística, além de se  mostrar como forma de divulgação do patrimônio cultural e natural  da região, contempla o projeto de implantar “geoparques” no  Brasil – termo cunhado pela Organização das Nações Unidas para  a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para representar áreas  de valor geológico, ecológico, cultural e histórico, a partir dos  quais podem ser desenvolvidas atividades turísticas baseadas no  desenvolvimento sustentável de seus recursos naturais, a exemplo dos  fósseis. 
Em  2012, existiam mais de 80 geoparques espalhados em 27 países, de  acordo com o primeiro volume de Geoparques  do Brasil: propostas,  publicado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O primeiro  geoparque brasileiro foi criado em 2006, em Araripe, no Ceará, mas  há projetos de implantação de mais 17 geoparques espalhados de  norte a sul do país, incluindo o de Uberaba, em Minas, e o de Serra  da Capivara, no Piauí. 
Para  o cientista político e professor de disciplinas voltadas para o  desenvolvimento sustentável da Universidade Mackenzie, Reinaldo  Dias, autor do livro Turismo  e patrimônio cultural,  publicado pela Saraiva, o turismo científico – antes desvalorizado  no modelo de desenvolvimento industrial –, revela-se como  oportunidade para municípios se desenvolverem de forma autônoma do  Estado nacional: “Trata-se de recursos muito importantes para o  desenvolvimento endógeno (que se origina ali, independentemente de  haver apoio do governo federal). Basta que o município esteja  capacitado para trabalhar com eles, construindo locais para  visitação, mas sem deixar para segundo plano a preservação”,  alerta. 
Riqueza  e descaso no turismo arqueológico no Nordeste 
Segundo  dados da Fundação CTI-NE, formada pelos órgãos oficiais de  turismo dos nove estados que compõem o Nordeste brasileiro, a região  recebe a visita de aproximadamente 30 milhões de turistas  anualmente. Entretanto, a grande maioria desses visitantes permanece  apenas na faixa litorânea da região. 
Os  turistas desconhecem a riqueza do interior nordestino, bem como a  existência de um vasto patrimônio cultural da humanidade, que pode  ser visto nos diversos sítios arqueológicos encontrados  principalmente no sertão dos estados da Bahia, de Pernambuco, do  Piauí e do Ceará. 
“O  Brasil tem um grande potencial turístico em geral,  mas quanto  ao turismo arqueológico, por enquanto, é limitado a poucos locais,  porque poucos foram ou são estudados”, afirma Rosa  Trakalo, pesquisadora e coordenadora de projetos da Fundação do  Homem Americano. 
Um  desses espaços já pesquisados é a região do Parque Nacional da  Serra da Capivara, no interior do Piauí, criado na década de 1970  por um grupo liderado pela arqueóloga Niède Guidon. A região  conta, além do parque, com a Fundação e o Museu do Homem  Americano, responsáveis pela administração e documentação dos  sítios arqueológicos da região. 
“A  Serra da Capivara é um dos raros casos no Brasil com mais de 40 anos  de pesquisas arqueológicas, onde a infraestrutura de visitação, no  Parque, é de primeiro mundo”, avalia Trakalo. 
O  Parque Nacional da Serra da Capivara tem a maior concentração de  sítios pré-históricos do continente americano e foi considerado  como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Atualmente ele  ocupa cerca de 100 mil hectares. 
Trata-se  de um local com um monumental  museu  a  céu aberto, entre grandiosas formações rochosas, onde se encontram  sítios arqueológicos e  paleontológicos  que testemunham a presença de homens e animais pré-históricos. 
Nele  também se encontra a maior quantidade de pinturas rupestres do  mundo, e estudos científicos realizados pela professora Niède  Guidon e sua equipe confirmam que a Serra da Capivara foi densamente  povoada em períodos pré-históricos. Os artefatos encontrados  apresentam vestígios da presença do homem há mais de 50 mil anos,  os mais antigos registros na América. 
Trakalo  destaca que se maias,  incas, astecas e egípcios deixaram grandes monumentos que os  turistas visitam hoje, o homem pré-histórico deixou na Serra da  Capivara sua história, sua vida cotidiana, suas mensagens, tudo isso  numa "escrita" que cobre enormes paredes. 
Ela  ainda complementa destacando que o visitante da Serra da Capivara,  além de ver as pinturas rupestres, as maravilhosas paisagens, uma  vegetação e uma fauna ricas, sente e consegue entender como era a  vida desses seres livres e felizes e, quem sabe, comparar com sua  própria vida. 
Entretanto,  mesmo com tantos atrativos, o turismo da região ainda é muito  carente. Segundo Trakalo, o número de visitantes vem aumentando ano  a ano, mas a infraestrutura receptiva é ainda muito simples, e os  acessos são difíceis. O meio mais rápido de chegar ao parque é  pelo aeroporto Nilo Coelho, localizado na cidade de Petrolina, em  Pernambuco, há mais de 400 quilômetros de distância. 
O  problema de infraestrutura receptiva se arrasta por décadas. Desde  1997, ano em que o governo federal começou a construção do  aeroporto da Serra da Capivara, o projeto se arrasta e ainda não foi  finalizado. Já são 18 anos de atraso na construção, que  afetou também o desenvolvimento da hotelaria. Segundo Niède Guidon,  grandes redes de hotelaria até têm o interesse de se instalar na  região, no entanto, esperam a finalização do aeroporto. 
Assim  como aconteceu na Serra da Capivara antes da criação do parque  nacional, os sítios arqueológicos encontrados na região do Vale do  São Francisco, nas cidades de Sobradinho e Juazeiro, na Bahia, sem a  proteção legal, acabam sujeitos à depredação e ao desmatamento  das áreas. 
Diferentemente  das pinturas rupestres que se encontram no Parque Nacional da Serra  da Capivara, as encontradas no Boqueirão do São Gonçalo, na cidade  de Sobradinho, ainda não possuem nenhuma proteção por parte dos  governos, seja municipal, estadual ou federal. Além disso, poucas  são as pesquisas sobre o sítio arqueológico do Boqueirão. Até os  próprios moradores da cidade desconhecem a importância do  patrimônio localizado no território da cidade. 
O  potencial para o turismo também existe nos sítios arqueológicos do  Vale do São Francisco. Porém, a situação deles é ainda mais  grave que a da Serra da Capivara, uma vez que sequer são  reconhecidos como patrimônio a ser preservado. 
Enquanto  ao redor do mundo os sítios arqueológicos recebem cerca de 10  milhões de visitantes por ano, no Brasil, o turismo arqueológico  ainda necessita de investimentos e apoio para se desenvolver. “Aqui  existe uma riqueza cultural ímpar, ainda que desconhecida por muitas  pessoas e até ignorada por outras”, conclui Trakalo. 
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