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 Para  a análise semântica destas três palavras, consideremos as relações de sentido  entre elas. Para isso é necessário pensar suas relações com outras palavras no  funcionamento da língua. Comecemos por observar como elas se combinam com  outras em um enunciado. Tomo para isso duas expressões que alguns dicionários trazem  nos verbetes “erro” e “engano”: 
  - Cair  em erro
 
  - Cair  em engano
 
  
Não  há nenhuma indicação da existência de 
No  entanto podemos encontrar: 
(4) Cometer um  erro. 
  (5) Cometer um  engano 
(6) Cometer uma  fraude 
Assim,  é possível sustentar que estas três palavras, embora tenham diferenças de  sentido, como a impropriedade de (3) mostra, aparecem em condições de  semelhança em (4), (5), e (6), indicando que um erro, um engano e uma fraude são produzidos por alguém: 
(7) Alguém comete um erro / um engano /  uma fraude. 
Ou  seja, um erro, um engano, uma fraude são ações de algum agente (uma pessoa, por  exemplo). Comparando agora (4), (5) e (6) com (1), (2) e (3), tal como já  sugerido acima, observamos que podemos ter 
(8) Alguém caiu em erro / em engano. 
Mas  não 
(9) (!) Alguém caiu em fraude. 
Esta  diferença estabelece uma distância entre o sentido das duas primeiras palavras  e o da terceira. A combinação com o verbo cometer, em (6), e a impossibilidade  de (9), indicam que fraude significa o resultado de uma ação proposital  (fraudar) de quem a produz. 
E  isto se confirma se levamos em conta: 
(4a) Cometeu um erro, mas não foi intencional. 
  (5a) Cometeu um engano, mas não foi  intencional. 
  (6a) (!!)Cometeu uma fraude, mas não foi  intencional. 
Ou  seja, afirmar a fraude, não se articula com o sentido da negação da intenção da  ação. Para refletir um pouco mais sobre este aspecto, consideremos os verbos  correlatos destes nomes: “errar”, “enganar”, “fraudar”. Podemos ter: 
(10) Alguém errou. 
  (11) Alguém enganou-se. 
  (12) Alguém enganou o guarda. 
  (13) Alguém fraudou a prefeitura. 
Isto  mostra uma relação interessante: o sentido de “enganar-se” se aproxima do  sentido de “errar’ e de “engano”, e o sentido de “enganar” se aproxima do de “fraudar”.  Mostrando, inclusive, como as relações etimológicas não são suficientes para  acompanhar a história dos sentidos. Ou seja, “engano” significa o ato de “enganar-se”,  assim como “erro” significa o ato de “errar”. Por outro lado “fraudar”  significa o ato de “alguém fraudar X” (fraudar o fisco), o que se correlaciona  (sinonimicamente) com “alguém enganar X” (enganar o fisco). Deste modo, parece  podermos dizer que se têm as seguintes relações de sentido: 
  
  Onde  o sinal ↔ marca uma relação de aproximação sinonímica e a barra, a de oposição  de sentido. 
Levando  em conta o ponto de onde começamos (a existência de (1) e (2)), se consideramos,  para continuar nossa análise, um predicado como “levar a um resultado não  correto”, podemos dizer: 
 (14) O erro leva a um resultado não  correto. 
  (15) O engano leva a um resultado  não correto. 
(16) A fraude leva, voluntariamente,  a um resultado não correto. 
E  não 
(14a) (!) O erro leva,  voluntariamente, a um resultado não correto. 
  (15a) (!) O engano leva,  voluntariamente, a um resultado não correto. 
(16a) (!)A fraude leva,  involuntariamente, a um resultado não correto. 
O  que vai na direção, para usar as próprias palavras que estamos utilizando e  analisando, de 
(16b) A fraude é um erro proposital  / um engano proposital. 
Deste modo, podemos dizer que temos  algo como: 
  
O  sentido de “erro”, “engano” e “fraude” é determinado semanticamente pelo  sentido de “incorreção” (relação representada acima por ┤ e ┴) e, nesta medida,  pode-se também dizer que o sentido de “erro” ou “engano” faz parte do sentido de  “fraude”, atribui sentido à palavra “fraude”. Por outro lado, o sentido de “fraude”  tem ainda a relação com o sentido de “intencional”, da vontade de quem produz a  ação de fraudar, que (16) e (16b) colocam em evidência. Dizendo  de outro modo, as palavras “erro” e “engano” têm uma relação sinonímica de  sentidos (representada acima por ↔), e os sentidos destas palavras atribuem  sentido (determinam semanticamente) ao sentido de “fraude”, que é também  determinado pelo sentido de “intencional”. Ou seja, há uma oposição, mas não uma  antonímia, entre “erro” e “engano” de um lado, e “fraude” de outro. Trata-se de  uma relação de sentidos que mostra uma diferença importante que leva o sentido  de fraude para o âmbito do que se pode condenar eticamente. 
Eduardo  Guimarães é professor do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da  Linguagem da Unicamp e coordenador do Laboratório de Estudos Urbanos, na mesma  universidade. 
    1 Marco com (!) o surpreendente  que seria esta construção causando uma impressão de falta de sentido. 
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