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                            10/12/2014
                             Niehls Bohr escreveu uma carta sobre os motivos de Cesar Lattes não ter  ganho o Nobel. Poderia contar essa história? 
No livro The history of modern science, sem tradução em português, lançado  pela Oxford Companion, está um pouco dessa história e tenho a página  digitalizada. No finalzinho da página 462, está um pouco da história da  primeira possibilidade de Nobel para Lattes. Após o final da Segunda Guerra Mundial,  o professor César Lattes se une a Giueseppe Occhialini para atuar como estagiários  no laboratório do professor Cecil Powel na Universidade de Bristol, na  Inglaterra. O intuito era aperfeiçoar a detecção de partículas utilizando uma  nova emulsão fotográfica produzida pela Ilfor (empresa inglesa dedicada à  produção de material especializado para fotografia). Lattes sugeriu que fosse  feita a exposição das placas a raios cósmicos. Occhialini levou as placas  preparadas por Lattes para os Pirineus e o brasileiro levou outras para os  Andes bolivianos. Com a adição de boro na emulsão preparada por Lattes, foi  possível demonstrar a existência do meson  pi. Em 1950, Powell recebe o Nobel pela descoberta, por ser o líder do  projeto. Nem Occhialini, nem Lattes são mencionados. Segundo o livro, Niehls  Bohr teria escrito uma carta sobre o assunto em 1952 e que teria permissão para  ser aberta 50 anos depois. Na página do Instituto Niehls Bohr, é possível fazer  diversas requisições de documentos da correspondência de Bohr, porém, só da  parte já digitalizada. A informação obtida no começo de 2013 indica que a  referida carta escrita por Bohr está microfilmada, porém ainda não teria sido  digitalizada. 
Ao deixar a Inglaterra, Lattes  vai para Berkeley (na Califórnia, Estados Unidos) para trabalhar com o  professor Eugene Gardner e, juntos, eles obtêm a primeira evidência  experimental da produção do meson pi no acelerador de partículas, isto é, obtido de forma artificial. No retorno ao  Brasil, Lattes assume o posto de professor na Universidade Federal do Rio de  Janeiro (UFRJ). Porém, um tempo depois, ele se transfere para a Universidade  Estadual de Campinas, ajudando a consolidar a sua fundação e o Instituto de  Física. A academia sueca escreveu uma carta a Lattes endereçada para a UFRJ  pedindo mais informações sobre a descoberta em Berkeley para avaliar uma  possibilidade de premiação com o Nobel. Infelizmente, essa correspondência só  chega às mãos de Lattes após um ano. Não se sabe se alguém a engavetou  propositalmente ou se foi simplesmente um descuido. A falta de uma resposta e  especialmente a morte do professor Gardner, nesse período, inviabilizaram essa  possibilidade de ele ser premiado. 
O senhor conviveu com César Lattes? Como foi a reação dele após esses  incidentes? 
Quando vim da Bolívia para o  Brasil, fui muito bem recebido pelo professor Lattes. Ele costumava tratar  muito bem os estudantes estrangeiros. Também era conhecido pelo gênio difícil e  lembro de dois casos de professores que discordaram dele e acabaram saindo do  grupo, pois a permanência deles ficou muito difícil. Sobre sua reação por não ter  ganhado o Prêmio Nobel, imagino que ficou muito chateado. Principalmente, dessa  segunda vez por não ter recebido a carta a tempo. 
Qual o legado para ciência latino-americana deixada por  Lattes? 
O legado é  muito valioso, Lattes é um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas  Físicas. Ajudou a consolidar a Universidade  Estadual de Campinas e é também um dos fundadores do Conselho Nacional de  Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele deu uma contribuição muito  grande à pesquisa científica na América Latina, em especial, com a fundação do  Laboratório de Física Cósmica na Bolívia. 
A maioria dos vencedores do Nobel está na Europa e nos Estados Unidos.  Ganhar o Nobel está relacionado a uma determinada política de educação e  investimento em C&T? 
Eu acho que tem que ter um pouco  de política. Dificilmente tem um país de terceiro mundo (entre os premiados). A  exceção é a Índia, com dois prêmios Nobel. Por outro lado, não vejo grandes  experimentos na América Latina, isto é, projetos genuinamente latinos. Porém,  já existem planos, como o Projeto Andes (para construção de um acelerador de  partículas entre a Argentina e o Chile). O Brasil tem uma participação  importante em grandes projetos internacionais, tais com o Projeto Auger (um  observatório de raios cósmicos idealizado pelo físico norte-americano James  Cronin, ganhador do Nobel em 1980). Entretanto, em alguns casos, é apenas uma  participação coadjuvante nas pesquisas. Temos que tentar de ser o ator  principal. Por exemplo, existe a possibilidade do Brasil se tornar membro  efetivo do Cern – Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, responsável pelo  Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), mas isso depende da  votação dos deputados para aprovar uma verba de US$ 15 milhões anuais. Acho que  o Brasil pode fazer isso e, assim, termos uma participação mais efetiva no Cern,  mas depende da Câmara dos Deputados e não sabemos quando isso irá sair. A  situação é parecida com a participação brasileira nos projetos da ESA (Agência  Espacial Europeia). 
Quais são as possibilidades, hoje, de um Nobel para o Brasil? 
Posso estar cometendo injustiças,  me limitarei a dar a minha opinião na minha área, a física de partículas, e não  vejo possibilidades de Nobel nessa área. Acho que o país precisa de mais  investimentos não apenas em ciência aplicada, mas também é necessário investir  em ciência pura. Os grandes laboratórios que temos são multiusuários, de uso  compartilhado. Em geral, essa modalidade prioriza a ciência aplicada, a  tecnologia de ponta, o que é muito bom, mas falta ciência básica. A história da  humanidade mostra que grandes descobertas foram feitas através da ciência  básica. 
No campo da astronomia, fala-se numa corrida, visando o Nobel, para o grupo  que trouxer evidências sobre o que é a matéria escura. O senhor acredita que  isso possa prejudicar o compartilhamento de dados nesse campo? 
Concordo que o próximo Nobel  esteja provavelmente aí. Atualmente, existem cerca de 80 laboratórios  procurando uma resposta para essa questão. Entre alguns “grandes”  pesquisadores, existe a chamada “febre de Estolcomo”, pois ganhar o Prêmio  Nobel significa muita projeção e prestígio. No entanto, não acredito que isso  atrapalhe significativamente na colaboração entre pesquisadores. Essa corrida  também leva à super exploração de descobertas, como a suposta primeira  evidência da inflação cósmica do Universo após o Big Bang, anunciada por  pesquisadores do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (dos Estados  Unidos), em abril deste ano. Todo mundo, tanto a mídia quanto uma parte da  comunidade de pesquisadores, acreditava que isso traria o Nobel para a equipe –  inclusive se cogitaram alguns nomes –, mas agora há evidências mais fortes  trazidas pelo satélite Max Planck, da Agência Espacial Europeia, de que os  dados coletados na verdade seriam devidos à poeira cósmica. 
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