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                             Primeiro  de novembro de 2014, Portland, (Oregon - EUA), a jovem americana Brittany Maynard coloca fim à sua vida, aos 29  anos, por meio de suicídio assistido, decisão tomada em janeiro deste ano após  descobrir que o câncer cerebral era irreversível. A história que ganhou as  manchetes ao redor do mundo não é um caso isolado, e serviu para reacender o  debate. Em países como Uruguai, Bélgica, Holanda e Suíça, onde a eutanásia e o  suicídio assistido são legalizados, muitos são os casos semelhantes.
 De  acordo com um levantamento realizado por Leocir Pessini, professor de bioética  na Universidade São Camilo e autor de diversos livros e artigos sobre a  eutanásia, a Suíça recebeu, entre 2008 e 2012, 611 não-residentes, a maioria  alemães e britânicos, para a prática do suicídio assistido. Esses pacientes  sofriam de doenças como paralisia motor neural, Parkinson e esclerose múltipla,  e tinham entre 23 e 97 anos.  Outro dado  relevante apontado por Pessini é que, nesse período, o número de suicídios  assistidos dobrou na Suíça, que registrou pacientes vindos da França (66),  Itália (44), EUA (21), Áustria (14), Canadá (12), Espanha (8) e Israel (8).  
Esse  universo não é complexo apenas pelas polêmicas em torno do que é permitido ou  não, mas também pela distinção de práticas. A eutanásia e o suicídio assistido  é quando se coloca fim à vida para que o paciente não sofra. Do lado oposto  está a distanásia, ou as intervenções médicas a fim de prolongar o processo de  morte, ainda que gerem grande sofrimento ao paciente e que resultem em vão.  Entre uma e outra estaria a ortotanásia, ou a “boa morte”, com garantia do  bem-estar, na medida do possível, nos momentos finais, com a suspensão de  procedimentos que estão prolongando a vida, sem chance de cura. 
Ainda  que no Brasil a eutanásia não seja permitida legalmente, muito se discute sobre  o tema, como no Programa de Pós Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde  Coletiva da ENSP – Fiocruz (Escola Nacional de  Saúde Pública Sérgio Arouca). De acordo com o médico e coordenador do curso,  Sergio Rego, a bioética tem permeado essas discussões, e defende que a decisão  de pôr fim à vida não pode ser exclusiva do médico. “Como médico, não cabe a  mim resolver se o outro vai morrer, e mais, defendo que a família não pode  contrariar a decisão do paciente. Nesses casos, depende-se do nível de  confiança paciente – médico – família”, diz.  
As delimitações entre a prática médica e a ética suscitam  vários questionamentos. Diante disso, pode-se pensar na definição dada por  Reinaldo Ayer, médico e professor de bioética da Faculdade de Medicina da USP,  para quem “em medicina não se pode fazer uma separação tão dramática ou tão  pontual entre o que é a vida e o que é a morte, tudo é um processo. Em geral, o  médico assume uma posição de enfrentamento à morte, considerada sua ‘maior  adversária’. Desse posicionamento pode decorrer a luta desenfreada”.  
Rego aponta que, dentre todos os procedimentos para pôr fim à  vida, não existe o mais grave ou menos grave. “A ortotanásia, ou eutanásia  passiva, é a menos agressiva, uma vez que consiste em apenas administrar  cuidados paliativos, não fazendo uso de recursos que prolonguem a vida. Um  exemplo de procedimento é o controle da respiração”, explica. 
Há ainda outros pontos pertinentes sobre o assunto que, de  acordo com os especialistas em bioética, devem ser levados em conta na hora de  analisar a eutanásia, como o fato de a sociedade arcar com gastos médicos de  uma pessoa que não vai viver muito tempo, ou prolongar sem nenhuma perspectiva  de vida ou qualidade dela.  
No campo jurídico brasileiro as posições são mais radicais,  uma vez que o Estado condena qualquer tipo de método para colocar fim à vida  como a eutanásia, considerado homicídio doloso pelo Código Penal, quando há intenção  de matar. Logo, todo aquele que prestar assistência será responsabilizado pelo  crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. 
Já para a religião, discutir a questão da eutanásia é  fundamental. Para Pessini, que além de especialista em bioética, é também padre, “são as religiões que dão  significado ao processo de morrer, ou do além morte ou vida. A ciência descreve  fenômenos vitais e/ou mortais, mas quem dá sentido, é o mundo religioso”,  aponta. Para ele, a eutanásia deve ser encarada como uma questão importante no  século XXI, uma vez que não temos mais uma instância "mística" que  veja sentido numa vida marcada pela dor, sofrimento, dependência ou prostração.  “A vida só vale ser vivida ser for marcada pelo prazer e com boa qualidade. O  contrário é uma experiência dolorosa que não queremos nem conversar. Viver  nessas condições não tem sentido, diz a ideologia corrente”. 
Pessini lembra ainda que tem aumentado o interesse por humanizar o  processo de morte, o que tem motivado os países a repensar suas políticas  públicas acerca dos cuidados no fim da vida. Mas vale ressaltar que, tanto para  a religião quanto para a Organização  Mundial da Saúde (OMS), isso ainda significa apenas  defender o uso de recursos paliativos no final da vida. A OMS aprovou, em  maio deste ano, uma resolução que prevê “fortalecer os cuidados paliativos como  um componente integrante do tratamento contínuo ao longo da vida”. Tal  resolução encoraja os países membros a aumentar os cuidados paliativos em seus  sistemas de saúde; ampliar a formação de profissionais especializados;  assegurar medicação necessária, incluindo aquelas que aliviam a dor; e aumentar  sua assistência para os países membros desenvolverem e implantarem os cuidados  paliativos. Já o Vaticano se manifestou  contrariamente em relação ao caso de suicídio assistido da americana e afirmou,  por meio do monsenhor Ignácio Carrasco de Paula, chefe da Academia Pontífica  para a Vida, que “dignidade é diferente de colocar fim à própria vida”.  
A opção por cuidados paliativos reacende uma discussão  proposta por Sergio Rego, que indaga se é correto a sociedade arcar com os  gastos desmedidos e infrutíferos para manter alguém vivo. Por que prolongar uma  vida sem perspectivas? E por que fazer qualquer coisa para manter o indivíduo vivo?  Rego defende que o ideal é que todos fizessem uma declaração  deixando claro para médicos e familiares a forma como deseja ser tratado ao fim  da vida. E, claro, que a legislação permitisse essa liberdade de escolha. 
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