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 *  Texto originalmente publicado em DireitoNet em 29/12/2014
 Ao  longo do tempo, surgiram na sociedade inúmeros debates  significativos e de grande importância para o campo da psicologia na  sua interface com o direito. Em razão das inúmeras problemáticas  envolvendo a sociedade moderna, como por exemplo, cometimento de  crimes, prisões, inquirições e depoimentos de crianças e  adolescentes junto ao poder judiciário, bem como as divergências  familiares que resultam em processo de disputa entre os genitores,  abalando diretamente a convivência e os vínculos familiares, é de  suma importância a intervenção da psicologia.
 O  presente trabalho tem como principal objetivo apresentar um estudo  acerca da Lei nº 12.318/2010, conhecida como a Lei da Alienação  Parental, bem como acerca da problemática psicológica que a  síndrome da alienação parental traz para a criança e/ou o  adolescente.
 A  síndrome da alienação parental é uma grave situação que ocorre  dentro das relações de família, em que, após o término da vida  conjugal, o filho do casal é incentivado por um de seus genitores  para “odiar”, sem qualquer justificativa, o outro genitor. A  referida síndrome é um tema atual, complexo e polêmico que vem  despertando atenção de vários profissionais tanto da área  jurídica como da área da saúde, pois é uma prática que vem sendo  denunciada de forma recorrente (Martins, 2012, pg. 18).
 O  primordial objetivo da Lei da Alienação Parental é regular, de  forma eficaz, o convívio dos filhos com ambos os genitores após o  divórcio, estabelecendo, para tanto, alguns critérios acerca dos  direitos dos pais e das crianças e/ou adolescentes.
 O  tema proposto encontra respaldo científico no direito e na  psicologia e a pesquisa apresentada compreenderá um estudo  exploratório, análise bibliográfica e pesquisa qualitativa.
 O  estudo da psicologia no contexto do direito não se restringe  exclusivamente ao comportamento de uma doença mental e às causas da  criminalidade, mas abrange também o estudo das relações  psicossociais enquanto fatores existentes e influentes na realidade  social inerente a qualquer processo e espaço jurídico. Para Serafim  (2012, p.12), o papel da psicologia, em sua interface com o direito,  “percorre a análise e  interpretação da complexidade emocional, da estrutura de  personalidade nas relações familiares e a repercussão desses  aspectos na interação do indivíduo com o ambiente”.
 A  denominada síndrome da alienação parental encontra-se no centro de  debates acerca de litígios conjugais e guarda de filhos, sendo um  tema bastante discutido internacionalmente e, atualmente, também no  Brasil. Por envolver relações afetivas e sociais intensas ligadas à  organização e funcionamento familiar, é de grande importância a  atuação de profissionais da saúde, tais como psicólogos,  psiquiatras e assistentes sociais, bem como, do poder judiciário e  da sociedade como um todo.
 A  síndrome da alienação parental, conhecida pela sigla SAP (PAS, em  inglês), é também denominada por alguns autores, tais como Maria  Berenice Dias e Eduardo Ponte Brandão, como “implantação de  falsas memórias” ou “abuso do poder parental”, e foi descrita  pela primeira vez em meados do ano de 1980 pelo médico psiquiatra  norte-americano Richard Gardner, o qual a definiu como a rejeição  injustificada da criança a um dos genitores no pós-divórcio. Tal  rejeição infantil é atribuída à influência sistemática feita  por um dos genitores, com o objetivo de banir o outro. O diagnóstico  é justificado quando antes da separação a criança sempre  apresentou bom comportamento com o genitor alienado (Brockhausen,  2012, p.15).
 Atualmente,  a alienação parental é uma forma de maltrato ou abuso; é um  transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de  sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador,  transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas  e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar  ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge  alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição  (Serafim, 2012, p. 93).
 A  alienação parental, não ocorre apenas em relação aos  ex-cônjuges. Qualquer pessoa que tenha o menor sob sua autoridade  pode exercer seus direitos de forma abusiva com tal prática. No  entanto, os casos mais comuns da ocorrência da alienação parental  estão ligados a situações de ruptura da vida conjugal pois, após  a separação, nem sempre o ex-casal consegue concretizar a separação  emocional e os dois continuam vivenciando os sentimentos de desilusão  sofridos no casamento, e o filho é utilizado por um dos genitores  como instrumento para atingir o ex-cônjuge.
 Para  Dias (2011, pg.440/441), a alienação parental é tida como um  descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental, pois  ocorrendo a separação dos pais, o filho não pode se sentir objeto  de vingança em face de ressentimentos. Com o divórcio, não pode  haver a cisão dos direitos parentais.
 Para  Gonçalves & Brandão (2011, pg. 127):
  A  síndrome de alienação parental corresponde às ações de um dos  genitores, normalmente o guardião, que “programa” a criança  para odiar o outro sem qualquer justificativa. Identificando-se com o  genitor alienador, a criança aceita como verdadeiro tudo que ele lhe  informa. Desse modo, são implantadas na criança “falsas memórias”  a respeito do genitor alvo das acusações. Para conseguir realizar  tais objetivos, o alienador lança mão, muitas vezes sutil e  paulatinamente, de uma campanha denegridora em relação ao  ex-cônjuge, ao mesmo tempo em que costuma se colocar como vítima  frágil de suas ações.
 
 Em  sentido semelhante, destaca Dias (2011, pg. 463):
  Muitas  vezes quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não  consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento  de rejeição, ou a raiva pela traição, surge um desejo de vingança  que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de  descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma “lavagem cerebral”  feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro  genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não  aconteceram conforme a descrição feita pelo alienador. Assim, o  infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi  implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de  fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição  do vínculo entre o genitor e o filho ...
 
 Salienta-se,  por oportuno, que nem sempre a alienação parental se faz através  de atos voluntários e conscientes. Não raramente ocorrem situações  em que o alienador se isenta, por exemplo, de interferir nas visitas  do outro genitor, mostrando-se ostensivamente resignado à força da  lei e se esquivando de falar mal do outro, chegando a ponto de dizer  palavras de incentivo ao filho. Mas a alienação se expressa de  modos não verbais e que são facilmente decodificados pela criança  ou pelo adolescente. (Gonçalves & Brandão, 2011, pg 129).
 A  síndrome em estudo causa inúmeras consequências para a criança  alienada, principalmente psicológicos, e pode provocar problemas  psiquiátricos para o resto da vida. Como sintomas, pode-se destacar  depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente  psicossocial normal, transtornos de identidade e imagem, desespero,  sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento,  comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade e  às vezes suicídio (Dias, 2011, pg. 460).
 Em  face desse panorama, em agosto de 2010, foi sancionada no Brasil a  Lei nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental e, assim  como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do  Adolescente e o Código Civil, tem o objetivo de proteger a criança  e seus direitos fundamentais, preservando dentre vários direitos o  seu convívio com a família. Conforme o art 2º dessa lei:
 Art.  2o. Considera-se ato de alienação parental a  interferência na formação psicológica da criança ou do  adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós  ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade,  guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo  ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 
Parágrafo  único. São formas exemplificativas de alienação parental, além  dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia,  praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: 
I  - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no  exercício da paternidade ou maternidade; 
II  - dificultar o exercício da autoridade parental; 
III  - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 
IV  - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência  familiar; 
V  - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes  sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e  alterações de endereço; 
VI  - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste  ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a  criança ou adolescente; 
VII  - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando  a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro  genitor, com familiares deste ou com avós. 
Para  a psicóloga clínica e jurídica Tamara Brockhausen, com o advento  da lei acima mencionada, surge a necessidade de refletir qual seria o  papel da psicologia nos processos envolvendo as situações de  conflitos e disputas familiares, uma vez que existe uma série de  questões e diferentes posicionamentos envolvendo a problemática da  chamada alienação parental (pg. 15). A referida psicóloga aduz  que: 
 “A  leitura da dinâmica psíquica de cada envolvido na situação  familiar é importante desde que não encubra os diferentes níveis  de responsabilidade e dificuldades de cada genitor. Na medida em que  envolvem questões mais sérias e complexas, a lei se faz necessária  como regulador, sem o que não há sustento de quaisquer outros meios  interventivos. Há que se colocar que amor parental transpõe o afeto  e os cuidados práticos com os filhos, necessitando da lei para  transmitir algo que permita à criança, que está na dependência do  outro parental, não sofrer prejuízos.”  
Conforme  os ensinamentos de Gonçalves & Brandão (2011, pg. 128), é de  grande importância a atuação do psicólogo concomitantemente com o  procedimento judicial nos casos envolvendo a síndrome de alienação  parental. Veja-se: 
 “Dependendo  do grau de alienação parental, diferentes medidas podem ser  tomadas. Acredita-se que a maioria das situações pode ser  revertida, mas, normalmente, a intervenção e o tratamento  psicológicos não produzem efeitos se forem exercidos sem o  procedimento judicial. Associado a um tratamento psicológico,  Gardner e outros autores sugerem, nos casos de alienação grave a  moderada, a inversão de guarda, suspensão de visitas do alienador,  imposição de multa, prestação de serviços comunitários, redução  da pensão alimentícia, e até mesmo ordem de prisão e suspensão  ou perda do poder familiar.” 
 No  campo do direito, especificamente, as questões ligadas à alienação  parental são processadas perante a vara de família e o papel do  psicólogo é colocar os seus conhecimentos à disposição do  magistrado (que exerce a função julgadora), assessorando-o em  aspectos relevantes para determinadas ações judiciais, trazendo aos  autos uma realidade psicológica dos agentes envolvidos que  ultrapassa a literalidade da lei, e que, de outra forma, não  chegaria ao conhecimento do julgador, por se tratar de um trabalho  que vai além da mera exposição dos fatos. 
De  acordo com Serafim (2012, p.87): 
 “Nas  disputas familiares, é de suma importância a presença do  psicólogo, pois se está lidando com um ponto muito delicado do ser  humano, representado pelo seu universo de relações mais íntimas. O  psicólogo, na vara de família, pode atuar como perito ou assistente  técnico, além de mediador”.  
O  psicólogo, seja ele perito ou não, executará suas atividades nos  processos de separação, disputa de guarda, regulamentação de  visitas e destituição do poder familiar. Conforme Ortiz (2012): “os  juízes de varas de família, em geral, determinam a realização de  perícia psicológica para instruir suas decisões em processos (ou  ações) judiciais que envolvem a guarda e/ou visitação de menores  – crianças e adolescentes”. 
Registre-se  que a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no  poder judiciário está legalmente prevista na Resolução nº  008/2010 do Conselho Federal de Psicologia e ela se faz quando a  prova do fato depender de conhecimento técnico e científico. 
Havendo  indícios de práticas alienadoras, é cabível a instauração de  procedimento, que terá tramitação prioritária, devendo a perícia  psicológica ou biopsicossocial ser apresentada em 90 (noventa) dias.  Veja-se outro artigo da Lei nº 12.318: 
Art.  5o Havendo indício da prática de ato de alienação  parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário,  determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. 
§  1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação  psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo,  inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos  autos, histórico do relacionamento do casal e da separação,  cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos  e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca  de eventual acusação contra genitor. 
§  2o A perícia será realizada por profissional ou equipe  multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão  comprovada por histórico profissional ou acadêmico para  diagnosticar atos de alienação parental. 
§  3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para  verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90  (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável  exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa  circunstanciada. 
Constatada  a alienação parental ou conduta que dificulte a convivência  paterno-filial, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal  do alienador, o juiz poderá, nos termos do art. 6º da lei  supramencionada: 
I  - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o  alienador; 
II  - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor  alienado; 
III  - estipular multa ao alienador; 
IV  - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 
V  - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua  inversão; 
VI  - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou  adolescente; 
VII  - declarar a suspensão da autoridade parental. 
Em  face do exposto, observa-se que a síndrome da alienação parental  tem se tornado cada vez mais recorrente em nosso cotidiano. Tal  prática pode causar sérios prejuízos para os genitores (alienante  e alienador) e, principalmente, para a criança alienada, pois acaba  se afastando de um dos genitores e gerando injustificadamente  inúmeros sentimentos negativos com relação a este. 
A  promulgação da Lei nº 12.318/10 apresenta importante impacto não  só cultural como na práxis jurídica. Tal lei tem a finalidade de  inibir ou atenuar a ocorrência da síndrome da alienação parental,  sendo que sua identificação é de suma importância, a fim de  evitar que tal processo cause danos maiores às partes envolvidas,  impondo-se ao poder judiciário contar com o concurso de assistentes  sociais e, principalmente, de psicólogos, para dirimir a  problemática. 
Com  o intuito de evitar a alienação parental, os genitores deveriam ter  consciência de seus atos e, sobretudo, de que o relacionamento  conjugal não se confunde com a parentalidade, pois os filhos  necessitam da presença de ambos os pais para um desenvolvimento  sadio e equilibrado. 
Percebe-se  que o assunto deve ser tratado com muita atenção, não apenas por  parte do poder judiciário, mas da sociedade como um todo, devido ao  crescente número de conflitos familiares envolvendo processos de  disputa entre genitores e, principalmente, por envolver o interesse  do menor, futuro da nossa sociedade. 
 
 Marina  Moreira é bacharel em direito pela Universidade da Região de  Campanha (Urcamp), no Rio Grande do Sul. 
 
 Referências  bibliográficas 
Brasil. Lei nº 12.318,  de 26 de agosto de 2010. Brasília, DF: Senado Federal, 2010.  Disponível em <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm>  Acesso em 15 de setembro de 2014. 
Brasil. Resolução nº 008,  de 30 de junho de 2010. Brasília, DF: Conselho Federal de  Psicologia, 2010. Disponível em   Acesso em 05/10/2014. 
Brockhausen,  T. “Alienação parental: caminhos necessários”. Diálogos.  Brasília. pg. 15-16, out. 2012. 
Brockhausen,  T. “A lei da alienação parental e a síndrome da alienação  parental: esclarecimentos”. Diálogos.  Brasília. pg. 17, out. 2012. 
Gonçalves,  H. S.; Brandão, E. P. Psicologia  jurídica no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2011. 
Dias,  M. B. Manual de direito das  famílias. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,  2011. 
Ortiz,  M. C. M. A constituição do  perito psicólogo em varas de família à luz da análise  institucional de discurso. Disponível em <  http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932012000400010&script=sci_arttext>  Acesso em 08 de novembro de 2014. 
 Serafim,  A. de P.; Saffi, F. Psicologia e  práticas forenses. São Paulo: Manole, 2012. 
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