| Editorial | 
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                        | De volta ao futuro outra vez
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                            Por Carlos Vogt
                             10/11/2015
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		  Há  26 anos, Marty Mcfly e o cientista Doc embarcavam no Delorean,  devidamente envenenado, para aportar no futuro, na data de 21 de  outubro de 2015, que agora já é passado.  
	
		
	
	
		  No  filme de Robert Zemeckis, o carro incorpora, com a fantasia, o  símbolo que se constituiu com ele, desde o seu aparecimento no  início do século XX, e que foi um dos apanágios da modernidade e  de seus modernismos: o culto da máquina, da energia e da velocidade. 
	
		
	
	
		  Christopher  Lloyd e Michael J. Fox encarnaram, um, o cientista abilolado inventor  da máquina-automóvel-do-tempo e, outro, o garoto aprendiz que  acompanha extasiado, por três filmes, as loucuras deambulantes do  cientista para trás e para frente no espaço-tempo da aventura. 
	
		
	
	
		  No  dia 21 de outubro de 2015, as redes sociais foram inundadas pela  lembrança da data do futuro em que o carro voador de nossos  viajantes ia aterrissar, confrontando, assim, dois dias iguais no  calendário de nossas vidas: o primeiro, antecipado de 26 anos, e o  segundo, realizando-se no momento presente em que a fantasia se  encontra com a realidade e, em datas iguais, dela se diferencia. 
	
		
	
	
		  Mas  o carro permanece e evolui e se transforma com as transformações da  vida contemporânea, modifica-a também imprimindo-lhe o ritmo e o  desenho de suas próprias transformações. 
	
		
	
	
		  A  máquina substitui a ferramenta na passagem do artesanato para a  produção industrial. A energia elétrica sucede a energia a vapor e  o mundo vai se desenhando em profecias de ferro, aço, velocidade e  novas belezas em movimento e transformação. 
	
		
	
	
		  O  automóvel atravessa esses cenários como um ícone dos novos tempos  e é, ele próprio, cenário de novos ícones do que permanece e  também muda em nossa percepção das mudanças. 
	
		
	
	
		  Marinetti,  no “Manifesto Futurista” publicado em 1909, no jornal francês Le  Figaro, escreveu como ponto 4 de seu programa estético:
 
  
	
		
	
	
		  “Nós  afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza  nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre  enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito  explosivo... um automóvel rugidor, que corre sobre a metralha, é  mais bonito que a Vitória de Samotrácia.”
 
  
  
	
		
	
	
		  A  Vitória de Samotrácia, escultura que pode ser visitada na Escadaria  Darú, do Louvre, em Paris, representa, na comparação feita pelo  autor do “Manifesto” a beleza clássica superada pela nova beleza  do carro, da velocidade e do rugido de seu motor e da respiração  ruidosa de suas tubulações. A beleza do carro, enfim, contra a  beleza clássica de uma escultura do século III ou II a.C., cujos  pedaços foram descobertos na segunda metade do século XIX. 
	
		
	
	
		  Na  contramão da euforia futurista, vale anotar o registro pausado dessa  dinâmica do mundo digerida em reflexão no poema “Cota Zero”, de  Carlos Drummond de Andrade:
 
  
	
		
	
	
		         Cota  Zero  
	
		
	
	
		             Stop.       A  vida parou Ou  foi o automóvel?
  
 
 
  
	
		
	
	
		  Oswald  de Andrade também capta no poema “Procissão” o rito estético  da passagem, ritualizando o registro de uma São Paulo antiga para a  metrópole em transformação:
 
  
	
		
	
	
		  Os  chofers ficam zangados 
	
		
	
	
		  Porque  precisam estacar diante da pequena procissão 
	
		
	
	
		  Mas  tiram os bonés e rezam 
	
		
	
	
		  Procissão  tão pequenina tão bonitinha 
	
		
	
	
		  Perdida  num bolso da cidade 
	
		
	
	
		  Bandeirolas 
	
		
	
	
		  ...
 
  
  
	
		
	
	
		  Guilherme  de Almeida, na crônica “A paineira de Euclides”, publicada em  1946 no Diário de S. Paulo, escreve:
 
  
	
		
	
	
		  Sol  – céu limpo – 37º aniversário da morte de Euclides da Cunha: o  dia  
	
		
	
	
		  é  oiro sobre azul tarjado de luto. 
	
		
	
	
		  É  a coroação da Semana Euclideana. Vou pela rua regada, que leva à  ponte. Desço os degraus altos de tijolo, até a margem ajardinada,  mansa e verde na frescura das sombras. O rio corre espumado pelas  pedras pretas e cortado de ioles que remam braços morenos folgando  no feriado. Nos bancos, ao longo da beira folhuda, os pares de amor  olham, perdidos, o líquido chamalote do remanso. Pela ponte, entre a  cidade de terracota e o Cristo Redentor de cimento claro, passa o  brilho de metal e verniz de um auto silencioso. Quietude.
 
   
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