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                              No  fim de 2015 o Brasil sofreu o que � considerado o maior desastre  ambiental de sua história envolvendo atividade mineradora, com o  rompimento da uma barragem de rejeitos no distrito de Mariana (MG).  Enquanto investigações têm sido conduzidas a fim de se dimensionar  os danos, um olhar deve ser lançado sobre a importância que estudos  de impactos ambientais bem estruturados e corretamente executados,  bem como processos de licenciamento ambiental transparentes e  isentos, têm para ajudar a prevenir catástrofes como essa. 
Todo  empreendimento ou atividade considerado efetiva ou potencialmente  causador de significativa degradação ambiental deve passar pelo  processo de licenciamento ambiental. Ele depende de um prévio estudo  de impacto ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto  sobre Meio Ambiente (Rima). Esses estudos servem para que se possa  identificar e quantificar os potenciais impactos positivos e  negativos da proposta. Os EIAs são executados equipes  multidisciplinares e envolvem aspectos ambientais relacionados �  localização, instalação, operação e ampliação da atividade ou  empreendimentos propostos. 
A  estrutura e os objetivos básicos de um EIA são semelhantes para os  mais diversos tipos de empreendimentos e atividades. Eles devem  apresentar: diagnóstico ambiental da área de influência,  considerando os aspectos físicos, bióticos e socioeconômicos;  análise dos impactos ambientais (AIA), para identificar e  quantificar os potenciais impactos positivos e negativos; e programas  de gestão ambiental, com medidas de manejo, mitigadoras e  compensatórias, bem como programas de monitoramento dos impactos. Os  resultados dos EIAs devem ser apresentados ao público e aos tomadores de decisão na forma de relatórios, os Rimas,  que constituem uma versão “simplificada�, em linguagem  acessível, que possibilitem o entendimento de todas as consequências  ambientais e sociais de sua implementação.   
Histórico  da legislação ambiental sobre EIAs   
A  preocupação com o meio ambiente começou a entrar definitivamente  na agenda de governos de muitos países por volta de 1970. Isso se  deu, sobretudo, em resposta às pressões para que os aspectos  ambientais passassem a ser considerados na tomada de decisões sobre  a implantação de projetos capazes de causar significativa  degradação ambiental. 
Em  1969, nos Estados Unidos, foi aprovada a lei que � considerada um  marco da legislação ambiental, a National Environmental Policy Act  (Nepa), que introduziu a avaliação de impacto ambiental (AIA). Essa avaliação deveria desempenhar um papel preventivo relevante para a  tomada de decisão dos setores públicos acerca de políticas,  planos, programas e projetos de desenvolvimento. 
A  partir de então, a aplicação da AIA foi difundida nos Estados  Unidos e em outros países. Além disso, órgãos financiadores, tais  como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento  (Bird), instituição do Banco Mundial, e o Banco Interamericano de  Desenvolvimento (BID), passaram a exigir a AIA para a concessão de  financiamentos, o que pressionou os países a incluírem de vez a  preocupação com impactos ambientais na elaboração de grandes  empreendimentos.   
No  Brasil, a institucionalização dos estudos de impacto ambiental  guiou-se pela experiência norte-americana e se deu, sobretudo,  devido � obrigatoriedade imposta para a concessão de empréstimos  pelo Banco Mundial. O pontap� foi a Lei n� 6.938/81, que criou a  Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), e instituiu o Sistema  Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e o Conselho Nacional do Meio  Ambiente (Conama). A PNMA constitui o primeiro dispositivo legal brasileiro que conta com a AIA e o licenciamento de atividades poluidoras ou modificadoras do meio ambiente como alguns de seus instrumentos. 
A  partir de então, as resoluções do Conama começaram a lançar as  diretrizes para incluir as questões ambientais no desenvolvimento  econômico e social do país. Em relação aos estudos de impacto  ambiental e ao processo de licenciamento ambiental h� as Resoluções n�  01/86 e n� 237/97,  que dispõem sobre as definições, responsabilidades, critérios  básicos e diretrizes gerais para uso e implementação dos EIAs, bem  como quais os empreendimentos estão sujeitos ao licenciamento ambiental. 
Atualmente  a legislação ambiental passa por mudanças no que diz respeito ao  licenciamento, com os Projetos de Lei 2.946/2015 (em Minas Gerais) e  654/2015 (no Senado). O entendimento � que possa ser um retrocesso,  pois prev�, entre outras coisas, que audiências públicas e  consultas livres deixarão de ser obrigatórias em alguns casos. 
As  falhas dos EIAs e o caso de Mariana 
Deficiências  nos EIAs têm sido levantadas por muitos especialistas. Segundo Luis  Enrique Sanchéz, professor da pós-graduação em engenharia mineral  da USP e atuante nas áreas de gestão ambiental e avaliação de impactos ambientais, os exemplos mais comuns são “diagnósticos incompletos,  falta de análise sistemática da significância dos impactos,  insuficiente análise de alternativas e programas de mitigação de  impactos muito genéricos, ou seja, não voltados às condições  locais�. Sanchéz ressalta, também, que mais relevante que as  deficiências dos estudos de impacto são as deficiências  do processo  de licenciamento ambiental, citando as falhas relacionadas �  preparação dos termos de referência (que são as orientações  técnicas que devem ser dadas para cada estudo), � análise dos  estudos feita pelos órgãos ambientais (que � o controle  administrativo do processo de licenciamento de grandes projetos) e �  qualidade da participação pública.   
No  caso do desastre em Mariana, foram observados alguns dos pontos  críticos. Um relatório publicado pelo grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e  Sociedade (PoEMAS) mostra que o EIA/Rima da barragem possui sérios  problemas técnicos, o que impossibilitou a previsão da catástrofe  e agravou os impactos sobre as comunidades vizinhas. Nesse relatório,  � destacado que “a análise de risco do EIA classificou a  possibilidade de rompimento da barragem no grau mais baixo,  "improvável�, o que mostra a fragilidade do documento. 
A  escolha da localização da barragem elucida a deficiência da  análise das alternativas. Isso porque Fundão era a única das três alternativas  locacionais que produziria impactos e efeitos cumulativos diretos  sobre as barragens Germano e Santarém, com efeito domin� no  rompimento, além de ser a opção que drena em direção �  comunidade de Bento Rodrigues. Mesmo com esse agravante, a Samarco  escolheu essa região, priorizando questões econômicas, uma vez que  essa alternativa permitiria o aproveitamento do sistema de barragens  Germano-Santarém, j� existente, evitando maiores custos na  implantação de uma nova. De acordo com o relatório grupo PoEMAS  “se a barragem tivesse sido construída em um dos outros dois  vales, possivelmente os impactos teriam sido menores�. 
As  falhas nos EIAs vão além dos empreendimentos mineradores. Em 2004  um relatório publicado pelo  Ministério Público Federal (MPF) aponta falhas de 12 EIAs de usinas  hidrelétricas que resultaram de impactos ambientais e sociais não previstos, insuficiência nas medidas de mitigação de impactos e conflitos entre o empreendedor e a população afetada.  Segundo o relatório, uma falha comum � que a maioria dos estudos  tende a supervalorizar os aspectos positivos do empreendimento e a  subvalorizar, ou mesmo omitir, os negativos. Essa � uma falha muito  grave, pois um EIA deveria ser um documento imparcial, cujo objetivo  � informar com clareza os benefícios e os ônus previsíveis, e não um documento que viabilize, a qualquer custo, um empreendimento. 
O  MPF apontou também, como deficiência dos EIAs, a apresentação de  informações inexatas, imprecisas ou contraditórias. Em alguns casos, cita espécies inexistentes no local, como no EIA da Usina Hidrelétrica  Estreito, no rio Tocantins (TO/MA), onde foi mencionada a  possibilidade de ocorrência da ararinha-azul, espécie considerada  extinta. Outra deficiência, apontada em diversos estudos sobre o  assunto, e ressaltada pelo relatório do MPF, são os reduzidos  prazos para a realização das pesquisas de campo, o que prejudica a  coleta de dados para a elaboração do diagnóstico. Muitas vezes os  autores reconhecem as limitações de tempo no próprio documento do  EIA.   
Contudo,  os pontos mais importantes a serem destacados são aqueles que geram  conflitos de interesse. A principal falha nesse sentido � a falta de  independência da equipe que faz o EIA em relação ao empreendedor,  uma vez que � ele que contrata a equipe. Uma possível solução  seria um  modelo no qual o órgão licenciador seria responsável por contratar  a empresa para realizar o EIA, por licitação ou concorrência  pública, e ao contratante caberia apenas o pagamento.   
Outra  questão relevante, que vai além dos EIAs, são as práticas de  financiamento de campanhas eleitorais por parte de corporações  mineradoras. Tais práticas culminam em atitudes políticas  pr�-mineração nas escalas estadual e federal, e comprometem a  idoneidade dos processos de licenciamento e fiscalização. Em Minas  Gerais, em 2014, as empresas do grupo Vale financiaram candidatos de  diversos partidos, o que, segundo o relatório do grupo PoEMAS,  “reforça sua capacidade (da Vale) de induzir comportamentos  político-administrativos alinhados a seus interesses �  em  especial no que diz respeito às situações de responsabilização e  punição demandadas em contextos de catástrofes publicamente  reconhecidas�. 
Falando  em situações de responsabilização e punição, a mineradora  Samarco acumula 19 infrações notificadas pela Fundação do Meio Ambiente (Feam-MG), Instituto  Estadual do Meio Ambiente (Iema-ES) e Ibama desde 1996. Essas  infrações somente resultaram em multas, cujos valores não  representam ameaças econômicas às operações da empresa. Infelizmente, não são raros os casos em que o crime compensa para as grandes corporações. Nesse  sentido, fica claro que os modos vigentes de fiscalização, controle  e punição não desestimulam as práticas operacionais irregulares e  ilícitas, sobretudo porque as condições de fiscalização dos  órgãos ambientais são deficitárias, além de politicamente  orientadas. 
A  participação popular � outra questão relevante. “Ainda �  tratada burocraticamente, são realizadas audiências públicas  porque a legislação obriga, mas são raros os casos em que elas  influenciam a análise do projeto�, diz Sanchéz. Para ele, o  desastre da Samarco em Mariana elucida bem essa questão, pois uma  das deficiências desse processo � o engajamento com a população  afetada pelo projeto, uma vez que para ele “um plano de atendimento  a emergências que implique evacuação de uma área, por exemplo,  somente pode funcionar se houver diálogo com as comunidades�. 
Para  o professor, a melhoria na qualidade da participação pública �  necessária, e a regulamentação nesse sentido est� atrasada no  Brasil, em relação a outros países. “H� uma proposta em  discussão no âmbito da América Latina e Caribe, liderada pela ONU,  de direitos de acesso � informação em matéria ambiental, e que  inclui a participação em processos decisórios como o licenciamento  ambiental que est� anos-luz � frente do mínimo esforço que �  dominante por aqui�.   
Nesse  sentido, o desastre de Mariana serviu não somente para lançar um  olhar sobre a fragilidade dos EIAs, dos processos de licenciamento  ambiental e da fiscalização pelo poder público, mas, sobretudo,  para ressaltar a importância da mobilização social na cobrança  por EIAs bem estruturados e desenvolvidos, licenciamentos  transparentes e comprometidos com o desenvolvimento sustentável, bem  como na exigência de fiscalizações eficientes, com punições  efetivas, quando for o caso.   
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