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                             Em meio aos protestos recentes contra o  governo da presidente Dilma Rousseff e a onda de corrupção na  Petrobras, uma pequena parcela dos manifestantes apareceu nas ruas  com cartazes pedindo intervenção militar. É possível que entre  esses manifestantes haja quem associe o período da ditadura com  ordem, progresso e crescimento econômico. Mas o que, de fato,  significaria a volta dos militares ao poder? José Alves de Freitas  Neto, professor de história na Universidade Estadual de Campinas  (Unicamp), resume que o período da ditadura militar no Brasil  significou, basicamente, a suspensão da ordem constitucional. “Foi  o fim da liberdade de expressão, de comunicação, fim do habeas  corpus, das leis e regras  civis”, afirma.
  A ditadura militar no Brasil teve início  em 1964, fruto de uma crise política que tomava conta do país desde  1961, ano da renúncia do presidente Jânio Quadros. Um dos elementos  dessa crise foi a posse do vice de Jânio, João Goulart, que teve  seu governo marcado pela abertura aos movimentos socais e no qual  estudantes, organizações populares e trabalhadores ganharam mais  espaço na política. Isso gerou um desconforto entre as alas mais  conservadoras do país, como instituições religiosas, empresários,  banqueiros, parte da classe média e os militares. 
 Em outras palavras, o perfil populista e de  esquerda de Jango gerou uma preocupação de que o Brasil se tornasse  um país comunista. Os partidos conservadores de oposição, a  União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático  (PSD), acusavam o então presidente de ser o responsável pelo  desabastecimento que o Brasil enfrentava. No dia 13 de março de  1964, Jango organizou um comício na Central do Brasil, no Rio de  Janeiro, no qual prometeu mudanças radicais na agricultura, na  economia e na educação. Tais medidas ficaram conhecidas como  Reformas de Base. Em resposta, a oposição organizou, seis dias  depois, uma manifestação que reuniu milhares de pessoas nas ruas de  São Paulo, e que ficou conhecida como a Marcha da Família com Deus  pela Liberdade. 
 A cada dia que passava, esse clima de  tensão e incerteza política só aumentava pelo país. Até que, no  dia 31 de março de 1964, tropas militares partem de Minas Gerais em  direção ao Rio de Janeiro. Na tentativa de evitar uma guerra civil,  João Goulart sai do país e se refugia no Uruguai, o que permite que  os militares assumam o poder e, em 9 de abril, decretem o Ato  Institucional nº 1 (AI-1). Tal decreto dava aos militares o poder de  cassar mandatos políticos de todos que, aos olhos deles, fossem  opositores ao regime militar e que abalassem a estabilidade do país. 
 Em 15 de abril daquele ano, tem início o  governo de Castello Branco, que fica na Presidência por três anos,  durante os quais, de maneira autoritária, o executivo sufocou os  demais poderes da República. O comando militar estabeleceu eleições  indiretas para presidente, dissolveu partidos políticos, cassou  mandato de diversos políticos e os direitos civis de diversos  cidadãos, além de instituir a intervenção militar nos sindicatos. 
 Sobre a cassação dos mandatos políticos,  Freitas explica que, embora o Congresso tenha funcionado normalmente  durante os 21 anos do regime, é importante destacar que só atuavam  no parlamento brasileiro políticos que tivessem a aprovação dos  militares. Através dessa “oposição consentida”, os militares  pregavam que o país não vivia uma ditadura. Essa ação levou à  instituição do bipartidarismo no país, com  o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição, e a Aliança  Renovadora Nacional (Arena), do governo. 
 Em 1967, no fim do governo Castello Branco,  é aprovada uma nova Constituição no Brasil, que finalmente  confirma e institucionaliza o regime de exceção e suas formas de  atuação. Inicia-se, então, o governo de Costa e Silva, que teve  dois anos de duração e foi marcado por diversos protestos e  manifestações sociais. A União Nacional dos Estudantes (UNE), que  havia surgido durante o período da ditadura Vargas, passou a  desempenhar um importante papel no combate ao regime militar nos anos  seguintes. 
 O marco inicial da atuação da UNE se deu  na Passeata dos Cem Mil, organizada na cidade do Rio de Janeiro, e  que reuniu estudantes, artistas,  intelectuais e outros setores da sociedade civil brasileira.  Além dos manifestantes do Rio de Janeiro, operários de fábricas em  cidades como Contagem, em Minas Gerais, e Osasco, em São Paulo,  organizaram greves em protesto contra os militares, e têm início as  grandes manifestações urbanas. 
 No ano seguinte, 1968, é decretado o Ato  Institucional nº 5 (AI-5), que dá início ao período mais duro do  regime militar no país. O AI-5 aposentou juízes, acabou com o habeas corpus,  com a liberdade de imprensa, de expressão, e aumentou ainda mais a  repressão militar e policial. Começam, então, os chamados “anos  de chumbo” da ditadura, sob o comando do general Médici. 
 Nos cinco anos que se seguiram, jornais,  revistas, peças de teatro, filmes, músicas e qualquer outra forma  de expressão e de comunicação passaram a ser censurados.  Professores, políticos, sindicalistas, músicos, artistas,  jornalistas e escritores foram perseguidos, torturados ou exilados do  país. O Destacamento de Operações  e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi)  passa a atuar como órgão central de investigação e repressão do  regime militar contra seus opositores. 
 É nesse período também que começam as  atuações de resistência armada ao regime fora dos centros urbanos,  como o movimento conhecido como Guerrilha do Araguaia, entre outros,  todos duramente reprimidos pelos militares. Como lembra Freitas, até  os índios, nesse período, sofreram com a repressão militar.  “Populações indígenas inteiras foram dizimadas, por  representarem uma ameaça aos projetos de crescimento dos militares,  como o da construção da Rodovia Transamazônica”, explica. 
 Embora a violência parecesse não ter fim,  a economia crescia de maneira significativa, tanto que o período  entre 1969 e 1973 ficou conhecido como “Milagre Econômico”.  Apesar do PIB crescer a uma taxa de 12% ao ano, a inflação chegava  a 18%. Para manter o crescimento, foram necessários investimentos  internos e altos empréstimos no exterior; que proporcionaram ao país  uma rápida recuperação, porém, à custa de uma dívida externa  altíssima para os padrões internacionais. 
 Em  1974, assume o poder o general Geisel, que dá início a um lento  processo de mudança no país, rumo à democracia. Naquele ano,  chegava ao fim o período do “Milagre Econômico” e diversos  setores da economia sofriam com as altas taxas de juros. Diante dessa  realidade, começa a se desenhar a abertura política no Brasil, que,  como afirmam os historiadores, foi instaurada de maneira lenta,  gradual e segura. Em 1974, o MDB conquista 59% das vagas para o  Senado, 48% para a Câmara dos Deputados, além das prefeituras da  maioria das grandes cidades do país. 
 Porém,  o caminho escolhido por Geisel para a transição desagrada uma parte  mais conservadora dos militares, que começa a promover novos ataques  aos opositores do regime, como o jornalista Vladimir Herzog,  assassinado nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo em outubro  de 1975 – fato que desencadeou uma grande manifestação da  sociedade civil contra as práticas da ditadura, reunindo milhares de  pessoas em ato no centro de São Paulo. Em 1978, Geisel põe fim ao  AI-5, restaura os habeas  corpus e finalmente abre caminho para o retorno da democracia no Brasil. No  ano seguinte, o general Figueiredo assume o governo e decreta a Lei  da Anistia que restaura os direitos de políticos, artistas e demais  brasileiros exilados e condenados por crimes políticos, permitindo  que retornem ao país e anulando suas condenações. 
 Em  1979, também é aprovada a lei que reestabelece o pluripartidarismo  e os partidos voltam a ter atuação política sem sofrer qualquer  tipo de repressão. A Arena muda de nome e passa a ser Partido  Democrático Social (PDS), enquanto o MDB passa a ser Partido do  Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Outros partidos são  criados, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido  Democrático Trabalhista (PDT). Os últimos anos do governo militar  foram cheios de problemas, como alta inflação e forte recessão  econômica, com a oposição ganhando espaço no cenário político e  com o fortalecimento dos sindicatos. Nas primeiras eleições diretas  para governador em todo o país, em 1982, opositores ao regime como  Franco Montoro e Tancredo Neves, do PMDB, e Leonel Brizola, do PDT,  vencem, respectivamente, em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de  Janeiro. Até então, durante a ditadura, haviam sido mantidas apenas  as eleições diretas para deputados federais, deputados estaduais e  vereadores. 
 A  segurança institucional e o fortalecimento da oposição  possibilitam a mobilização, em 1984, de milhões de brasileiros no  movimento pelo fim da ditadura, com a campanha das “Diretas Já”.  O movimento defendia a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que  alterava a Constituição para instituir eleições diretas para  presidente, mas a emenda não foi aprovada pela Câmara dos  Deputados. Em 1985, o Colégio Eleitoral escolheu um civil, o então  governador de Minas Gerais pelo PMDB, Tancredo Neves, para assumir o  governo. Era o fim do regime militar. Porém, Tancredo fica doente e  morre antes de assumir. Em seu lugar assume José Sarney, que havia  presidido a antiga Arena um pouco antes da legenda se tornar PDS, e  se mudou para o PMDB em 1984. Em 1988, sob o comando do principal  líder do antigo MDB, Ulisses Guimarães, o Congresso Nacional aprova  uma nova Constituição para o país, buscando apagar todo o  autoritarismo do período militar. 
 Freitas, da Unicamp, destaca que, durante  os anos que antecederam esse período autoritário da história do  país, a elite foi a que mais apoiou a intervenção militar. Esse  apoio, segundo ele, chegou ao fim quando muitos dos filhos dessa  elite se tornaram perseguidos políticos. 
 Quando se faz uma comparação entre aquele  período da história e as atuais manifestações, porém, Marcos  Nobre, professor de filosofia também da Unicamp, defende que não se  pode generalizar o perfil dos manifestantes. Isso porque atualmente  as manifestações são movimentos que nascem, em sua maioria, nas  redes sociais, um ambiente que permite qualquer tipo de manifestação,  mas não necessariamente uma identificação. “Quando se cria um  evento no Facebook, milhares de pessoas podem curtir aquela página,  mas isso não quer dizer que houve uma identificação total com a  causa do evento”, destaca. Nobre diz que, apesar disso, as redes  sociais se tornaram um importante ambiente de debate político da  atualidade. Um bom exemplo são as páginas da Comissão da Verdade  que foram criadas no Facebook e no Twitter, com o objetivo de  “promover uma série de facilidades e novos conteúdos que visam  agilizar a vida dos usuários”, conforme explica o próprio site da  comissão.  
 De acordo com o historiador da Unicamp,  embora a Comissão da Verdade tenha permitido acesso a muitos dados  que permaneceram fechados por anos, trata-se de uma comissão tardia,  uma vez que ela só foi criada 30 anos após o fim da ditadura. Desde  o seu lançamento, ela mostrou de maneira inequívoca os atos de  tortura que aconteceram no país durante o regime militar. “Na data  de lançamento da comissão, estiveram presentes todos os presidentes  do Brasil desde o fim do regime militar até os dias de hoje, o que,  na minha visão, mostra que todos são a favor da democracia no  país”, defende Freitas. 
 Para Freitas, conhecer a história do  Brasil não é suficiente para que se entenda a gravidade do ato de  pedir pela volta dos militares. É necessário que se entenda que  sair para as ruas defendendo a intervenção militar, segundo ele,  significa “destruir o que te permite ir para as ruas”. Ele  acredita que, por sermos uma democracia jovem, vivemos um processo de  construção democrática, e que interromper esse processo é um erro  grosseiro. “Pedir o fim da democracia é não aproveitar o melhor  dela; além de que o seu fim seria a prova de que a ditadura teria  conseguido cumprir o seu papel, de que seria a melhor opção para o  país”, finaliza. 
 E se devemos preservar a democracia,  devemos também pedir por melhorias no processo. É o que defende  Nobre, da Unicamp. Ele acredita que somente as vozes das ruas podem  promover mudanças na classe política. “Só  a sociedade irá fazer com que as reformas necessárias aconteçam”,  avalia. O filósofo acredita que, desde as manifestações de 13 de  junho de 2013, o país vem passando por uma nova fase em seu processo  democrático, diferente da redemocratização – que levou milhões  às ruas na campanha pelas eleições diretas. Uma fase de  aprofundamento da democracia, na qual, segundo ele, a dimensão  histórica tem um grande papel e conhecê-la é fundamental. 
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