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                             As bibliotecas virtuais democratizam  o acesso ao conteúdo científico? 
Os cientistas da atualidade vivem rodeados  pela tecnologia, porém muitos ainda se lembram das dificuldades de se obter  livros, artigos e periódicos científicos. Recorrer ao sistema de permuta entre  instituições de pesquisa ou então visitar as bibliotecas e folhear enormes e  pesados catálogos faziam parte da rotina dos pesquisadores até o advento da  internet. A atual facilidade para encontrar conteúdo científico, se dá graças a  inúmeras experiências que resultaram em portais de divulgação da produção  científica, como é o caso de bibliotecas virtuais como a brasileira SciELO e o banco  de dados norte-americano Thomson Reuters/Web of Science. 
Entretanto, mais importante do que entender  como e de onde surgiram, é entender o papel e o contexto no qual estão inseridos  tais portais. Afinal, a proposta de divulgação de conteúdo científico via  internet é também uma aposta na maior abrangência da ciência em prol da  democratização da informação que produz. 
As  bibliotecas virtuais 
O surgimento e a popularização dos portais virtuais  que indexam e disponibilizam trabalhos científicos ocorreu na década de 1990,  obviamente, seguindo o traço do avanço da internet. Alguns desses sítios,  pioneiros na época, cresceram e se tornaram fonte de inspiração para outros ao  redor do globo. Algumas bibliotecas virtuais não científicas surgiram bem antes  da própria internet, como é o caso do Project  Gutenberg, que abriga 39 mil livros eletrônicos de acesso gratuito. 
Reconhecido como a mais antiga livraria  digital do mundo, o Project Gutenberg–  que recebeu este nome em homenagem a Johannes Gutenberg, inventor da prensa – foi  fundado por Michael Hart, em 1971. A ideia nasceu através de uma experiência  com a digitalização da Declaração de Independência dos Estados Unidos. E com o  avanço da computação e o surgimento da Arpanet (o precursor da internet) Hart passou a digitalizar outras obras, pois  acreditava que seria possível que todos os lares norte-americanos pudessem ter  um computador com acesso a rede Arpanet e, com isso, poderia difundir os livros  de forma gratuita.  
Outra referência é o Web of Science (WoS), banco de dados de produção científica que  pertence ao grupo Thomson Reuters, antigo Institute for Scientific Information  (ISI). Além de armazenar e divulgar o conteúdo de periódicos  científicos, o ISI foi responsável pelo desenvolvimento de índices que medem e  estabelecem padrões para publicações científicas. 
Com o avanço dos trabalhos científicos, e também da tecnologia, inúmeras  outras bibliotecas virtuais surgiram ao redor do globo. Inclusive no Brasil  (Leia artigo sobre América Latina). 
O surgimento no Brasil 
Quando falamos sobre produção científica nacional e sua divulgação, um  nome surge instantaneamente na mente dos cientistas: o SciELO. Lançado na internet em 1997 através de uma parceria entre Abel Packer, mestre em ciências da informação, e  Rogério Meneghini, doutor em bioquímica, com incentivo da Fundação de Amparo à  Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Scientific Electronic Library Onlinese tornou o principal portal de  indexação, além de referência em publicação de periódicos científicos do país.  Apesar disso, Rogério Meneghini minimiza a influência da biblioteca sobre a  produção científica nacional. “Não somos publishers,  não possuímos nenhum poder nos periódicos. Também não ganhamos recursos dos  periódicos e não possuímos nenhuma influência sobre eles. O que fazemos é  acompanhar e selecionar os periódicos através de nossos critérios”. O SciELOtambém trabalha com acesso aos  periódicos de forma gratuita. Para Meneghini, “o acesso aberto aumenta a  possibilidade de toda a comunidade científica ter acesso à informação”.  Atualmente, a biblioteca indexa 952 periódicos, a maioria nacionais, e tem ? mais  de 370 mil artigos cadastrados no portal. 
Outras bibliotecas virtuais ganharam destaque no cenário nacional. A  Biblioteca Digital da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo,  foi a primeira da América Latina a digitalizar 100% de todas as teses e  dissertações produzidas na universidade. Já a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), também  conhecida por Biblioteca Regional de Medicina (Bireme), criada em 1998  pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Sáude é referência  pelo conteúdo mais específico. 
De acordo com Cláudia Guzzo,  coordenadora do monitoramento das instâncias e projetos da BVS, “a Biblioteca Virtual em Saúde é resultado da  evolução da cooperação técnica em informação em ciências da saúde conduzida  pela Bireme desde sua criação, em 1967.” Segundo ela, no final da década de  1970 o modelo da Biblioteca se expandiu; de uma instituição pautada pelas  funções essenciais de biblioteca biomédica regional, para uma que tivesse a  função de centro de informação e indexação. “A partir dos anos 1990, o modelo  de gestão da informação e intercâmbio de conhecimento em saúde convergiu para o  novo paradigma da internet como meio de produção das fontes e fluxos de  informação científica e técnica, no qual predomina um processo intensivo de  desintermediação e operação direta das fontes de informação online pelos  usuários.”, complementa Cláudia.  
Os números de acessos ao portal da BVS  impressionam: de acordo com dados fornecidos pela coordenadora, em 2010,  foram mais de 29 milhões de visitas realizadas por usuários de 222 países. Em  2011, foram 19,5 milhões de visitas de 211 países. E neste ano, até o mês de  abril, foram registradas mais de 5 milhões de visitas de 219 países. O Brasil  responde por 73% de todos os acessos registrados.  
O Brasil  não está sozinho no crescimento de publicação de trabalhos científicos na  internet, a América Latina cresce junto. Segundo Lilian Caló, também  coordenadora da Biblioteca Virtual da Saúde, “o desenvolvimento das bibliotecas virtuais em saúde e o avanço do  movimento de acesso aberto vem contribuindo para aumentar a visibilidade e  disponibilidade dos resultados de pesquisa publicados na América Latina e  Caribe”. Ela afirma que o número de periódicos indexados em bases de dados de  prestígio como WoS, Medline e Scopus vem crescendo nos últimos anos, o que  indicaria a melhoria de qualidade das publicações dessa região. “O número de  periódicos da América Latina e Caribe na WoS mais que quadruplicou de 2000 a  2012, a mesma variação  é observada no Journal Citation Reports (JCR),  base de dados que integra a Web of Knowledge”, analisa. 
Serviço gratuito vs. serviço pago 
Há um  debate fervoroso na comunidade científica, e entre outros interessados, como  autores e editoras, sobre a legitimação do serviço gratuito proporcionado pela  maioria das bibliotecas digitais. No Brasil, por exemplo, o blog Livro de  Humanas sofreu processo da Associação Brasileira de Direitos  Repográficos (ABDR), acusado de pirataria, e saiu do ar. O blog disponibilizava cerca de dois mil títulos acadêmicos para  download gratuito. O valor da indenização cobrada pela associação é de  aproximadamente R$200 milhões. 
Nos  Estados Unidos, ocorre um debate no congresso sobre o tema. Um grupo de  congressistas, bipartidário, alega que a divulgação de artigos científicos  deveria ser gratuita, pois 99% das pesquisas publicadas são provenientes de  verbas públicas, e que por isso deveria ser disponibilizado de graça (leia reportagem sobre acesso aberto ao conhecimento  científico). 
Por outro lado, outro grupo acredita que o governo não pode, e não  deveria, forçar o processo, pois seria nocivo à filosofia de livre iniciativa,  além de burlar o direito à propriedade intelectual do pesquisador. 
Biblioteca virtual promove democratização da  informação?  
Os especialistas são categóricos sobre o papel das bibliotecas virtuais  na democratização da informação. No entanto, eles enfatizam que a  democratização ainda está atrelada fortemente à comunidade científica. “A  pessoa que mais se beneficia com o acesso aberto é o próprio cientista, que não  possui condições financeiras para o acesso”, afirmou Rogério Meneghini, um dos fundadores  do SciELO. Já Cláudia Guzzo se mostra  ainda mais otimista ao declarar que as bibliotecas virtuais são movimentos  sociais: “há de se pensar as  bibliotecas virtuais não só como portais de acesso à base de dados, mas também  como movimentos sociais que envolvem os principais produtores de informação a  nível nacional. Com isso, a informação já nasce com o intuito de ser divulgada  de forma pública e gratuita, e surgem os movimentos em prol do acesso aberto e  políticas de acesso à informação”. 
As bibliotecas virtuais “são uma forma de  ampliar a divulgação e o acesso da comunidade em geral, mediante o uso da  tecnologia de informação”, reforça Tânia Angst, líder do grupo de pesquisa  Documentação e Informação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e  Tecnológico (CNPq) e envolvida no desenvolvimento  da Biblioteca Virtual do Estado do Rio Grande do Sul – que teve aumento de 90%  no número de acessos de 2001 a 2011.  
Apesar do debate que acontece em torno do  acesso livre a conteúdos científicos na internet, não há dúvida de que o acesso  tornou-se mais fácil e rápido e que as bibliotecas virtuais foram incorporadas  na rotina de pesquisa, modificando para sempre o modo de acessar o conhecimento.    
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