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 Você  é capaz de calcular a quantidade de combustível necessário para percorrer, de  carro, uma distância conhecida, sabendo o consumo médio por quilômetro rodado  do veículo? De acordo com os resultados da pesquisa do Indicador de Letramento  Científico (ILC) da população  brasileira, divulgados em julho do último ano, tarefas cotidianas como essa,  que envolvem a capacidade de usar conceitos e procedimentos científicos básicos,  são de difícil realização para mais da metade (55%) dos entrevistados.
 O  ILC, estudo realizado pela Abramundo – empresa que desenvolve materiais de  ciências para o ensino fundamental – em parceria com o Instituto Paulo  Montenegro e a organização não-governamental Ação Educativa, contou com a  participação de 2002 pessoas entre 15 e 40 anos de idade, com ao menos quatro  anos de escolaridade e residentes em uma das nove regiões metropolitanas  brasileiras. Embora inédito, por sua abrangência e seu caráter não-escolar, os  resultados apresentados apontam para a mesma direção de avaliações semelhantes:  somos um povo de analfabetos funcionais em ciências! 
Na  última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (em inglês, Pisa  – Programme for International Students Assessment), realizada em 2012 com  estudantes na faixa de 15 anos, o Brasil ocupou a 59º posição em uma lista de  65 países avaliados em ciências, e os resultados indicam que 61% dos estudantes brasileiros têm fraco aproveitamento na  área, o que significa que, na melhor das hipóteses, eles podem apresentar  explicações científicas óbvias e tirar conclusões somente de evidências  explicitamente apresentadas. Por outro lado, apenas míseros 0,3% dos estudantes  brasileiros estão nos dois níveis mais elevados de conhecimento, entre os seis  níveis possíveis, e são capazes de aplicar conhecimentos científicos em uma  grande variedade de situações complexas de vida. 
De  acordo com Russel Teresinha Dutra da Rosa, professora da Faculdade de Educação  da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), testes como esses  requerem que os participantes mobilizem diferentes conhecimentos e formas de  expressá-los e, por isso, são ferramentas relevantes para o planejamento de  ações com vistas à formação de pessoas capazes de tomar decisões  cientificamente embasadas. “Considero que os resultados desses exames fornecem  indicadores dos níveis de letramento científico da população”, diz a  pesquisadora. 
Vale  chamar a atenção aqui para o fato de que um indivíduo considerado  cientificamente letrado é aquele que não apenas sabe ler o vocabulário  científico, mas compreende os processos científicos relativos ao seu cotidiano,  os problemas sociais relacionados à ciência e à tecnologia e seu impacto sobre  a sociedade, de forma a ser capaz de participar de processos de decisão sobre  questões envolvendo a ciência. 
Causas das  dificuldades 
  O  sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz já apontava em seu livro O ensino das ciências no Brasil e o Pisa,  de 2009, que os fatores que explicam o baixo desempenho do Brasil em ciências  são de diversas ordens, indo desde problemas individuais e familiares até questões  sociais, culturais e econômicas. A forma como a disciplina é inserida no  contexto escolar pode nos ajudar a compreender algumas de nossas dificuldades. 
“O ensino de ciências nas escolas  ainda é pautado pelos livros didáticos, os quais oferecem informações  fragmentadas, organizando-as como definições de conceitos. Os textos principais,  muitas vezes, assemelham-se aos verbetes de um dicionário. São  descontextualizados, escritos com uma linguagem impessoal e distante da forma  cotidiana de se comunicar, não chegando a despertar o interesse e a curiosidade  dos estudantes”, descreve Rosa. Nesse cenário eminentemente voltado para a  transmissão de conteúdo, deixam-se de lado os demais aspectos envolvidos no  conceito de letramento científico e formam-se indivíduos incapazes de transpor  o conhecimento escolar para a vida prática. O ILC destacou esse problema ao  evidenciar que, ainda que o nível de letramento científico esteja positivamente  relacionado com o nível de escolaridade, uma parcela significativa de pessoas  com escolaridade mais alta apresenta letramento científico rudimentar (37%) ou  ausente (4%). O letramento científico rudimentar é definido, na pesquisa, como  capacidade de resolução de problemas que envolvam a interpretação e a  comparação de informações e conhecimentos científicos básicos, apresentados em  textos diversos, envolvendo temáticas presentes no cotidiano. 
Os Parâmetros  Curriculares Nacionais (PCNs), documentos de referência para os ensinos fundamental  e médio, lançados em 1998, já apontavam claramente o problema da abordagem  conteudista em seu capítulo destinado às ciências naturais, defendendo que “a  compreensão do que é ciência por meio desta perspectiva enciclopédica, livresca  e fragmentada não reflete sua natureza dinâmica, articulada, histórica e não  neutra”. Como solução, o documento sugere o trabalho na sala de aula a partir  de temas que contextualizem os conteúdos e permitam uma abordagem  inter-relacionada das disciplinas científicas (biologia, química e física).  Apoiadas por pesquisas acadêmicas na área de ensino de ciências, soluções como  essa, no entanto, ainda têm apresentado dificuldades para chegar às escolas e  aos livros didáticos. “O contato com os conteúdos e as estratégias de ensino de  ciências durante a formação inicial (dos licenciandos) não é satisfatória e  também a formação continuada (dos professores) nas escolas ainda recebe pouco  espaço e tempo. Grande parte das pesquisas sobre os livros didáticos, por exemplo,  não foi considerada na sua produção (os livros didáticos não sofreram  alterações que as pesquisas apontavam ser necessárias). Da mesma forma, as  condições de trabalho nas escolas não melhoraram, apesar de as pesquisas  apontarem a importância da formação em serviço”, diz Rosa. 
O mapa para uma transformação no ensino  de ciências no país parece existir, mas o caminho deve passar por esforços  políticos para alterar a estrutura viciada de formação insuficiente dos  docentes, com baixa remuneração, que obriga a realização de cargas horárias  pesadas, com aulas ministradas para classes superlotadas, em diferentes  instituições escolares. “Considero  que, para uma melhoria no ensino, seria necessário que cada professor pudesse  ter um vínculo institucional, atuando em uma única escola com uma carga-horária  remunerada para o planejamento e a avaliação, havendo um espaço coletivo de  produção da equipe escolar”, indica Rosa. Mas enquanto essa mudança não  acontece, o país arca com as consequências de seu atraso em ciências. 
A importância da  ciência em uma sociedade moderna 
  Segundo  o economista Cláudio de Moura Castro, em seu livro O futuro de um país sem ciência, o domínio dos princípios  científicos nos permite tomar decisões mais inteligentes, evitar riscos  desnecessários e aumentar nossa produtividade. Um exemplo de experiência  cotidiana que pode ser usado como argumento é a situação hipotética que abre  este texto: quem não compreende os conceitos e cálculos envolvidos naquela  situação, por exemplo, pode acabar gastando mais do que o necessário ou ficar  parado, sem combustível para chegar ao seu destino. 
Mas  é na questão da produtividade que uma nação paga o maior preço por negligenciar  a importância da ciência. Castro defende que quando os processos produtivos se  tornam mais complexos e incluem maior dose de tecnologia, a abstração  científica deve suprir o que os sentidos já não percebem para que as decisões  técnicas sejam eficientes. Segundo o autor, no Brasil, ainda dependemos de um  número muito limitado de pessoas minimamente competentes em ciências, atrasando  o nosso desenvolvimento. Novamente, o ILC comprova isso, ao evidenciar que  apenas 12% dos profissionais que ocupam cargos de gestão pública ou privada são  considerados cientificamente proficientes (o nível mais alto atribuído na  pesquisa). 
Russel  Rosa fecha esse cenário sombrio com uma constatação que tem se mostrado cada  vez mais verdadeira: “Uma população ignorante no  que se refere aos conhecimentos científicos é dependente e consumidora dos  conhecimentos científico-tecnológicos produzidos em outros países”. 
Novas avaliações 
  Ausentes  dos programas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) desde 1999,  questões de ciências humanas e ciências naturais foram inseridas, em caráter  experimental, na Avaliação Nacional de Rendimento Escolar (Anresc) ou Prova  Brasil, como é mais conhecida, e na Avaliação Nacional da Educação Básica  (Aneb), realizadas em 2013. Nessa edição das provas, estudantes do 9º ano do ensino  fundamental e do 3º ano do ensino médio tiveram seus conhecimentos em ciências  avaliados. Ficaram de fora da avaliação, porém, os alunos do 5º ano do ensino fundamental,  que também fazem as provas de português e matemática do Anresc e do Aneb. 
De  acordo com documento oficial sobre a inclusão de ciências no Saeb, o objetivo  da prova experimental foi o de servir como matriz piloto para ser aperfeiçoada  e consolidada a partir da próxima edição das provas, que deve ser aplicada em  2015. Como os resultados da prova experimental não foram divulgados, nos resta  torcer para que essa iniciativa tenha sido um primeiro passo em direção à mudança  necessária no ensino de ciências no país. 
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