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                             A cartografia é o conjunto de estudos e operações  científicas, técnicas e artísticas que, tendo por base os resultados de  observações diretas ou da análise de documentação, permitem a elaboração de  mapas. Passou  a constituir-se uma ciência de fato com os gregos, em meados de 650 a.C. Mas fazer mapas é prática muito  mais antiga, pois desde a pré-história o homem tenta se localizar no mundo,  definir territórios, entender a organização dos espaços e registrar trajetos. Para  uma sociedade, mapas são tão importantes quanto a escrita, e talvez sejam mais  antigos do que ela. Traçados em fragmentos de pequenas tábuas feitas de  argila e nas paredes de sítios arqueológicos sugerem que, há mais de 6000 anos,  mapas eram utilizados para estabelecer territórios de caça e para gravar  itinerários. 
Em cartografia, um mapa é uma representação gráfica de  determinado espaço geográfico. Rosely Sampaio Archela, professora da  Universidade Estadual de Londrina (UEL), explica que um mapa é um modelo da  realidade, uma forma de comunicar um conhecimento que se efetiva somente se o  usuário, o leitor do mapa, extrair tal conhecimento ao lê-lo. “Para que a  comunicação se estabeleça, é necessário que tanto o criador de mapas quanto o  usuário possuam conhecimentos específicos de cartografia”, salienta Archela. 
Num mapa, signos e símbolos são utilizados para comunicar  informações espaciais sobre aspectos naturais, sociais, culturais e políticos  de uma área geográfica, miniaturizando o mundo que nos cerca. Com isso, a cartografia  é, ao mesmo tempo, arte e ciência. Está relacionada com disciplinas como geografia,  matemática, geometria e astronomia, mas envolve também um trabalho de criação  humana que reflete a cultura e a história na representação  do real, permitindo inúmeras leituras. 
Os  mapas expressam também a concepção que se tem do mundo ao longo dos tempos. Assim,  os fenícios descreviam as áreas costeiras que visitavam, definindo itinerários  percorridos e territórios. Nos mapas feitos por babilônios, a Terra era uma  montanha que flutuava sobre as águas, sob uma esfera celeste fixa e sólida. Nos  mapas antigos dos hebreus, a Terra era um círculo que repousava sobre dois  pilares acima das águas. Já os egípcios colocavam a Terra no fundo de uma caixa  que representava o Universo; o céu era a tampa da caixa e as estrelas estavam  presas a ela. No extremo Oriente, mapas do mundo existiam desde o século V a.C.,  e a China era representada como um vasto império cercado de água. Os Maias  tinham uma concepção astronômica clara e definiam os pontos cardeais por um  sistema de cores, mas acreditavam que o mundo era circular e flutuava num  grande mar, nas costas de um crocodilo. Os Incas do Peru possuíam um mapa de  relevo e os Astecas traçavam mapas de cidades (leia artigo sobre as representações pré-colombianas nesta edição da ComCiência). 
Séculos  depois, os mapas produzidos após o descobrimento do Brasil representavam territórios  do Novo Mundo recém-descoberto, com desenhos, chamados de iluminuras, de aspectos faunísticos, florísticos,  náuticos, geográficos, mercantis, militares e etnográficos. As iluminuras  conferiam valor estético aos mapas e preenchiam vazios de representação, pois  muitas áreas, principalmente de regiões afastadas da costa, ainda não eram  conhecidas. Algumas iluminuras eram representações imaginárias, mas outras eram  feitas com base em   informações. Baseavam-se em relatos e desenhos de viajantes e  navegantes que tinham visitado as áreas mapeadas, em relatos de indígenas e em  exemplares de plantas e animais levados para a Europa. Em casos raros, eram  decorrentes da presença do próprio cartógrafo nas áreas mapeadas. 
Atualmente,  e sob a influência de novos recursos tecnológicos, conforme assinala Rosely  Archela, mapas e outros documentos cartográficos têm sido elaborados em formato  digital, utilizando computação gráfica, cartografia automatizada ou cartografia  digital. 
As bases científicas da  cartografia 
  As bases matemáticas da cartografia moderna remontam a Tales de Mileto  (por volta de 650 a.C.),  Pitágoras (por volta de 500 a.C.)  e Aristóteles (por volta de 350   a.C), que já intuíam que a Terra era redonda. Isso trouxe,  pela primeira vez, o problema básico das projeções cartográficas, que é o de  representar uma superfície curva em um plano. No século V a.C, Hecateu de  Mileto teria elaborado um trabalho, nomeado "Descrição da Terra",  resumindo os conhecimentos geográficos gregos da época, na forma de périplo:  nele o mundo era redondo e chato como um prato, centrado no mar Mediterrâneo. Mas foi Eratóstenes, no século II a.C., o primeiro  matemático da Antiguidade que encontrou a medida da circunferência da Terra com  uma surpreendente precisão, utilizando a sombra projetada por objetos ao sol. 
No século II d.C., Ptolomeu, astrônomo e geógrafo de Alexandria,  calculou a latitude e a longitude de 8000 pontos na Terra. Muitos séculos  depois, constatou-se que seus cálculos não estavam corretos. Mas suas cartas,  conservadas pelos árabes, foram utilizadas por navegadores europeus na  Renascença. 
Na Idade Média, houve uma grande regressão científica, pois a Igreja Católica,  que dominava a cultura e a política no mundo ocidental, rejeitava todas as  bases científicas dos gregos, como a esfericidade da Terra e a presença de  terras desconhecidas para o homem europeu. A cartografia adaptou-se aos dogmas  religiosos. Nessa época, os mapas medievais, derivados do Orbis Terrarum dos romanos, apresentavam a Terra em três partes  (Ásia, África e Europa), resultado da divisão, ocorrida após o Dilúvio, entre  os três filhos de Noé. Jerusalém (o Oriente) era representada no alto dos  mapas, dando origem à palavra orientação. 
Foram os árabes que, retomando os trabalhos dos gregos e de Ptolomeu  em particular, recuperaram o caráter científico da cartografia. O geógrafo e  explorador Muhammad Al-Idrisi confeccionou, no século XII, um grande mapa mundi  orientado em sentido inverso ao utilizado atualmente. Conhecido como a Tabula Rogeriana, vinha acompanhado por  um livro, denominado Geografia, e  constituía um sincretismo do saber geográfico da época. 
Três séculos mais tarde, na Europa, o uso de vários instrumentos de  navegação, como o astrolábio, a bússola, a balestilha e o quadrante, melhoraram  a orientação em alto mar. Inicia-se a cartografia  moderna. Foram desenhadas várias cartas náuticas, os portulanos, que  descreviam precisamente as linhas de costas percorridas pelos navegadores da  época. A cada viagem, os mapas incorporavam novas descobertas. Os mais precisos  faziam o sucesso de novas viagens. Os reis da época consideravam alguns tão  importantes, que os tratavam como segredo de Estado. Em 1507 surgiu pela  primeira vez na Europa um mapa com a América: era a carta do mundo elaborada pelo  cartógrafo alemão Martin Waldseemüller, em doze folhas. 
Mas projetar uma superfície em um plano continuava sendo fonte de  muitos erros. Até que, em 1569, Gerardus Mercator, matemático e cartógrafo  flamengo, publicou um Atlas, reagrupando  18 cartas do mundo, no qual desenvolveu matematicamente a projeção cilíndrica  do globo terrestre sobre uma carta plana. Nesse sistema de projeção, os  meridianos e paralelos são representados por segmentos de reta perpendiculares  entre si, e os meridianos são equidistantes. Isso faz com que a superfície da  Terra seja cada vez mais deformada na direção leste-oeste, quanto maior for a  latitude. Apesar das distorções, a projeção de Mercator revolucionou a  cartografia da época e serviu de base para que, em 1950, nos Estados Unidos,  fosse desenvolvida a projeção UTM (Universal Transversa de Mercator), uma  projeção cilíndrica muito utilizada na cartografia contemporânea. 
No século XVII, a cartografia era dominada pelos holandeses e Amsterdã  tornou-se o centro europeu de produção de mapas. Mas, no século seguinte, os  ingleses tomaram a dianteira. Surgem, nesse período, o primeiro telescópio  parabólico, fabricado por Johan Hadley; um cronômetro marinho que permitia aos  marinheiros calcular exatamente a longitude, criado por John Harrisson; o  sextante, o teodolito e o barômetro, inventados por Jesse Ransden. Esses  instrumentos, assim como as teses de Isaac Newton sobre o achatamento dos polos  e o progresso da trigonometria, contribuíram para aumentar a precisão dos  mapas. 
No século XIX, os conflitos continentais impulsionaram o  desenvolvimento da cartografia de grande escala. Melhoraram as técnicas de  impressão e iniciou-se o desenvolvimento de um atlas universal e de cartas temáticas. Por volta de 1860, as operações  fotogramétricas começaram a ser empregadas como instrumento de reconhecimento  do terreno, quando câmaras fotográficas foram colocadas a bordo de um balão,  mais tarde substituído por avião. 
Rosely Archela explica que a aerofotogrametria e o sensoriamento remoto vêm mudando a cartografia, “não  em seu objeto de estudo, mas quanto à adoção de novas metodologias e técnicas  que fazem evoluir os conceitos estabelecidos anteriormente”. Segundo a geógrafa  da UEL, muitas práticas comuns no dia-a-dia de profissionais ligados à cartografia  hoje tiveram origem entre as duas guerras mundiais do século XX. E acrescenta:  “Com as operações fotogramétricas e o desenvolvimento da aerofotogrametria, em  substituição aos tradicionais levantamentos topográficos, os mapas elaborados  anteriormente foram ficando obsoletos, já que os sensores remotos, a começar  pelas câmaras fotográficas, passaram a contribuir cada vez mais para o  levantamento de dados”. 
Mapas como instrumento  para compreensão da história 
  A evolução tecnológica na cartografia tem sido muito rápida. A cada  dia surgem novos produtos cartográficos. Os mapeamentos por computador e os  sistemas de informações geográficas exploram novas aplicações, com grande  rapidez no processamento, na capacidade de armazenamento de dados, na  flexibilidade de compilação e na visualização da informação, afirma Rosely  Archela. 
Esses avanços confirmam que não existe uma linguagem cartográfica  única, universal e imutável. As técnicas de elaboração e impressão dos mapas  variaram e seu estudo fornece um importante campo para outras áreas do  conhecimento, como a história. Informações sobre as formas de produção,  reprodução e distribuição dos mapas são úteis para a cartografia histórica. A  historiadora Junia Ferreira Furtado, professora da Universidade Federal de  Minas Gerais, assinala em artigo publicado na revista Varia Historia, que todo mapa é um  conjunto de signos ou símbolos historicamente construídos: “O estudo da  cartografia permite a análise da formação e consolidação de um território, como  ele foi compreendido e ocupado ao longo do tempo”. A partir do entendimento das  técnicas de medição do espaço, das noções de forma e de área que expressam, dos  espaços que o mapa cobre e dos que deixa em branco ou preenche com um desenho  ou uma iluminura, é possível entender como esses mapas eram lidos e  compreendidos na época em que foram produzidos. 
No Brasil, conforme salienta Rosely Archela, em trabalho publicado na Revista Brasileira de Cartografia, a história da cartografia  inicia-se antes da descoberta de suas terras, “mas mudanças significativas, que  se refletem nos produtos cartográficos, ocorreram ao longo do século XX”. Iniciativas  como a Biblioteca Virtual da Cartografia Histórica do  século XVI ao XVII, disponível na Biblioteca Digital da Fundação  Biblioteca Nacional, e instituições como o Laboratório de Estudos de  Cartografia Histórica da Universidade de São Paulo, o Serviço Geográfico do  Exército, a Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil, o Instituto  Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Geográfico e  Cartográfico, a mapoteca do Itamaraty, o Instituto Histórico e Geográfico  Brasileiro, o Museu de Astronomia do Rio de Janeiro e o Centro de Referência em Cartografia Histórica da Universidade  Federal de Minas Gerais, são exemplos importantes no trabalho de organização do  acervo cartográfico brasileiro. 
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