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                             O  estudante de midialogia Marcelo Nisida, de 23 anos, e mais sete  colegas da Rede Minha Campinas precisavam arrecadar R$ 14 mil em 35  dias. O dinheiro seria usado para financiar a ida dele e de, pelo  menos, mais um integrante do grupo para o Rio de Janeiro, onde eles  deveriam permanecer por um mês em treinamento. Todos os custos  precisavam ser pagos com essa verba. No final das contas, a equipe  levantou R$ 15.906 em 14 dias. Como eles fizeram isso? Não, não foi  com empréstimo bancário…
  O  grupo criou uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) na plataforma Catarse, uma das muitas que  temos hoje no país. O modelo de financiamento, já popular no  exterior, tem se tornado mais conhecido no Brasil. Funciona assim, em  uma explicação breve: um grupo, ou uma pessoa, cria uma campanha em  uma plataforma online mostrando que precisa arrecadar um valor para  conseguir realizar determinado projeto. Essa campanha fica no ar por  um determinado período (segundo o próprio Catarse, o tempo ideal é  de 40 dias, em média). 
  Durante  esse período, é preciso fazer intensa divulgação. O círculo de  amigos e conhecidos e demais pessoas que se interessem pela causa  podem, então, fazer suas doações por meio da plataforma. Por isso,  o “crowd” do termo: a ideia é que algo seja financiado por uma  “multidão”. Ou seja, muita gente doando quantias pequenas pode  financiar um projeto. Há quem diga que o método é a evolução da  boa e velha “vaquinha”. 
  Geralmente  os valores que podem ser doados começam em R$ 10 e vão aumentando.  Quem apoia a causa investindo mais dinheiro, leva recompensas  maiores, que vão desde agradecimentos, até receber em casa o  produto que está sendo financiado. Quando a meta é atingida, parte  do valor arrecadado é repassado para o grupo e uma parte paga as  taxas da plataforma e do sistema de pagamento (somando tudo, fica  algo em torno de 12% a 17%, geralmente). Se a meta de arrecadação  não for alcançada, o dinheiro é devolvido para os apoiadores.  Obviamente, existem mais estratégias, e o processo para que as  campanhas atinjam a meta são mais complexos do que essa breve  explicação, como veremos adiante. 
  No  caso da Rede Minha Campinas, a “multidão” foi de 201 pessoas,  que apoiaram a campanha por meio da plataforma. “O Minha Campinas  faz parte de uma rede muito maior, o Nossas Cidades, que começou com  o Meu Rio. Este último abriu um edital para outras cidades se  inscreverem. Participamos desse processo seletivo e a última parte  era fazer um financiamento coletivo para arrecadar fundos para a  residência de um mês no Rio de Janeiro, onde aprendemos conceitos e  dicas de como construir a Rede”, explica Marcelo Nisida. 
   Equipe  Minha Campinas em vídeo da  campanha/Reprodução  Catarse
 
  Já  em atividade, o Minha Campinas forma uma rede de pessoas conectadas  que trabalham em busca de processos mais participativos de tomada de  decisão de interesse público na cidade, com pauta diversificada.  Uma das iniciativas recentes do grupo foi o projeto “De guarda  pelas escolas”, que criou uma rede de guardiões voluntários que  recebem um SMS de alerta caso ocorram ações violentas nas escolas  ocupadas de Campinas. O movimento de ocupação foi organizado por  estudantes contra a medida anunciada pelo governador Geraldo Alckmin  (PSDB) de que faria uma reorganização das escolas estaduais, o que  implicaria no fechamento de 94 delas (cinco na Região  Metropolitana de Campinas). 
  Para  Nisida, ter conseguido o financiamento com um modelo coletivo se  mostrou importante  “para preservar um  dos nossos princípios, o da independência. Ou seja, não podemos  ter mais de 20% de arrecadação vindo de um doador só”. 
  Bilhões  de dólares pelo mundo 
  O  mercado conta hoje com mais de 1,2 mil plataformas de crowdfunding ativas em todo o mundo, segundo a pesquisa “2015 CF –  Crowdfunding industry report”, lançada em abril. O segmento  atingiu os US$ 16,2 bilhões arrecadados em 2014, contra US$ 6,1  bilhões em 2013, um crescimento de 167%. De acordo com o estudo, a  previsão é de que o valor chegue em US$ 34,4 bilhões em 2015. 
  Essa  pesquisa mostra que a categoria “Negócios e empreendedorismo”  foi a mais popular, arrecadando US$ 6,7 bilhões em 2014, o que  representa 41,3% do volume total em crowdfunding.  As outras quatro principais foram causas sociais, com US$ 3,06  bilhões; filmes e artes, com US$ 1,97 bilhões; imóveis, com US$  1,01 bilhões; e música, com US$ 736 milhões. 
  A  arrecadação de dinheiro feita por muitos indivíduos se utilizando  da internet para financiar um projeto não é algo recente. Isso é o  que mostra a dissertação  de mestrado “Crowdfunding no Brasil: uma análise sobre as motivações de quem participa”,  defendida por Mônica Monteiro na Fundação Getúlio Vargas (FGV),  em 2014. No trabalho, Monteiro mostra autores que defendem que a  primeira tentativa de financiamento via web ocorreu em 1997, quando a  banda de rock inglesa Marillion conseguiu arrecadar com seus fãs,  por meio de seu site, US$ 60 mil para custear sua turnê. 
  O  setor musical se mostra grande impulsionador do modelo: segundo a  dissertação de Monteiro, a primeira arrecadação por meio de uma  plataforma específica no mundo foi do site americano ArtistShare,  que iniciou suas operações em outubro de 2003. Ainda, é importante  destacar a atuação da plataforma europeia Sellabanb, que iniciou  suas operações em 2006. Ambas nasceram com o objetivo de unir  artistas e fãs e captar dinheiro para financiar projetos como a  gravação de um CD, por exemplo. 
  O  modelo de arrecadar dinheiro pela internet, por meio de pequenas  doações vindas de várias pessoas é bastante comum nos Estados  Unidos. Lá, desde 2000, utiliza-se esse método para financiamento  de campanhas políticas. Mônica Monteiro destaca, em seu trabalho,  que o fenômeno se consolidou em 2008, na campanha de Barack Obama  para a presidência da república, quando cerca de US$ 272 milhões  foram arrecadados graças a mais de dois milhões de doadores. 
  Atualmente,  a plataforma de crowdfunding de maior referência, em termos globais, é a norte-americana  Kickstarter, fundada em 2009. O site já levantou US$ 2,1 bilhões  doados por quase 10 milhões de pessoas em todo o mundo. Mais de 97,3  mil projetos foram financiados por meio da plataforma, que reúne 122  trabalhadores no seu escritório, localizado em uma antiga fábrica  de lápis em Nova York. 
  Quando  atingiu tais cifras, o site revelou algumas curiosidades:  a maior parte das contribuições recebidas são de menos de US$ 100  e o valor mais doado é de US$ 25. Quase US$ 150 milhões foram  doados em apoio a projetos em categorias que não ofereciam nenhuma  recompensa. Os apoiadores da plataforma estão espalhados em 230  países. E as categorias que mais levantaram dinheiro na história do  Kickstarter foram games, tecnologia e design, com US$ 412,4 milhões,  US$ 360 milhões e US$ 351,6 milhões, respectivamente. No Brasil, o  financiamento  de ciência e tecnologia  não  é a área mais forte quando o assunto é crowdfunding,  mas o cenário está começando a mudar. 
  As  plataformas no Brasil 
  Em  sua dissertação, Mônica Monteiro aponta que ainda não há  pesquisas relativas ao Brasil que abarquem o total levantado pelo  mercado de financiamento coletivo. Ela estimou que em 2014 existiam  cerca de 40 plataformas do tipo no país – é preciso levar em  conta que nos últimos meses muitas fecharam, enquanto outras  surgiram. São sites dedicados ao financiamento de projetos de  entretenimento cultural, sociais, de  cunho pessoal, ambiental, desenvolvimento de novos produtos, entre  outros. 
  O  fundador e malabarista organizacional do Catarse, Diego Reeberg,  declarou, no blog  da plataforma,  estimar que as cifras arrecadadas por todos os sites desse tipo no  país não ultrapassem os R$ 100 milhões. 
  O  primeiro site que fez um sistema parecido com financiamento coletivo  por aqui foi o Vakinha, lançado em 2009. Ele começou com a ideia de  permitir que os usuários realizassem as famosas “vaquinhas” por  meio da internet. Hoje reúne diversas causas, que vão desde pessoas  que pedem doações para pagamento de cirurgias e tratamentos médicos  até levantar fundos para comprar ração para animais de rua. A  plataforma, que passou por uma reformulação neste ano, já teve  mais de 400 mil vaquinhas abertas e arrecadou mais de R$ 20 milhões. 
  O  site mais conhecido do Brasil talvez seja o Catarse, lançado em 2011  e que se declara como primeira plataforma que assumiu o termo crowdfunding no país. Desde sua criação, 2.134 projetos foram financiados por  meio do site; mais de 252 mil pessoas fizeram doações na plataforma  e foram arrecadados R$ 37 milhões. Dentre todos os projetos  financiados até hoje, a maior parte é de música (454) e de cinema  e vídeo (371). 
  Ainda  no ano de 2011 surgiram outras plataformas famosas por aqui, como o  Queremos!, o Sibite e a Benfeitoria. Esta última se destaca por não  cobrar uma taxa fixa das campanhas que atingem suas metas – o  usuário escolhe o quanto pagar. A plataforma se denomina como a que  tem o maior índice de projetos bem-sucedidos: foram 650 publicados e  500 financiados, em sua maioria na categoria de arte e cultura. 
  Já  a plataforma Kickante afirma ter o maior recorde de financiamento  coletivo do Brasil, que arrecadou mais de R$ 1 milhão para o Santuário  Animal Rancho dos Gnomos.  A instituição acolhe animais domésticos, exóticos e silvestres  resgatados em situação de maus tratos. De acordo com a CEO da  plataforma, Tahiana D'Egmont, “desde a criação da Kickante, já  lançamos mais de 17 mil campanhas, que juntas totalizaram R$ 20  milhões em valores arrecadados”. 
  Na  lista de sites brasileiros dedicados ao financiamento coletivo ainda  estão o Bicharia, voltado para a causa animal, Urbe.me, para  investimento coletivo no mercado imobiliário, entre outros. É comum  ver novas plataformas sendo criadas. 
  O  campo  cultural ainda  é o mais forte no setor de crowdfunding no Brasil. Entre inúmeros motivos, pode-se apontar o fato de que  quando os sites começaram por aqui, muitos ativistas da cultura  digital viram uma possibilidade de emplacar projetos sem depender de  empresas específicas ou de editais. Um dos primeiros casos de  financiamento bem sucedido foi o do Ônibus Hacker, utilizado por  alguns integrantes da Casa da Cultura Digital para rodar a América  Latina com oficinas sobre programação e apropriação da  tecnologia. 
  Por  que apoiar? 
  Apesar  de não existirem muitos dados compilados sobre o campo no Brasil, em  2014, o Catarse divulgou  a pesquisa “Retrato do Financiamento Coletivo no Brasil 2013/2014”,  realizada em parceria com a Chorus e feita com base um questionário  online feito com 3.336 pessoas. Os dados mostraram que a distribuição  de apoiadores é a seguinte: 63% está no Sudeste, 20% no Sul, 9% no  Nordeste, 7% no Centro-Oeste e 1% no Norte. 
  Do  total de apoiadores, 59% são homens e 41% mulheres; 39% têm curso  superior completo e 35%, pós-graduação. 31% têm idade entre 25 e  30 anos e 74% das pessoas têm renda mensal de até R$ 6 mil. A  pesquisa revelou também que a grande maioria que apoia projetos tem  o hábito de fazer compras pela internet. 
  Por  que as pessoas apoiam projetos de crowdfunding?  Não temos todas as respostas, mas podemos chegar a algumas  conclusões. A primeira delas é o interesse: em muitas das  campanhas, há envolvimento por uma causa, seja pela banda que a  pessoa gosta, seja por acreditar que aquela campanha fará algo pelo  mundo, ou mesmo porque você quer ver aquele projeto no ar. A  identificação é um fator importante. 
  A  realizadora audiovisual Thais Fernandes, de 31 anos, já apoiou sete  projetos. “Doei para causas que gosto e acredito, por me  identificar e também para ajudar amigos. O primeiro foi o  financiamento de um documentário sobre Belo Monte. A grana era para  finalização e a contrapartida era disponibilizarem o material na  internet”, conta. Tirando esse caso, todas as outras campanhas  apoiadas por ela estavam relacionadas ao teatro (área em que ela  atua) e com sua cidade, Porto Alegre. 
  Além  de ser apoiadora, Thais Fernandes também criou sua própria campanha  para financiar o espetáculo multimídia “No  que você está pensando?”,  que na plataforma Catarse consta como bem sucedido e arrecadou R$  6.210. Na verdade, Thais chama o projeto de “pseudo-sucesso”  porque, percebendo que a campanha não estava emplacando, ela mesma  inseriu cerca de R$ 3 mil na plataforma. “Fiz isso para não perder  o que eu já havia arrecadado, pois se não atingisse a meta, o  dinheiro retornaria para os doadores e eu não teria como viabilizar  a temporada do espetáculo”. 
 
   Cena  do espetáculo “No que vc está pensando”. Foto: Patrick Tedesco
 
  Em  sua pesquisa de mestrado, Mônica Monteiro constatou que seus 11  entrevistados, todos apoiadores de projetos, entendem o crowdfunding como “uma coisa benéfica e de grandes oportunidades” e voltariam  a apoiar causas. O estudo apontou que as principais motivações que  levam as pessoas a colaborarem aqui no Brasil são: ajudar os outros;  apoiar uma causa; receber recompensas; e fazer parte de uma  comunidade. 
  Ela  destaca que, diferentemente de plataformas internacionais como o  Kickstarter, as quais os apoiadores veem como uma espécie de loja,  em que você financia produtos que gostaria de ter, por aqui, os  apoios parecem ter uma motivação que se aproxima da filantrópica. 
  Estratégias:  os círculos de amigos 
  A  pesquisa de Mônica Monteiro também apontou algo que é ressaltado  pelas próprias plataformas: os círculos de amigos e a divulgação  são fundamentais para que a campanha atinja o sucesso. Em sua  pesquisa, a maioria dos entrevistados relatou não ter o hábito de  analisar as campanhas em aberto. É preciso que a campanha vá até a  pessoa para que ela resolva apoiá-la. 
  O  estudo mostrou ainda que a divulgação pelas redes sociais é um  ponto importante, já que a maioria dos entrevistados afirmou ser  convidado e/ou ficar sabendo de uma campanha por meio do Facebook ou  por e-mail. A dinâmica ocorre de uma maneira quase informal, em que  a pessoa divulga o projeto em sua rede social, seus amigos tomam  conhecimento e também divulgam. Outro ponto que não pode ser  esquecido é a importância de um vídeo de apresentação bacana e  editado. A recomendação é que ele não passe de dois minutos. 
  Marcelo  Nisida, da Rede Minha Campinas, confirma essa teoria. Quando a  campanha da Rede começou, a equipe recebeu diversas dicas e  orientações do Catarse de como se planejar para atingir a meta. É  preciso pensar em três níveis de pessoas: os círculos próximos,  os conhecidos e depois as pessoas que não te conhecem, mas que podem  se interessar pela causa. 
  “Fizemos  uma planilha. Pegamos todos os contatos que tínhamos no Facebook e  no e-mail, resultando em um total de 5 mil pessoas. Categorizamos em  círculos: grupos mais próximos, os amigos que vão doar só porque  eu vou pedir mesmo, porque acreditam em mim. Depois, os colegas de  Facebook e e-mail, que não são tão próximos, mas para quem você  pode mandar uma mensagem, mostrar o projeto e eles podem se  interessar. Depois, o terceiro passo é atingir quem não se conhece,  os amigos de amigos”, explica Nisida. “Geralmente existe uma  curva que segue uma tendência assim: na primeira semana você tem um  pico de doações, depois isso baixa. No fim sobe de novo”,  complementa. 
  As  principais plataformas de financiamento coletivo do Brasil recomendam  que, antes mesmo de iniciar a campanha, quando os prazos começam a  correr, é preciso já fomentar a ideia em meio ao círculo de amigos  mais próximos. Isso pode ser decisivo para que o projeto seja bem  sucedido. Também é importante planejar o quanto de dinheiro será  necessário, já tendo em mente as taxas cobradas pela maioria das  plataformas. 
  Geralmente,  as campanhas são realizadas no estilo “tudo ou nada”, o que  significa que, se o projeto não atingir a meta no prazo, o dinheiro  retorna para os doadores. Existem algumas plataformas, como a  Kickante, em que é possível optar pela “campanha flexível”, na  qual o criador do projeto recebe o dinheiro que arrecadou, mesmo se  não atingiu a meta, porém paga taxas maiores. De acordo com a CEO  da plataforma, mais de 80% das campanhas lançadas pela Kickante são  flexíveis. 
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