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 A Teologia da Libertação nasce na América Latina e  no Brasil no final dos anos 1960, elaborada por teólogos como Leonardo Boff,  Gustavo Gutiérrez, Juan Luiz Segundo, Jon Sobrino, dentre outros. Essa teologia  constitui-se como a primeira dos tempos modernos produzida na periferia da  Igreja e comprometida de forma radical com os pobres e excluídos. Foram de  grande importância para a sua gênese eventos gerais da Igreja Católica como o  Concílio Vaticano II (1962-1965) e, na América Latina, a II Conferência Geral  do Espiscopado Latino-Americano, em Medellín (1968), que apontaram para uma  modernização da Igreja, uma abertura sua para o social e, no nosso continente e  país, a “opção preferencial pelos pobres” (Teixeira, 2006:27-65). 
A Teologia da Libertação se estruturou através da  crítica a uma teologia tradicional para quem os pobres deviam ser objeto da  caridade e não agentes de sua própria libertação. Sendo a figura do “pobre”  central nas concepções docristianismo, uma reformulação dessa categoria  influenciada pela sociologia, pela ciência política e, particularmente, pelo  marxismo serviu para desvelar os pobres como oprimidos, cuja pobreza é fruto da  acumulação e exploração do seu trabalho e não de uma fatalidade ou desejo  divino. Para os teólogos da libertação, a salvação não se realiza no plano  individual, mas coletivo, sendo a luta pela libertação humana uma antecipação  do “Reino de Deus”. 
Articular teologia e marxismo foi a inovação trazida  por esse empreendimento, todavia, guardando a especificidade de cada discurso.  No entanto, o cerne da oposição da Teologia da Libertação ao capitalismo  irrompe de sua própria visão religiosa católica, baseada em sua cultura e  tradição, inspirados na “verdade evangélica” de onde tiram consequências  sociais em favor dos oprimidos. A crítica teológica libertadora ao sistema  dominante o vê como uma “idolatria” do capital e do mercado, inspirando-se na  denúncia profética dos falsos deuses – do Antigo Testamento – ainda que  ancorada na análise marxista do “fetichismo da mercadoria” (Löwy, 2000: 95). A  própria categoria “pobre”, funciona como um conceito com conotações morais,  bíblicas e religiosas, distinguindo-se assim do conceito de “classe” marxista  que se reivindica elaborado em cima de uma precisão sociológica e histórica. 
Frei Betto,um dos grandes militantes da Teologia da  Libertação no Brasil, assim justificava a conciliação entre as ideias de  religião cristã-católica e revolução: “o cristianismo é essencialmente  transformador e essa revolução não se limita à história, culmina na  transcendência (...) A fé desmascara, frente à palavra de Deus, o discurso  ideológico dos dominadores. Jesus assume a identidade dos oprimidos e neles  quer ser amado e servido: ‘tive fome e me destes de comer, tive sede e me  destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes,  doente e me visitastes, preso e viestes ver-me’(Mateus 25,35-6) (...) O  Concílio Vaticano II e a Conferência Episcopal de Medellín eram prenúncios de  uma Igreja convertida às suas origens. Na América Latina, a religião cristã não  seria o ópio do povo e o ócio da burguesia. Seria sim, sinal de contradição,  pedra de escândalo, fogo que queima e alumia, espada que divide. Já não poderia  servir a Deus e ao dinheiro” (Betto, 1982: 61). 
O que permitiu a conciliação entre revolução e  cristianismo nesse movimento da Teologia da Libertação foi a convergência de  visões de mundo entre cristianismo e marxismo: em ambos, valores anti-individualistas  e comunitários, protagonismo dos oprimidos, crítica do capitalismo e do  liberalismo econômico, perspectiva universalista de transformação da humanidade  e visão teleológica/finalista do “Reino de Deus” ou da “sociedade sem classes”  (Löwy, 2000: 116-7). Isso, porém, não fez com que a configuração religiosa da  “Igreja da libertação” se diluísse numa prática eminentemente marxista,  persistindo na Teologia da Libertação uma óbvia rejeição à visão marxista da  religião como “ópio do povo”.Embora aceitassem a parte dessa crítica com  relação à ação histórica das igrejas cristãs como legitimadoras do status  quo (Löwy, 2000: 131-2), a aceitação da crítica marxista foi feita em nome  de um cristianismo autêntico, de acordo com o seguimento do “mestre Jesus” e  dos valores do Evangelho, de solidariedade e compaixão para com os oprimidos. 
As Comunidades Eclesiais de Base 
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram como  reuniões de católicos situadas no meio popular: zonas rurais, periferias urbanas,  bairros populares e favelas. Constituíram-se no período da ditadura militar, no  início dos anos 1970, por iniciativa de setores da Igreja Católica marcados  pela ideia de que exprimir a fé religiosa significava tomar consciência de sua  situação social. 
A orientação que regeu as CEBS foi marcada pelas ideias  de Paulo Freire e do Movimento de Educação de Base (MEB) de setores  “progressistas” da Igreja Católica nos anos 1960, da participação das camadas  populares no processo de sua própria educação (política), através da discussão  de seus problemas imediatos, seguida da decisão e mobilização para defesa de  seus direitos (Lesbaupin, 1997: 47-74). 
Enfim, as CEBs são comunidades religiosas que  desenvolvem atividades comunitárias e sindicais. Atuam no apoio aos “movimentos  populares”: luta contra expulsão de terra, por melhores salários, por moradia,  contra a violência. Seus membros participam dos sindicatos, associações de  moradores, movimentos de mulheres, de negros, de meninos de rua etc. A  participação não é uniforme, nem de todos os membros, mas todos acompanham e apoiam,  e onde há uma CEB, existe também algum tipo de mobilização social. Apoiaram o  PT, fruto de uma identificação, pois ambos nasceram “de baixo para cima”.  Núcleos do PT foram formados pela ação das CEBs e membros das CEBs foram  escolhidos como candidatos a cargos políticos pelo PT (Lespaubin, 1997: 47-74). 
Inspiradas pela Teologia da Libertação, as CEBs veem  a desigualdade social não como fatalidade, mas como produto de relações sociais  marcadas historicamente no processo produtivo, podendo assim, serem  transformadas. Deus não é percebido interferindo diretamente na realidade, mas  através dos homens e mulheres como mediadores dos valores transcendentes do  “Reino” (Teixeira, 2006:27-65). 
Na década de 1970,elas experimentaram crescimento  vertiginoso, apresentando-se como “um novo modo de ser Igreja”, baseadas em  celebrações ligadas ao cotidiano do trabalho e da luta pela sobrevivência, em  cânticos que retratam a situação social de injustiça, mas que marcam a  esperança no que virá, e na interpretação da Bíblia – círculos bíblicos – como  instrumento de luta social, quando o imaginário do êxodo bíblico e da  libertação do povo de Israel são tomados como referência para a luta de  libertação atual, representando o Faraó, o poder opressor, os profetas, os  líderes populares com suas denúncias radicais e o “Reino de Deus”como a  sociedade justa e solidária. 
Nos anos 1990,as CEBs vivenciaram uma crise,  provocada por dois grandes fatores. De um lado, a derrota do sandinismo na  Nicarágua e o fim do “socialismo real” que levaram perplexidade e desânimo nos  meios militantes das CEBs e da Teologia da Libertação quanto à possibilidade da  proposta socialista/libertadora se colocar como alternativa às injustiças  sociais. De outro, o cerco que o Vaticano, no pontificado de João Paulo II,  moveu contra os seus líderes e contra as bases da “Igreja da libertação”,  através do cerceamento à produção dos “teólogos da libertação”, como Leonardo  Boff, e da intervenção nas dioceses dos bispos “progressistas”, como o  desmembramento da diocese de São Paulo, do cardeal Evaristo Arns. 
Os conhecidos desdobramentos que se seguiram àsua  crise e à intervenção do Vaticano nos seus quadros e nas suas bases de apoio,  como a CNBB, resultaram numa perda considerável de visibilidade e prestígio. 
Procurando se adaptar às  transformações em curso no mundo contemporâneo e se colocar como alternativa a  inércia da estrutura da Igreja Católica em se adequar aos estilos de vida  moderna, parecemos assistir hoje uma transformação da Teologia da Libertação em  direção às questões ecológicas, de gênero, da comunicação, do corpo e das  emoções. Dessa forma, a revalorização da mística é assumida  entre alguns teólogos da libertação, dentre os quais Leonardo Boff e Frei  Betto, com a elaboração do livro Mística e espiritualidade (1996), e isso  se expressa na nova condução no movimento das CEBs, onde a corporeidade, a  celebração dançante e as atividades místico-espirituais parecem ganhar terreno  ao lado da militância política. O discurso renovado de Leonardo Boff e Frei  Betto, que alia a questão dos pobres aos temas da ecologia, da mística e do  holismo, aproximando-os dos chamados “novos movimentos religiosos”  (neo-esoterismos e “orientalismos” pós-modernos) pode ser um sinal de que a  “nova forma de ser Igreja” que estão propondo esteja ligada à experiência  libertária e informal das redes sociais. 
Marcelo Camurça é docente no Programa de Pós-Graduação  em Ciência da Religião e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da  Universidade Federal de Juiz de Fora. 
Referências Bibliográficas 
Betto, Frei. Batismo de sangue.  Os dominicanos e a morte de Carlos Mariguella. Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 1982. 
Boff, Leonardo & Betto, Frei. Mística e  espiritualidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 
Lesbaupin, Ivo. “As CEBs e a transformação social”.  In: As Comunidades de Base em questão.Clodovis Boff  et alii (org.). São Paulo: Paulus,  1997,pp.47-74. 
Löwy, Michael. A guerra dos deuses: religião e  política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000. 
Teixeira, Faustino. “Teologia da Libertação: eixos e  desafios”. In: Fernando Torres; Faustino Teixeira; Edla Eggert; Plínio de  Arruda Sampaio (orgs.) Teologia da Libertação e educação popular a caminho.  São Leopoldo: CEBI, 2006, pp.27-65. 
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