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 Há uma tendência que imprime um sentido ao desenvolvimento e  evolução do conhecimento que se constitui num traço epistemológico  característico do mundo contemporâneo: a formação de novas áreas de  conhecimento por agregação do conhecimento de áreas já constituídas e de áreas em constituição. Disso  resulta, não propriamente a soma de áreas que, acumuladas, adicionam, em série,  conhecimento mais conhecimento, mas uma multiplicação do conhecido elevado a  potências cada vez maiores do que há para se conhecer. 
Diferentemente do movimento para a compartimentação e a  especialização segmentada que marcou a ciência positivista, a ciência  contemporânea tem, entre outras características, esta da formação de novas  áreas, não pela divisão de grandes áreas teóricas, mas pela agregação e  multiplicação dessas grandes áreas em áreas ainda maiores, mais abrangentes e  de maior complexidade epistemológica, fenômeno que se estendeu também para as  tecnologias, envolvendo todas as tecnociências dentro da dinâmica da cultura  científica contemporânea. 
É o que aconteceu, por exemplo, com a genética, com a neurolinguística,  com a sociolinguística, com a biofísica, com a bioquímica, com a biotecnologia,  com a bioinformática e com a nanotecnologia. 
Há áreas de conhecimento que se constituíram como temas de  grande interesse e atenção na contemporaneidade e foram agregando conhecimentos  requeridos de tantas áreas diversas e diversificadas tal que o processo de sua  constituição seria impensável, do ponto de vista científico, durante uma boa  parte dos primeiros decênios do século passado. 
É o caso do meio ambiente como tema de investigação e de  ensino nas escolas e dos estudos ambientais que foram se consolidando com o  concurso de várias áreas, próximas e aparentemente, até então, distantes, do  ponto de vista teórico e metodológico. Da matemática à física, da física à  química, da química à biologia, da biologia à informática, da informática às  biotecnologias, das biotecnologias às ciências humanas, das ciências humanas à  estatística, da estatística às modelagens, das modelagens às ações das  políticas públicas e de suas formulações ativas para a preservação do meio  ambiente e as propostas globais dos protocolos e dos grandes encontros  internacionais sobre o clima e as mudanças climáticas como o que vai ocorrer,  neste ano, na Rio+20. 
Esse fenômeno de agregação de áreas para constituir novas  áreas de conhecimento está, de algum modo, ligado à mudança de paradigma da  ciência que começou a ocorrer no final do século XIX e no começo do século XX e  que se deu concomitantemente a grandes descobertas responsáveis por grandes  mudanças no pensamento científico: a física quântica, a relatividade, o  evolucionismo, o marxismo e a psicanálise. 
Essa mudança de paradigma implicou, entre outras coisas, na  substituição do conceito ontológico de verdade, na ciência, por um conceito  probalístico, segundo o qual a probabilidade de negar, isto é, de descobrir a  falibilidade de um método e a falsidade de uma teoria, passa a dar os limites e  as fronteiras do conhecimento que por essa teoria e esse método se estabelece. 
A interdisciplinaridade e a multiplicidade características  desse movimento marcaram também o desenho institucional interno de  universidades e centros de pesquisa, sobretudo a partir da segunda metade do  século XX, e mais propriamente a partir dos anos 1980 com a consolidação da  economia global e a emergência da sociedade do conhecimento, assentada real e  virtualmente sobre a ampla proliferação das tecnologias de informação e comunicação.  
Várias universidades, por todo o mundo, passaram a adotar uma  geografia institucional que, ao lado das unidades de ensino e pesquisa  tradicionais, abriu espaço para centros e núcleos, numa organização mais  funcional do que anatômica; isto é, entidades cuja existência se dá em função  dos projetos que desenvolvem e cuja anatomia, agora periódica, se adequa a essa  funcionalidade. Isso aconteceu com as universidades estaduais paulistas e com  as universidades federais, sendo a Unicamp pioneira nessa iniciativa. 
O conceito de multicentros se relaciona com esse processo  característico da contemporaneidade e expressa, no nível institucional, a  organização do modo de produzir, ensinar, difundir e divulgar o conhecimento,  buscando formas de permanência cada vez mais dinâmicas e dependentes das  finalidades, não corporativas, mas acadêmicas das organizações. 
Esse é o tema desse número da ComCiência, ela própria uma revista de divulgação científica,  produto também desse multicentrismo institucional do conhecimento e, assim,  voltada para as questões das várias formas de relação e de relacionamento entre  ciência e sociedade e para a busca de elementos que ajudem a compreensão da  cultura científica como fenômeno marcante de nossas vidas no mundo  contemporâneo. 
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