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                             O movimento do acesso livre à informação  científica surgiu de uma reação contra os aumentos crescentes da assinatura de  periódicos científicos na década de 1990, praticados por editoras comerciais,  fato que provocou a chamada crise dos periódicos (leia reportagem nesta edição). A esse respeito, Briquet de Lemos informava em 2005 que uma  análise de 123 bibliotecas filiadas à Association of Research Libraries, dos  Estados Unidos, mostrou que os gastos com aquisição de periódicos, entre 1986 e  2004, subiram 273%. A crise forçou a busca por alternativas ao tradicional processo  de divulgação de resultados de pesquisas e engendrou a entrada da internet no  sistema de comunicação científica. Um dos marcos dessa mudança foi o lançamento  do repositório de pré-prints criado por  Paul Ginsparg, o arXiv, em 1991, para abrigar  trabalhos de matemática e física enviados por pesquisadores. Apesar de, no  início, ter gerado desconfiança em pesquisadores no tocante ao sistema de  avaliação dos textos submetidos, é, de fato, o primeiro modelo de repositório,  o que marca uma vertente do movimento de acesso livre capitaneado pela  comunidade científica. 
Outro marco da união entre comunicação científica  e internet foi a Convenção de Santa Fé, realizada em 1999 nos EUA, na qual se  formulou e se pactuou a adoção da iniciativa de arquivos abertos (Open Archives Initiative), envolvendo  o uso de software aberto para o desenvolvimento de aplicações para  interoperabilidade entre sistemas e acesso livre para a disseminação ampla e  irrestrita da informação científica. Sucederam-se várias reuniões sobre o tema  em todo o mundo, destacando-se as de Budapeste, Bethesda, Berlim e Salvador, no  Brasil, as quais contribuíram para a compreensão, definição, alcance e  implementação do acesso livre em nível mundial. 
 O movimento defende a disponibilização da  literatura científica na internet, permitindo a qualquer usuário ler, baixar  arquivo, copiar, distribuir, imprimir, buscar ou fazer um link para os textos científicos completos, capturá-los para  indexação, utilizá-los como dados para software, ou utilizá-los para qualquer  outro propósito legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas, a não ser  as do próprio acesso à internet. A única restrição à reprodução e distribuição  e a função do copyright, neste  contexto, deve ser o controle do autor sobre a integridade de sua obra e o  direito de ser adequadamente reconhecido e citado. 
Essa literatura é digital, online, gratuita e livre de limitações  de direitos autorais e licença de uso. Constitui-se de textos científicos e  acadêmicos que divulgam resultados de pesquisas, avaliados por pares, e que são  entregues por autores a editores e pelos quais esses autores não recebem  qualquer compensação financeira. Inclui também textos científicos sem avaliação  por pares que os pesquisadores queiram publicar online para receber comentários ou divulgar resultados de pesquisas  para seus colegas. 
Para sua disseminação, o movimento do acesso  livre à informação científica criou duas estratégias: a Via Verde – criação de  repositórios institucionais de acesso livre para a organização e divulgação da  produção científica de instituições de pesquisa – e a Via Dourada – produção e distribuição  de revistas científicas eletrônicas de acesso livre na internet, sem restrições  de acesso ou uso. 
Uma pesquisa divulgada pela Nature em 2010 divide a história do acesso aberto em três fases.   Primeiro, vieram os anos pioneiros que compreendem o período 1993-1999, durante  os quais a maioria dos periódicos em acesso livre se constituía em esforços  "caseiros", criados por indivíduos e hospedados nos servidores de uma  universidade, a exemplo do arXiv.  Em seguida, vieram os anos de inovação, que viram  o nascimento de editoras online, como  a PLoS (Public Library of Science), de bibliotecas eletrônicas, como a SciELO (leia entrevista com um dos fundadores da SciELO), no Brasil, e de toda uma infraestrutura de  software que tornava muito mais fácil lançar uma revista digital, seja em  termos econômicos ou tecnológicos. Todos esses projetos têm como principal  característica proporcionar o acesso livre à informação científica. 
O movimento vem tendo como primeiro alvo tornar  livre o acesso a 2,5 milhões de artigos científicos avaliados por pares e  cedidos por seus autores, sem qualquer pagamento a editoras comerciais. Essas  editoras publicam esses milhões de artigos anualmente em 25 mil periódicos  científicos. Ocorre que essas empresas editoriais sempre estiveram de olho no  movimento de acesso livre à informação científica, mas não em seus objetivos  democráticos. Daí surgiram dezenas de modelos de gestão de periódicos  científicos eletrônicos, dentre os quais se destaca o modelo “autor-paga”, no  qual o autor ou a instituição que o financia arca com os custos de produção do  periódico mediante o pagamento de uma taxa para publicação. Esse modelo  substituía o secular “assinante paga”, no qual os custos eram suportados pelo  usuário final, bibliotecas ou leitores. 
Os lucros sobre  o conhecimento 
  Em janeiro deste ano, Timothy Growers, um  matemático que em 1998 ganhou a Medalha Fields, o equivalente nesse campo ao  prêmio Nobel, ao publicar um post em seu blog protestando contra as práticas comerciais da editora Elsevier, reabriu a  polêmica da cobrança exorbitante de assinaturas de publicações ao descrever os  motivos pelos quais vinha fazendo um longo boicote às revistas científicas  publicadas pela Elsevier. Esta editora holandesa possui mais de 2 mil títulos  de periódicos científicos em seu extenso catálogo de publicações, que inclui  revistas de alto impacto como Cell e The Lancet. 
Em 2010, a Elsevier registrou um lucro de 1,16  bilhão de dólares, numa receita de 3,23 bilhões de dólares, o que equivale a  36% de margem de lucro, um exagero para o setor de publicações acadêmicas,  agravado por ter sido num ano de crise econômica mundial. Os conglomerados  editoriais Elsevier, Springer e Blackwell detêm 42% do mercado de publicações  científicas.  
O post crítico motivou Tyler Neylon, colega de Growers, a lançar um boicote online no qual os subscritores se comprometem a não submeter seus trabalhos ou  trabalhar como pareceristas para revistas da Elsevier. Em 2 de junho de 2012,  cerca de 12 mil pesquisadores em todo o mundo já haviam aderido ao boicote,  confirmando o estado latente de beligerância entre acadêmicos e seus editores,  conflito que vem se acentuando com o êxito das publicações eletrônicas de  acesso livre. As queixas do professor Growers contra a Elsevier acabaram,  assim, desencadeando uma nova crise, semelhante àquela que gerou a reviravolta  no processo de comunicação científica com o advento do movimento pelo acesso  livre à informação científica por meio de periódicos científicos eletrônicos e  repositórios digitais.  Growers, como a  maioria dos pesquisadores, é favorável à livre circulação do conhecimento, por  isso não concorda com (1) preços exorbitantes de assinaturas de periódicos  científicos, (2) a prática de forçar a venda de revistas científicas em  “pacotes” (a biblioteca deseja um título específico, mas é obrigada a comprá-lo  como parte de um conjunto que inclui vários outros títulos que ela não quer) e (3)  o apoio da Elsevier a uma lei do Congresso americano que proíbe o governo de  exigir que pesquisadores que recebem verbas públicas sejam obrigados a dispor  seu artigo em acesso livre. 
O mercado de publicações científicas, com valor  estimado em US$ 7 bilhões anuais apenas para pesquisa em ciência, tecnologia e  medicina no idioma inglês, compõe-se de três economias de publicação  relativamente distintas: revistas  independentes, editoras de sociedades  acadêmicas e editoras comerciais – segmentos que publicam revistas de qualidade variável em praticamente todos  os campos do saber, diferindo entre si na estrutura dos custos historicamente  associados às suas atividades de publicação.  
Desta forma, o preço cobrado por uma revista está  mais associado ao segmento que o publica. Com base nos custos por página de uma  publicação científica, calculados de acordo com taxas de assinatura pagas por  bibliotecas, as editoras comerciais cobram de três a nove vezes mais do que  sociedades acadêmicas em seis disciplinas que abrangem da ecologia à física. Em  relação à qualidade, medida pela métrica citação, a revista pode custar dez  vezes mais com editoras comerciais. 
 A chave desse imbróglio passa também pelos  direitos autorais. Na maioria dos países, inclusive o Brasil, ao submeterem  artigos científicos a uma revista que escolheu, os autores cedem os direitos de  reprodução e distribuição ao editor ou editora por escrito ou em concordância  tácita a uma eventual estipulação feita pela revista em sua página de  “instruções aos autores”. Preocupado em publicar, o autor não titubeia e  concorda, pois ele busca prestígio, reconhecimento e prioridade, e não lucro. O  movimento pelo acesso livre à informação científica propugna, em relação ao  direito autoral, que a questão do copyright restrinja-se tão somente ao controle do autor sobre a integridade de sua obra e  o direito de ser adequadamente reconhecido e citado. Vale dizer que, retirando  a figura da editora comercial como detentora dos direitos econômicos do artigo  científico e reconhecendo-se o autor como o detentor desses direitos, conforme  preconizado na Declaração de Budapeste, o movimento pelo acesso livre fere  interesses altíssimos de editoras comerciais, que também estão em busca de  novos modelos de gestão sustentáveis para não perderem o bonde da história. 
No Brasil, a questão se complica ainda mais  porque o Estado é o principal financiador da pesquisa científica, fato que por  si só justifica a ampla e irrestrita publicação do resultado dessas pesquisas  em meios que favoreçam o acesso à informação científica sem barreiras, por se  tratar de um bem público. A publicação desses resultados de pesquisa em meios  de acesso livre é o retorno à sociedade do financiamento que ela propiciou  àquela investigação. 
Conhecimento  científico no Brasil 
  O Brasil  se ressente de políticas públicas efetivas para incentivar o acesso ao  conhecimento. Em relatório publicado em 2010, resultado de pesquisa realizada  entre 2007 e 2010, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à  Informação (Gropai), da Universidade de São Paulo (USP), estudou o  financiamento público na produção de artigos científicos, investigação que se  insere numa pesquisa maior chamada Acesso ao Conhecimento Científico no Brasil.  Ao tratar do modelo brasileiro de acesso livre, o estudo destaca o Portal  SciELO, que com um sólido padrão metodológico contribuiu para a elevação da  qualidade de periódicos brasileiros. Aponta ainda iniciativas para o acesso livre,  que considera discretas, do CNPq (Conselho Nacional de  Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Capes (Coordenação  de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Ibict (Instituto  Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) e Fapesp (Fundação de Amparo àPesquisa do Estado de São Paulo), concluindo que há “um  altíssimo financiamento público à pesquisa científica no país”, realizada em  universidades e centros de investigação públicos, mas o Estado brasileiro  carece de políticas públicas – e de coordenação entre as existentes – que  garantam e protejam o acesso à produção científica.  
Sem  deixar de frisar que as formas de bloqueio ao conhecimento devem ser combatidas  – cabe mencionar aqui o caso da proibição de reprografia para alunos de  ciências humanas, com a retirada do ar do blog Livros de Humanas da USP, em razão de ação judicial movida pela  Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) –, o relatório cita  ainda como componente desse modelo brasileiro a Biblioteca Digital de Teses e  Dissertações do Ibict, o Portal de Domínio Público do Ministério da Educação (MEC)  – que não contempla revistas científicas – e Portal de  Periódicos da Capes, o qual permite o acesso de pesquisadores brasileiros  às publicações internacionais, apesar de as principais publicações desse portal  pertencerem a conglomerados editoriais (Wiley e Elsevier, por exemplo) que  “exercem poder monopólico sobre difusão de resultados – cujo financiamento foi  em sua grande maioria público”, refere o estudo no item 5, Conclusões. O Portal  de Periódicos da Capes gastou, em 2011, R$ 133 milhões na aquisição de conteúdo  eletrônico, proporcionando acesso gratuito à comunidade acadêmica de 326  instituições brasileiras a 31 mil periódicos digitais e 150 mil e-books. 
Garantir  acesso à informação científica, mormente a veiculada em periódicos eletrônicos  de acesso livre, deve estar, portanto, entre as principais preocupações do  Estado, pois se traduzirá em qualificação e formação do cidadão, melhoria, em  consequência, da qualidade de vida e do meio ambiente, além de promoção do  desenvolvimento econômico e social. Isto no que diz respeito à contrapartida  que o financiamento público deve extrair para a sociedade. Há que se ressaltar  ainda a multiplicação da informação científica para os pares daqueles  pesquisadores autores que publicam nesses periódicos de acesso livre, criando a  possibilidade de a ciência dar um salto exponencial em termos de evolução,  inovação, visibilidade e disseminação. 
Paulo Cezar Vieira Guanaes é editor executivo do periódico Trabalho,  Educação e Saúde da Escola Politécnica de  Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz, e mestre em informação e comunicação em saúde  (Icict/Fiocruz). 
Maria Cristina Soares Guimarães é professora-pesquisadora do Programa de  Pós-Graduação em Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz) e doutora em  ciência da informação pela UFRJ. 
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