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                             A  liberação de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos e a  formação de uma onda de lama de aproximadamente 10 metros de altura  deixou um rastro de destruição e morte. Sem falar nas centenas de  desabrigados, 17 mortos e dois desaparecidos. Essas são as  características do maior desastre ambiental da história do Brasil,  como afirmam especialistas ao mencionar o rompimento da barragem da  mineradora Samarco em Mariana (MG), em novembro do ano passado.
 De  acordo com o professor Roberto Luiz do Carmo, do Núcleo de Estudos  de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),  o acidente de Mariana se encaixa no que os especialistas chamam de  desastre ambiental tecnológico, que é quando há ação do homem  por trás das causas do acidente. Fazem parte desse grupo os  acidentes com substâncias químicas, os acidentes nucleares e os  incêndios. Esses eventos se diferenciam dos desastres ambientais  naturais, que ocorrem apenas por ação da natureza, como vulcões,  tsunamis e furacões. 
Há  décadas o mundo tem vivenciado esse tipo de desastre. Um dos mais  conhecidos é o acidente nuclear de Chernobyl, na extinta União  Soviética, ocorrido em 1986. Esse foi o único, até hoje, que  atingiu o nível sete na Escala Internacional de Eventos Nucleares.  Na tentativa de conter o vazamento de radiação, 800 mil pessoas se  arriscaram e acabaram se expondo à radiação. Desse total, 25 mil  morreram e 70 mil ficaram com sequelas graves. 
De  acordo com o Greenpeace, o acidente em Chernobyl levou à morte, por  câncer, cerca de 90 mil pessoas em todo o mundo, sendo a maioria dos  casos de tireoide. O estado físico e psicológico das pessoas  afetadas pela radiação é, ainda hoje, o maior problema de saúde  pública em todo o mundo. Dados do Fórum de Chernobyl apontam que a  Bielorrússia teve 70% de seu território contaminado e que duzentas  toneladas de material radioativo ainda estão na região de  Chernobyl. Os especialistas afirmam ainda que, em acidentes como  esse, a região precisa de pelo menos mais 100 anos para ser  considerada livre de poluição radioativa. 
Carmo,  da Unicamp, lista ainda outros acidentes ambientais tecnológicos que  marcaram a história da humanidade. Em 1979, a aproximadamente 16  quilômetros de Harrisburg, no estado da Pensilvânia, nos Estados  Unidos, um acidente nuclear com o segundo reator da usina de Three  Mile Island expôs aos efeitos da radioatividade cerca de 30 mil  pessoas. O acidente começou após o desligamento do resfriador do  reator onde aconteceu o vazamento. 
Em  1999, é a região de Tokaimura, a 140 quilômetros de Tóquio, que  entra em estado de alerta por conta de um vazamento radioativo na  usina de reprocessamento de urânio, da cidade. Apesar de ter sido  controlado, deixou 55 pessoas contaminadas por radiação, três em  estado grave. Dentre os contaminados, 45 eram funcionários da usina,  três eram bombeiros e sete eram empregados do campo de golfe que  ficava próximo da região do acidente. 
Foi  também no Japão que ocorreu outro grande desastre ambiental, o  acidente nuclear de Fukushima, que misturou a ação da natureza com  questões tecnológicas. Segundo especialistas, esse é o maior  desastre ambiental depois de Chernobyl. O acidente, que ocorreu em  março de 2011, teve início com um terremoto  de magnitude 8,9, cujo epicentro  foi próximo ao litoral do Japão e a poucos quilômetros da crosta  terrestre. 
O  abalo sísmico atingiu uma densa área povoada e com alto  desenvolvimento industrial. A grande maioria das construções, tais  como refinarias de óleo, depósitos de combustíveis, usinas  termoelétricas, indústrias químicas e 14 usinas nucleares,  apresentavam riscos de explosões e liberação de produtos tóxicos  ao meio ambiente. Por conta da falta de energia provocada pelo  terremoto, todos os aparelhos de resfriamento dessas indústrias se  desligaram automaticamente, provocando o vazamento desses produtos. 
Com  isso, houve a necessidade de remoção das populações próximas à  área do desastre, e todo um plano de emergência nuclear foi criado  para reerguer um país devastado. Porém, segundo especialistas em  radiação, as emissões decorrentes do acidente não atingiram  níveis que possam causar danos irreparáveis ao meio ambiente ou à  saúde das pessoas (mesmo para os trabalhadores envolvidos nos  processos de emergência). E no fim de 2011, as restrições de  acesso às áreas atingidas foram canceladas, a população foi  autorizada a retornar a suas residências e todas as regiões  atingidas pelo terremoto foram reconstruídas. 
O  Brasil também integra a lista de grandes desastres naturais  tecnológicos, tanto com acidentes nucleares como vazamentos de  produtos químicos. O mais conhecido deles é o do Césio 137,  ocorrido em 1987, em Goiânia. Na  ocasião, dois catadores de lixo arrobaram um aparelho radiológico  nos escombros de um antigo hospital e encontraram um pó que emitia  luminosidade azul. O objeto levado por eles a outros pontos da cidade  contaminou com material radioativo pessoas, água, solo e ar. O  acidente levou quatro pessoas à morte e centenas de outras  desenvolveram diversas doenças. 
É  possível listar ainda acidentes envolvendo o vazamento de produtos  químicos, como o que ocorreu na Vila Socó,  em Cubatão (SP),  em 1984, quando, por conta de falha nos dutos subterrâneos da  Petrobras, 700 mil litros de gasolina vazaram  nos arredores,  deixando 93 mortos. Outros eventos recentes são os acidentes  no Porto de Santos, em janeiro de 2015 e de 2016. 
Há  também os vazamentos de óleo ocorridos em 2000, em Araucária (PR)  e na Baía de Guanabara (RJ). No caso do primeiro, o  vazamento de quatro milhões de litros de óleo da refinaria  Presidente Getúlio Vargas, afetou o solo local. Já o segundo  acidente, envolvendo um navio petroleiro da Petrobras, provocou o  derramamento de  1,3 milhão de litros de óleo combustível nas  águas da baía. A mancha se espalhou por 40 km² e causou a morte da  fauna local e a contaminação do solo de cidades próximas à baía,  como os municípios de Magé, São Gonçalo, Guapimirim, Niterói,  Rio de Janeiro e Duque de Caxias. 
O  vazamento na baía afetou ainda a vida de milhares de famílias que  dependiam da atividade pesqueira na região. Por conta disso, a  Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro (Feperj) entrou com uma  ação coletiva na Justiça, em março de 2000, cobrando indenização  por danos morais entre R$ 60 e 90 mil para cerca de 10 mil  pescadores. A Petrobras pagou ainda uma multa de R$ 35 milhões para  o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais  Renováveis (Ibama) e destinou outros R$ 15 milhões para a  revitalização da baía. 
Outro  acidente com características semelhantes ocorreu em 2010 na  plataforma  Deepwater Horizon da British Petroleum, no  Golfo do México. O vazamento de óleo provocado pela explosão de um  dos poços da plataforma foi considerado o pior vazamento de petróleo  na história  dos Estados Unidos.  Segundo relatório da empresa, o acidente aconteceu por conta da  união de diversas falhas técnicas na plataforma, falta de controle  da pressão do fluido no poço, seguido pela falha do sistema de  segurança contra explosões, que deveria vedar o poço  automaticamente em caso de perda de controle. Isso levou  hidrocarbonetos a escaparem do poço em um ritmo incontrolável,  gerando uma série de explosões na plataforma, um derramamento de  óleo que demorou 87 dias para ser controlado e a morte de 11  trabalhadores da plataforma. 
O  relatório da BP aponta ainda que o desastre ambiental provocou a  morte de mais de 6.100 aves, 600 tartarugas e ao menos 153 golfinhos,  sendo que muitos desses animais estavam visivelmente manchados de  óleo (220 aves, 18 tartarugas e 8 golfinhos). A punição, nos  Estados Unidos, foi bem mais rigorosa que a aplicada por aqui à  Petrobras: por conta do desastre provocado na região, a petrolífera  BP foi condenada a pagar uma multa de mais de US$ 20  bilhões, dos quais US$ 7,8 bilhões foram para afetados pelo  vazamento e o restante para a recuperação da área atingida. 
Para  a professora  Maria Pilar Rojals Pique, da Faculdade de Engenharia Ambiental da  PUC-Campinas, nesses acidentes e também em casos semelhantes, são  necessários mais de 100 anos para que a natureza se reestabeleça.  “Sempre que ocorrem desastres ambientais como esses citados, a  natureza precisa descansar para se reerguer, e isso leva décadas e  mais décadas, porque se mexe com o solo e com a cadeia alimentar”. 
 Sobre  o acompanhamento dessas áreas e das populações que nelas vivem ou  viveram, cada país tem a sua forma de agir. De acordo com o  pesquisador da Unicamp, os países estrangeiros possuem agências e  pesquisadores encarregados de realizar esse acompanhamento periódico.  Já no Brasil, embora o Ibama e a Cetesb tenham diversas ações de  monitoramento dessas áreas, a fiscalização ainda é incipiente. 
Segundo  os especialistas, o que leva o país a ter tantos registros de  acidentes ambientais é a falta de fiscalização da legislação  ambiental. Para a professora da PUC-Campinas, existe, sim, uma forte  legislação ambiental, porém, “o que não existe é uma  fiscalização eficaz em relação ao cumprimento dessa legislação,  ela é defeituosa”. Ela afirma ainda que é muito comum as empresas  driblarem a legislação em benefício próprio. 
Já  para o professor da Unicamp, o problema vai além da fiscalização.  “Temos normas que preveem a maneira correta de agir, mas falta a  responsabilização aos que não cumprem a legislação”. Carmo  afirma que a origem desses desastres está em uma cultura que não  está preparada para desastres. “A falta de conhecimento e o  subdimencionamento dos riscos da sociedade atual potencializam os  casos e consequências dos desastres naturais”, finaliza. 
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