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 De uma maneira ou outra os mapas sempre  estiveram presentes na vida do homem, mesmo antes de surgir a escrita. Eles  nasceram como uma forma de comunicação gráfica para  registrar informações de itinerários importantes para a sobrevivência humana.  Pontos, linhas e símbolos gráficos eram desenhados em um substrato qualquer  para representar e localizar espacialmente elementos selecionados na realidade,  como ainda se faz hoje.  
Podemos explicar os mapas como sendo uma  fonte de dados espaciais que têm como propriedades básicas mostrar o lugar de  ocorrência e as características (atributos) de algum fenômeno geográfico. Essas  propriedades são inerentes e independem do tipo de fenômeno ou tema que um mapa  representa. Além dessas propriedades básicas existem outras que distinguem os  mapas de um desenho qualquer: (a) Todo mapa mostra elementos selecionados da  realidade através de pontos, linhas e áreas de forma reduzida; (b) Todo mapa  tem um sistema de coordenadas explícitas ou implícitas; (c) Todo mapa  representa uma parte da superfície curva da terra (ou toda ela) em um plano,  utilizando projeções cartográficas; (d) Todo mapa tem um assunto, um lugar e um  autor. 
Em épocas remotas os mapas eram cuidadosamente desenhados por  artistas e, por causa disso, eram restritos a uma pequena camada da população e  muitas vezes guardados como segredo de estado. Nos dias de hoje eles se  tornaram populares. Fazem parte do nosso dia-a-dia na televisão, jornais,  revistas e na internet. Outros mapas, não tão públicos assim, são criados  especificamente para atividades estratégicas da sociedade contemporânea, sendo  verdadeiros sistemas de informação digital espacial. 
O uso público dos mapas acontece com  diferentes objetivos e de acordo com a necessidade ou motivação das pessoas.  Por exemplo, um indivíduo pode buscar nos mapas algo que desconhece totalmente,  outro pode estar procurando a reafirmação de algum conhecimento, e outro ainda  pode estar procurando aumentar seu conhecimento sobre o que já conhece. Não  obstante, o acesso do usuário aos mapas nunca foi tão facilitado à população  como nesse início de século. A responsabilidade por essa revolução é a  internet, ou seja, a rede mundial de computadores, surgida nos anos 1990, a  qual modificou drasticamente as formas de disponibilizar a informação e a  comunicação humana.  
Porém, por mais populares que sejam os  mapas nos dias atuais e que possam ser acessados e vistos pela maioria da sociedade  em diferentes mídias e na internet, existe uma camada minoritária, desprovida  do sentido da visão, que não pode ver e usar esses mapas convencionais. Então,  como seria possível tornar os mapas “visíveis” para as pessoas com deficiência  visual1?  
A elaboração de mapas táteis 
  Se os mapas são importantes ou fazem parte da vida das pessoas  normovisuais, para aquelas impossibilitadas de ver eles são igualmente  importantes para a compreensão geográfica do mundo; eles possibilitam a  ampliação da percepção espacial e facilitam a mobilidade. Para esses usuários,  os mapas precisam ser lidos com as mãos: eles não conseguem ler um mapa  impresso ou disposto na tela de um monitor de vídeo do computador ou do  aparelho de televisão.  
Para serem lidos pelas pessoas cegas os mapas precisam ser  transformados para a forma tátil, isto é, tudo que está em um mapa que é lido  por quem enxerga precisa de alguma maneira ser reelaborado para ser lido pelas  mãos do deficiente visual e compreendido por ele. Além disso, é preciso  considerar as limitações que a ausência da visão gera tanto na confecção quanto  na leitura de mapas, assim como na forma própria de pessoas cegas organizarem e  se apropriarem do conhecimento. 
Existem diversas maneiras de elaborar mapas táteis, mas aqui  explicaremos resumidamente uma das maneiras de confeccioná-los de forma  semi-artesanal. Lembramos que, independente do método, sempre será preciso  utilizar um mapa impresso, ou em meio digital, como referência. O primeiro  passo na elaboração de mapas táteis é saber qual é a finalidade de uso do mapa,  que pode ser para a educação (mapas em escala pequena como aqueles dos livros e  dos atlas) ou para a mobilidade (escalas grandes como aquelas das plantas  urbanas ou de edificações). Isso é necessário para se definir o grau de  generalização cartográfica a ser aplicado no mapa de referência e o meio físico  do mapa tátil, pois ele deve ser lido pelas mãos.  Na figura 1 mostramos, a título de exemplo,  as imagens de dois mapas táteis para a educação, sendo um para pessoas com  baixa visão e outro para pessoas cegas. Esses mapas mostram padrões  cartográficos para o layout e  simbologia, propostos pelo Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar da  Universidade Federal de Santa Catarina. 
    Mapas para deficientes visuais: o colorido é para  pessoas com baixa visão,  e o outro, juntamente com sua legenda, confeccionado  em flex paper,  é para pessoas cegas. 
 
Para gerar o arquivo digital do mapa tátil é usado um programa de  desenho gráfico e efetuado o processo de generalização cartográfica para  aglutinar, aumentar ou deslocar áreas, suavizar linhas, aumentar ou deslocar  pontos do mapa de referência. Quando necessário, além da generalização gráfica  é aplicada a generalização conceitual. Por exemplo, um mapa hipsométrico, que  geralmente apresenta na sua forma convencional de seis a doze faixas de  altitudes, precisa passar pelo processo de generalização conceitual para ser  transformado em três faixas de altitude num mapa tátil, conforme mostrado no  mapa da América do Sul na Figura 1. Desta maneira pode ser compreendido pelas  pessoas cegas. Outros fatores a serem considerados são o tipo de material a ser  usado como substrato do mapa, isto é, o plástico ou papel especial, a clareza  dos símbolos que aparecerão em relevo, a legenda e o layout do mapa.  
Com a imagem do mapa em meio digital pode-se imprimi-lo em papel  cartão e construir de forma artesanal a matriz do mapa tátil. Ela vai ser usada  para reprodução de muitos mapas quando colocada em uma máquina de aquecer  plástico que funciona por sucção e calor. Os relevos dos materiais colados à  matriz são moldados no plástico permitindo que sejam detectados pelo tato.  
Considerando um mapa como um meio de comunicação da informação  geográfica, para atingir seu efeito máximo, não podemos considerar sua produção  e consumo como dois processos separados. Já nos lembrava Antonin Kolacny2  que a criação e utilização de mapas são dois componentes de um processo  coerente (e, em certo sentido, indivisível) no qual as informações cartográficas  originam, são comunicadas e produzem um efeito. Tal premissa foi utilizada para  a proposição de padrões de simbologia cartográfica e de modelos de mapas táteis  no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE), um espaço onde  professores pesquisadores e estudantes se unem para o enfrentamento às  barreiras atitudinais e informacionais impostas às pessoas cegas pela  sociedade.  
Para atingir o objetivo de tornar o mapa um dispositivo de inclusão  social de deficientes visuais, faz-se necessário dar acesso a eles. Por isso,  disponibilizamos na internet os modelos dos mapas criados no LabTATE, assim  como as instruções e outras informações para a confecção dos mesmos. Alguns  exemplos dos mapas táteis padronizados são mostrados na figura 1 e também na figura  2, podendo também ser vistos no portal do LabTATE (www.labtate.ufsc.br). 
  
O uso dos mapas táteis 
  Consideramos que mapas padronizados podem jogar um importante papel  como veículo de informação espacial para deficientes visuais. Sem os mapas esse  grupo social fica limitado a receber informações do espaço geográfico através  de palavras e/ou precisam memorizar longas informações descritivas para acessar  lugares. E, também, para pessoas cegas uma imagem (formada na mente) vale mais  que mil palavras. Portanto, os mapas podem ser mais necessários para essas  pessoas do que para aquelas que podem ver. Eles podem proporcionar acesso à  informação espacial para que esse grupo de usuários possa organizar suas  imagens espaciais internas (estimar distâncias, localizar lugares e objetos), o  que, consequentemente, pode reverter em maior independência e autonomia na  orientação, mobilidade e segurança dessas pessoas. Exemplos de mapas para  mobilidade confeccionados no LabTATE e disponibilizados como imagem na internet  são mostrados na figura 2. 
   Exemplos de mapa tátil para a mobilidade: o mapa tátil da esquerda,  confeccionado  em acetato, é do Terminal Urbano Central de Florianópolis e o da  direita  é um mapa tátil e baixa visão que mostra a área central da cidade de  Florianópolis
 
Apesar de existirem dispositivos dedicados à navegação, como o GPS,  que permite localizar lugares no meio ambiente e auxiliar na mobilidade, ou  mesmo os aparelhos celulares com dispositivo GPS, que permitem ao deficiente  visual receber informações do lugar por onde circula, a preferência por mapas  ainda é grande entre os deficientes visuais. 
Em recente pesquisa Jonathan Rowel3 verificou que deficientes  visuais consideram os mapas táteis como principal dispositivo para obterem  informação espacial. Diversos foram os motivos, apontados pelos deficientes  visuais, participantes da pesquisa, para darem preferência aos mapas antes de  outros dispositivos. Algumas das vantagens dos mapas táteis sobre os novos  dispositivos de informação espacial foram: (a) excelente ferramenta para  reconhecimento, ajudando a planejar visitas a lugares não familiares e a  conhecer mais sobre os lugares após visitá-los; (b) permitem que se estabeleçam  relações de feições, tornando possível localizar referências e rotas  familiares; (c) são as mais compreensivas representações dos mapas mentais, que  auxiliam na orientação, mesmo que não forneçam direções precisas; e (d) o mapa  é um elemento físico que possibilita a leitura e torna mais fácil aprender, se  comparado a memorizar lista de informações verbais descritivas de um lugar. 
Os deficientes visuais apontaram também as dificuldades em  usar mapas táteis: (a) não são fáceis de ler e quando conseguem entender o  conteúdo, nem sempre conseguem ligar o que é representado com o mundo real; (b)  muitos mapas são tão grandes que tornam difícil sua leitura e seu transporte; e  (c) a indisponibilidade de mapas de espaços relevantes.  
Notamos que, no Brasil, o desconhecimento de mapas por parte dos  deficientes visuais deve-se ao fato de eles não disporem de mapas adaptados à  sua leitura na escola, nas ruas ou em qualquer outro lugar. Adriano Henrique  Nuernberg4, diz que os deficientes visuais não têm sua demanda  atendida porque os recursos mediacionais ou instrumentais que lhes permitiriam  elaborar conhecimentos (como os mapas), na maioria das vezes estão dispostos em  formatos e modelos que supõem a condição vidente. Além disso, temos observado  que os educadores envolvidos no processo de mediar o uso do mapa (na sua maioria), não sabem ler  Braille. 
Todavia, não basta ter mapas adaptados aos deficientes visuais. A  mediação pedagógica no processo de ler um mapa é fator determinante para o  entendimento do que foi representado e para o seu significado na realidade. Se  eles, os deficientes visuais, não forem ensinados a usar mapas, não saberão se  apropriar da informação por eles veiculada, e isso não acontece em um só  momento; é um processo ao longo do desenvolvimento espacial do indivíduo, como  afirmam Rosângela D. Almeida e Elza Y. Passini5. Todavia, se ele não  teve acesso aos mapas e já é um adulto, precisa ser ensinado a usar esse  recurso, pois um cidadão alfabetizado deve ser capaz de ler mapas para acessar  informações espaciais no intuito de tomar decisões sobre o espaço. 
É importante reconhecer que a produção de mapas táteis no Brasil é  precária e carente de aporte teórico, metodológico e técnico e,  consequentemente, a disponibilização de mapas pelos organismos ligados à  educação ou à preparação para a vida prática e profissional de deficientes  visuais é incipiente mesmo nas regiões mais desenvolvidas. É nesse sentido que  os esforços no LabTATE vêm sendo efetuados. Modelos de mapas táteis construídos  com rigor técnico, sob a consideração da percepção tátil são acessíveis no  portal desse laboratório e podem ser utilizados para sua reprodução em qualquer  lugar do país. 
Reforçamos a necessidade de conhecer as limitações que a ausência  do sentido da visão confere ao sujeito cego. As peculiaridades da leitura tátil  e o entendimento de como pessoas cegas formam imagens mentais sobre o espaço  ainda são pouco conhecidos pela maioria das pessoas, pelos educadores e também  por aqueles que produzem mapas, principalmente quando o objeto em questão é o  espaço geográfico.  
Pesquisas nesse sentido podem ser conduzidas e divulgadas para  melhorar a comunicação da informação cartográfica nos mapas táteis e na  mediação do uso de mapas de forma a colaborar com a inclusão desse grupo  social. Por ter consciência disso os pesquisadores do LabTATE estão empenhados  no trabalho de divulgação das pesquisas e de extensão que vêm efetuando, e no  ensino de mapas táteis envolvendo geógrafos e deficientes visuais com o intuito  de colaborar para quebrar barreiras informacionais, pedagógicas e metodológicas  que impeçam a participação ativa desses cidadãos na vida social. 
 
 Ruth  Emilia Nogueira é professora  de cartografia básica e temática e escolar. É também coordenadora do LabTATE-  Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar da Universidade Federal de Santa  Catarina. 
 
 Notas e  referências bibliográficas:   
1. O uso dos termos “pessoa com deficiência  visual”, “cego” e “pessoa com baixa visão”, ou a combinação destes termos é uma  opção amparada pelo consenso construído em órgãos representativos das pessoas  com deficiência e pela literatura especializada na área.  
 2. Kolacny, A. (1977).  Cartographic information – a fundamental concept and term in modern  cartography, Cartographica – The Nature of Cartographic Comunication,  Suplement n.1 to Canadian Cartographer, University of Toronto Press, Toronto,  v. 14, p. 39-45. 
 3. Rowel, J. (2007). The end of tactile mapping or a new  beginning: LBS for visually impaired people. In: 23º International  Cartographic Conference, 2007, Moscow. Proceedings do International  Cartographic Conference. Moscow:  ICA 
 4. Nuernberg, A. H.  (2008).Contribuições de Vigotski para a educação de pessoas com deficiência  visual, Psicologia em Estudo,  Maringá, Brasil, jun. 2008, v.13, no.2, p.307-316. 
 5. Almeida R. D.; Passini, E.  Y.  (2001). O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto. 
  
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