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                            10/04/2015
                            
 O  resultado das urnas após eleições presidenciais, em qualquer país que seja, pode  gerar desconforto no governo, se a vitória for de um candidato da oposição ao  atual ocupante da Presidência. Esse desconforto não se caracteriza apenas pelo  clima de derrota que fica no ar, mas também pela perda de força política do  ainda presidente em término de mandato, em contraposição a seu sucessor, que  estará no auge de sua influência política, mas sem poder usá-la até o dia de  sua posse. Essa fase é caracterizada como período de transição, como ocorreu nos  meses que antecederam a passagem da faixa de presidente de Fernando Henrique  Cardoso (FHC), do PSDB, para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
  
  Naquele  contexto, ainda em 2002, Matias Spektor, atualmente professor de relações  internacionais da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RJ) e  colunista do jornal Folha de S. Paulo,  discutiu com um colega sobre a vitória do candidato considerado de  centro-esquerda contra o candidato do então governo considerado por Spektor de  centro-direita, enquanto cursava seu doutorado na Universidade de Oxford, no  Reino Unido. Em meio a suas reflexões, Spektor anotou em um caderno os seguintes  questionamentos: “Qual o efeito dessa transição sobre a política externa?”; “De  que maneira as relações internacionais afetarão esta transição presidencial?”.  Dez anos depois, ele pôde escrever o livro 18  dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush, lançado  ano passado, em que narra, de forma  inédita, a “política por trás da política externa” nesse período de transição,  mesclando artigos e documentos públicos e privados com diversas personagens entrevistadas,  desde diplomatas, congressistas, ministros, assessores presidenciais até os  próprios ex-presidentes brasileiros e Condoleezza Rice, a conselheira de  segurança nacional e ex-secretária de Estado do presidente americano George W.  Bush. As  dúvidas que motivaram o trabalho não surgiram sem fundamento. Apesar do  candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) ter vencido as eleições em outubro  de 2002 com o apoio de 53 milhões de eleitores, ficando atrás apenas de Ronald  Reagan em números absolutos de votos na história das democracias ocidentais,  Lula e sua equipe já sabiam que enfrentariam dificuldades de negociação no  mercado financeiro internacional e precisariam se antever para terem governabilidade.
  
  Entre  as dificuldades, Spektor destacou em seu livro que o “risco-país” disparou de  800 para 2.400 pontos conforme Lula se aproximava da presidência. Ele também  selecionou trechos de matérias de jornais com falas de investidores e políticos  considerados da direita do Partido Republicano, incluindo o próprio presidente  Bush, que “tinham ojeriza a Lula”. Henry Hyde, presidente da Comissão de  Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos chegou a  comentar que “há uma chance real de que Fidel Castro, Hugo Chaves e Lula da  Silva possam construir um eixo do mal nas Américas” (p.12). Se o  contexto nas relações externas era claramente desfavorável ao PT, internamente,  também não era nada positivo para FHC, que terminava o mandato com uma aceitação  pública baixa diante das denúncias de corrupção de seu governo, da crise  energética com o apagão de 2001 e da crise internacional de 1999 que atingiu o  Brasil e desvalorizou o real. Para piorar a situação, Spektor explica que em Wall  Street ninguém sabia se o novo governo assumiria os compromissos com os grandes  bancos, a ponto de os agentes financeiros apostarem contra o real, o que  poderia acabar com o maior legado tucano, a estabilidade da moeda brasileira. Visando  preservar sua imagem na história do país, FHC optou por uma transição amigável  que pudesse aproximar o PT do governo republicano de Bush e minimizar eventuais  danos na economia brasileira, ao invés de jogar contra o adversário recém-eleito  e acabar sendo ferido nesse embate.
  
  O  livro de Matias Spektor resgata esse pequeno fragmento histórico pouco  conhecido da política brasileira em que dois dos principais partidos do país,  um de governo e outro de oposição, por motivações diferentes, se uniram na  busca por um mesmo ideal. Apesar da estrutura do texto propor uma discussão  dividida em 18 capítulos, representando os dias de negociação entre 28 de  outubro de 2002, dia que Bush ligou para parabenizar Lula pela vitória nas  urnas, até o dia 10 de novembro, quando o presidente americano recebeu em Washington  o ainda não empossado presidente brasileiro, o livro vai muito além desse  recorte temporal. Com  texto que deixa a leitura fluída e, por vezes, chega a ser didático, Spektor discute  temas que poderiam interferir na negociação entre os países, como direitos  humanos, política nuclear, crises dos países vizinhos e outros que flutuam de  modo não linear ao longo da narrativa. Sobre a transição em si, o autor  impressiona ao revelar que a parceria das principais forças políticas  brasileiras que se opunham na ocasião começou ainda no período de campanha  eleitoral: “Fernando Henrique buscara aproximar-se de Lula a partir do início  de 2002, quando as pesquisas começaram a apontar sua provável vitória. O  presidente mandara seus ministros da área econômica conversarem com a equipe do  PT e convidara José Dirceu para uma bateria de encontros privados. Dirceu  entrava nos palácios presidenciais pelas portas dos fundos ou no meio da noite  para não ser visto pela imprensa. Esses encontros eram ocasiões de conhecimento  mútuo.” (p.52).
  
  Outros  pontos da narrativa também são surpreendentes, como por exemplo, a caracterização  da própria figura de Dirceu como importante canal de comunicação com os  americanos. A narrativa é costurada por diversas histórias importantes que explicam  o melhor período das relações que o Brasil já teve com os Estados Unidos. Spektor  não deixa de mencionar a necessidade de uma reanálise de como os países devem encontrar  um novo caminho para se comunicarem, devido à relação fragilizada desde que Barack  Obama assumiu a presidência americana e colocada em xeque por Dilma Rousseff após  a revelação de uma possível espionagem dos Estados Unidos sobre seu governo. Por  sua rica pluralidade de vozes, o livro de Matias Spektor se mostra necessário  não só para quem se interessa pelas relações internacionais, mas também para quem  deseja entender mais como são as articulações que ocorrem nos bastidores da  política, no caso, as que permitiram a fala do presidente republicano dos Estados  Unidos para o petista: “Senhor presidente, nesta cidade há quem diga que uma  pessoa como o senhor não pode fazer negócios com uma pessoa como eu. Hoje  estamos reunidos para mostra-lhes que estão equivocados”.
  
  18 Dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o  apoio de Bush 
  Autor: Matias Spektor 
  Selo: Objetiva  
  Ano: 2014 
  298 p.  
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