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                             O jovem chinês Yaqiang Wang acaba  de concluir seu doutorado em bioquímica na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, nos  Estados Unidos. Após se graduar na Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia  e de obter o mestrado no Instituto Wuhan de Física e Matemática, instituições  localizadas na capital da província chinesa de Hubei, Wang passou quatro anos  se especializando em química de proteínas nos Estados Unidos, onde publicou  trabalhos em periódicos especializados como o Journal of the American Chemical Society. Tinha tudo para continuar  por lá. Mas os chineses, que como ele, têm ido estudar em áreas da ciência  básica de ponta nos Estados Unidos, passaram a ver oportunidades promissoras de  carreira científica no retorno à sua terra natal. E os atuais indicadores  chineses de ciência e tecnologia confirmam isso. 
Enquanto a economia chinesa  cresceu, anualmente, uma média próxima dos 10% na última década, os  investimentos da China em ciência e tecnologia (C&T) aumentaram em média  20% ao ano. Antes mesmo de superar o Japão como segunda maior economia do  mundo, em 2010, a  China já havia alcançado o segundo lugar em número de artigos publicados em  revistas científicas, em 2008, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Em  2010, superou a Coreia do Sul, França, Reino Unido e Holanda em número de  pedidos de patentes no âmbito do Tratado de Cooperação de Patentes, da  Organização Mundial de Propriedade Intelectual, e chegou ao quarto lugar,  aproximando-se da Alemanha, Japão e Estados Unidos. Embora seja preciso  relativizar o que na China é gigantesco em termos absolutos, sua ascensão em  C&T é inegável. 
O despontar dessa nova potência  científica e tecnológica, mais evidente em certas áreas do que em outras, tem  sido gradativo ao longo dessas três décadas de abertura e crescimento da  economia. “Desde o início de seu governo, Deng Xiaoping, em discursos no  parlamento, em 1979, já dizia que não existia a possibilidade de avançar sem  investir em ciência e tecnologia”, afirma José Eduardo Cassiolato, do Instituto  de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Projeto  BRICs, uma rede de pesquisa envolvendo os cinco principais países emergentes da  atualidade. “Desde a década de 1980, há um apoio sistemático ao sistema  nacional de ciência, tecnologia e inovação. Os chineses estão colhendo agora os  resultados de 30 anos de investimento em infraestrutura e capacitação de  pessoal”, continua. 
Mas o retorno de pesquisadores titulados  no exterior, como o bioquímico Wang, e os avanços chineses em pesquisa básica  são frutos de um esforço mais recente do governo chinês. “O que há agora é uma  mudança de postura. Os chineses diziam que a pesquisa básica é aquela que é  básica para a população. Não sei o quanto isso é só retórica ideológica, mas o  fato é que o processo de desenvolvimento chinês prescindiu da pesquisa  universitária básica”, explica Cassiolato. A economista da PUC-SP Maria  Cristina Penido de Freitas, autora de “A transformação  da China em economia orientada à inovação”, confirma: “Embora desde a  década de 1980, os programas governamentais chineses contemplassem inovação, só  na segunda metade da década de 1990, em particular com o Programa Nacional de  Pesquisa Básica, a China começou a desenvolver ‘massa crítica’ em pesquisa  básica, mediante investimentos pesados na formação de pesquisadores,  laboratórios, centro de pesquisa etc, bem como na atração de cientistas  chineses vivendo no exterior”. 
Os programas chineses voltados  para C&T nos anos 1980 foram pensados para execução em longo prazo e são a  base para dois saltos da China nas décadas seguintes: o primeiro, no  fortalecimento das pós-graduações e das pesquisas nelas realizadas; o segundo,  na mudança do perfil predominante da indústria exportadora, que primeiramente  impulsionou o crescimento econômico com a venda de produtos que demandavam mais  trabalho do que conhecimento, como roupas e brinquedos, e, mais recentemente,  passou a ter uma forte participação dos itens de alta tecnologia.  
Em 1982, o governo de Deng  Xiaoping lançou o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em  Tecnologias-Chave, executado ao longo de quatro planos quinquenais. E, em 1986,  lançou o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Alta Tecnologia,  que criou 54 parques de alta tecnologia no país. O primeiro surgiu em 1988, na  zona industrial de Pequim, próximo às duas principais universidades chinesas, a  Universidade de Pequim e a Universidade Tsinghua. 
 Prédio principal da Universidade de Tsinghua, na  capital chinesa. Além de figurar entre as 50 melhores do mundo no ranking da Times Higher Education, tem parcerias com  diversas instituições estrangeiras, incluindo a Coope/UFRJ. Foto: Wilhelm  Oliver
   
A capacitação em C&T e o salto na produção científica 
Em termos de formação de pessoal,  o governo chinês investiu fortemente para que pesquisadores chineses estudassem  no exterior. De acordo com Lea Velho, do Departamento de Política Científica e  Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 1980 e 1988,  cerca de 20 mil estudantes chineses de pós-graduação  retornaram titulados dos Estados Unidos. Esse retorno impulsionou os programas  chineses de pós-graduação, fazendo com que o número de doutores formados  internamente na China saltasse de menos de mil, em 1991, para mais de 4 mil, em  1996. A  pesquisadora da Unicamp observa, no entanto, que após os conflitos sociais e o  massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989, a taxa de retorno de  chineses que iam estudar no exterior caiu drasticamente. Dentre os estudantes  que ingressaram no doutorado nos Estados Unidos, em 2002, apenas 8% haviam  retornado à China em 2007. Para reverter esse quadro, o governo chinês lançou  em 2008 o Programa dos Mil Talentos, com vantagens para atrair chineses  titulados no exterior e pesquisadores estrangeiros, ampliadas pelo Plano  Decenal de Desenvolvimento de Talentos, de 2010, que ofereceu laboratórios com  tecnologia de ponta e generosos orçamentos para pesquisa e atraiu Wang e seus  contemporâneos. 
O fortalecimento da pós-graduação  chinesa, que verificou um crescimento de 24% ao ano em suas titulações entre  2000 e 2005, tem reflexo evidente no aumento da participação da China na  produção científica mundial. Segundo dados da National Science Foudation (NSF),  dos Estados Unidos, essa participação era de apenas 0,3% em 1998. Uma década  depois, o número de artigos publicados por pesquisadores chineses ultrapassou a  casa de 112 mil, respondendo por 12,6% da produção mundial. Entre 2004 e 2008, a participação  chinesa ficou acima dos 10% em seis áreas do conhecimento: ciência de  materiais, química, física, matemática, engenharias e ciência da computação. Márcia  Regina Gabardo da Câmara, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), aponta um  relatório da Thomson Reuters de 2011 que  destaca a liderança da China em ciência de materiais. Foram mais de 55 mil  artigos publicados por chineses em um período de cinco anos, ante 38.189 dos  Estados Unidos. Mas a pesquisadora da UEL pondera: “As publicações chinesas,  embora sejam superiores em número, apresentam um índice de impacto inferior às  publicações americanas”. O índice de impacto é calculado pela relação entre o  total de citações e o número de artigos publicados, o que dá uma média de  citações por artigo. Por esse critério de índice de impacto, a China passa para  sexto lugar no ranking, com média de 2,61 citações por artigo, menos da  metade da média de 5,83 dos Estados Unidos. Ainda assim, em números absolutos,  as citações de artigos chineses no período ficaram acima de 140 mil, atrás  apenas da União Europeia e dos Estados Unidos. Muitos são em coautoria com  pesquisadores de outros países. “Os principais trabalhos envolvem grafenos, com  destaque para os russos Andre Geim e Konstantin Novoselov, ganhadores do prêmio  Nobel de física de 2010, que pesquisaram com chineses em seus laboratórios em  2004 e 2005”,  ilustra. 
A evolução do  investimento em pesquisa e a participação da indústria 
Esse destaque da produção  científica chinesa aconteceu em paralelo com o aumento dos investimentos da  China em pesquisa e desenvolvimento na última década. Em 2000, o gasto chinês  com ciência e tecnologia, embora fosse mais do que o dobro do brasileiro, em  termos absolutos, representava 0,9% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Em  2008, o investimento em C&T já era de 1,54% do PIB na China, e em 2009, de  1,7%. A meta do governo chinês é superar a média de 2,1% dos países  desenvolvidos e alcançar 2,5% do PIB em 2020. Essa meta está dentro do Programa  Nacional de Médio e Longo Prazo para Desenvolvimento da Ciência e da  Tecnologia, lançado em 2006 e previsto para execução até 2020. Um de seus  principais pontos é o incentivo à inovação nativa. “Na avaliação do governo  chinês, não basta mais engenharia reversa ou cópia para sustentar o crescimento  da economia em um patamar elevado. Assim, além de priorizar a inovação nativa  original, um dos pontos centrais do plano é capacitar a China para dar saltos  tecnológicos em áreas prioritárias”, avalia Freitas, da PUC-SP. 
Os resultados dessa política  aparecem tanto no aumento da participação dos itens de alta tecnologia na pauta  de exportação da China quanto no aumento vertiginoso das patentes chinesas na  década passada. “O registro de patentes na China e por chineses no exterior só começou  a ser expressivo na década de 2000, porque apenas em 2001 o país aderiu à  Organização Mundial de Comércio. Até então, a lei de propriedade intelectual  era muito falha e não estimulava o registro de patentes”, explica Freitas. A  China saltou de 119 patentes registradas no Escritório de Marcas e Patentes dos  Estados Unidos, em 2000, para 2.657, em 2010. 
Cassiolado, da UFRJ, faz  ressalvas ao uso de patente como indicador de inovação. “O número de registros  às vezes pode ser enganoso. Dez patentes podem representar apenas um produto”,  pondera. “A China usa o escritório de patentes de uma forma mais política. Os  chineses usam o sistema alemão de patenteamento, que dá prioridade para o  modelo de utilidade. Esse aumento das patentes da China corresponde a um  período em que as empresas chinesas passam a ter um peso no mercado global e o  patenteamento faz parte de uma estratégia de concorrência de mercado. São muito  mais patentes de empresas grandes do que especialização chinesa em uma área  específica de pesquisa”, completa. De fato, a instituição que aparece no topo  da lista das que mais registraram patentes em 2011 é a empresa chinesa de  telecomunicações ZTE (Zhongxing Telecom Equipment Corporation). E outra empresa  chinesa do mesmo ramo, a Huawei Technologies, também aparece no ranking das dez  instituições com mais registros de patentes no âmbito do Tratado de Cooperação  de Patentes. 
 Unidade da Huawei Technologies em Xangai. A  empresa nasceu dentro da universidade. Foto: Tim Griffith
   
A ZTE, segunda maior empresa  chinesa de telecomunicações, foi criada em 1985 e conta com oito centros de  pesquisa e desenvolvimento na China e outros seis ao redor do mundo. Já a  Huawei, fundada em 1988 na província chinesa de Guangdong, surgiu como spin off universitário. Com investimento  estrangeiro, a empresa se internacionalizou e expandiu na década passada e, além  de contar com centros de pesquisa e desenvolvimento em Pequim, Xangai e em  outras cidades chinesas, mantém centros de P&D nos Estados Unidos, na  Rússia e na Suécia. A Huawei já se tornou a segunda maior fabricante de  equipamentos de telefonia móvel do mundo. Como a China já demonstrou a sua  força no campo da alta tecnologia, superando Estados Unidos e Japão em 2010,  com a fabricação do supercomputador mais veloz do mundo em termos de  processamento, não será nenhuma surpresa se alcançar a liderança em outras  searas. 
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