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                        |  Ações necessárias rumo a uma nova rota tecnológica: o carro elétrico
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                            Por  
Claudia do Nascimento Martins
 
                             10/11/2015
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		 O  automóvel, tal como a humanidade, é fruto de um processo evolutivo.  Seu predecessor foi o carro puxado por cavalos, no qual foram  instalados uma caldeira e um motor a vapor. Apesar de muitos  concederem ao Fardier, um triciclo construído aproximadamente em  1769 com motor a vapor e com fins militares, o crédito de primeiro  automóvel (Vieira, 2008), não se pode dizer com exatidão o momento  na história em que se deu o início dessa grande invenção. Os  primeiros automóveis que surgiram foram fruto de sucessivas  modificações e adaptações tecnológicas.  
	
		
	
	
		  Até o início do século XX, carros  elétricos, a vapor e a gasolina competiam mais ou menos em condições  de igualdade. Muitos analistas da época acreditavam que cada tipo  iria encontrar o seu próprio espaço de atuação, existindo  indefinidamente. Segundo Freeman e Soete (2008) não havia indícios  de que o motor a gasolina seria preferido, pois as inovações  básicas ocorreram basicamente de forma simultânea. Apesar de os  carros a vapor e elétrico apresentarem um funcionamento mais leve no  início das suas operações, ambos sofriam grandes desvantagens,  como o peso das caldeiras para o carro a vapor, e a baixíssima  autonomia das baterias e o problema de abastecimento para o carro  elétrico. 
	
		
	
	
		 Os  automóveis movidos a gasolina começaram a tomar a dianteira em  termos de popularidade, pois sua autonomia era o dobro de um  elétrico. Em 1908, Henry Ford lança nos Estados Unidos o seu Modelo  T, iniciando a produção em grande quantidade, a preços  decrescentes. Enquanto na Europa o automóvel continuou a ser  produzido em pequenas séries, orientado para os ricos, o crescimento  nos Estados Unidos era sinônimo de produção em larga escala,  preços menores e a criação de um mercado de massa. 
	
		
	
	
		 O  desempenho do carro elétrico tornava-se inferior ao carro a  gasolina. Logo, não existia motivação, tanto de tempo quanto de  recursos financeiros, para persistir no desenvolvimento de uma  tecnologia considerada menos satisfatória, como também não existia  motivação ambiental e de redução de dependência de petróleo,  pois essas questões ainda não se mostravam presentes. Embora em uma  proporção muito menor do que as preocupações ambientais atuais  quanto à emissão de gases poluentes por carros a gasolina no que se  refere à mobilidade urbana, as preocupações da época tratavam da  poluição gerada pelos excrementos dos cavalos utilizados como força  motriz nas grandes cidades (Kemp e Soete, 1990). A  passagem para os carros movidos por um motor, como um meio de  transporte, tornou-se naquele momento um enorme alívio ambiental.  Entretanto, a passagem não foi para um motor elétrico, e sim para  um motor a combustão interna. O  problema tornou-se cumulativo, especialmente após mais de um século,  com milhões de automóveis com motor a combustão interna. 
	
		
	
	
		 O  que ocorreu foi um aprisionamento – lock  in – em relação ao motor a combustão, não porque era considerado  eficiente, mas porque as decisões iniciais foram favoráveis a ele.  A discussão estabelecida é que os ativos complementares que foram  surgindo para dar suporte ao motor a combustão interna  proporcionaram path  dependence,  ou seja, dependência de trajetória passada, indicando que o  paradigma atual do motor a gasolina se mantém devido às ações  ocorridas no passado. De acordo com David (1997) uma sequência de  escolhas econômicas tem como base escolhas anteriores cujas  consequências não são consideradas pelos agentes que tomam  decisões. A existência de determinadas tecnologias se explica pela  história de sua criação, adoção e desenvolvimento, logo, o  formato do futuro é condicionado, evolui e é restringido pelas  decisões iniciais. 
	
		
	
	
		 Foray  (1997) alega que a não existência de uma rede de distribuição de  energia elétrica no final do século XIX foi um dos importantes  fatores que impediram o desenvolvimento dos carros movidos a bateria.  O surgimento de grandes empresas de petróleo, como a Standard Oil e  a Texaco, e a criação de postos de abastecimento fizeram com que,  no final da década de 1920, o carro elétrico tenha se tornado um  produto de importância comercial muito restrita a alguns nichos,  como pequenas entregas urbanas. A indústria do petróleo tornou-se  um ativo complementar de tamanha relevância que talvez seja ainda  mais importante que a própria indústria automobilística.  
	
		
	
	
		 O  início da década de 1990 foi marcado por inúmeras questões de  ordem ambiental e energética, que se somaram à preocupação com a  segurança de suprimento de petróleo e gás natural. Nas grandes  cidades, os problemas ambientais se agravaram com as emissões dos  veículos a combustão interna, de modo que uma ideia com mais de um  século – o carro elétrico – voltou a ser o centro das atenções.  Esses veículos hibernaram devido não apenas a sua pouca autonomia,  mas principalmente devido à inexistência de uma infraestrutura de  abastecimento, que os tornou pouco atraentes aos consumidores. Assim,  algumas ações tornam-se necessárias para difundir esses carros.  
	
		
	
	
		 Subsídios  e incentivos fiscais e infraestrutura de abastecimento 
	
		
	
	
		 Com  a questão da sustentabilidade cada vez mais em pauta nas agendas dos  líderes mundiais, investir em um veículo que não polua, ou que  polua menos que os veículos convencionais, é de suma importância.  Os carros elétricos apresentam vantagens quanto aos custos de  manutenção, pois não precisam de mudanças de óleo, requerendo  limpeza uma ou duas vezes ao ano; e de combustível, pois o custo da  energia elétrica despendida, com um sistema de armazenamento de  energia em baterias, é bastante inferior ao custo do combustível  utilizado por carros com motores a combustão interna, para a mesma  distância percorrida e em condições idênticas de utilização. 
	
		
	
	
		 As  grandes questões que desafiam a difusão do carro elétrico são os  preços não competitivos, dependendo de incentivos e subsídios  governamentais, e insuficiência de postos de recarga da bateria.  Alguns governos como França, Reino Unido, Estados Unidos e Noruega  vêm concedendo subsídios e incentivos fiscais, como também  implementando políticas regulatórias para incrementar os carros  elétricos no mercado.  No Brasil, a Resolução Camex nº 97/2015  publicada no Diário Oficial da União em 27 de outubro zerou o  imposto  de importação para automóveis movidos unicamente a eletricidade ou  hidrogênio, que tinham alíquota de 35% (Camex, 2015). Assim, essa é  uma iniciativa que, além de inserir o país em novas rotas  tecnológicas, poderá nos levar em direção à popularização da  mobilidade elétrica, que ficará cada vez mais acessível ao  consumidor final – no Brasil, atualmente, os carros totalmente  elétricos (especificamente da aliança Renault-Nissan) são vendidos  somente para empresas em frotas institucionais.  
	
		
	
	
		 Quanto  à infraestrutura de abastecimento, a precariedade age como um  empecilho à aquisição do carro elétrico. São necessários  equipamentos de recarga, medidores de consumo e formas de cobrança,  localizados em locais de estacionamento demorado e em vias públicas.  Alguns países vêm apresentando movimentos em direção à criação  de infraestrutura de recarga como Portugal, Holanda e Estados Unidos.  No Brasil, a CPFL Energia  (Companhia Paulista de Força e Luz) iniciou em 2013 o projeto de  pesquisa & desenvolvimento “PA0060 Inserção técnica e  comercial de veículos elétricos em frotas empresariais da região  metropolitana de Campinas”, integrando carros elétricos nas frotas  de grandes empresas da região. O projeto busca o entendimento do  modelo de negócio das distribuidoras de energia com os carros  elétricos e desenvolve competências de provedor, instalador e  explorador de infraestruturas de recarregamento. Em julho de 2015 a  empresa inaugurou dois eletropostos  públicos em Campinas (SP) com planos de ampliar para 30. A companhia  mantém 23 eletropostos como parceira dos projetos-piloto  desenvolvidos pela Itaipu Binacional nas cidades de Curitiba, Foz do  Iguaçu e Curitiba, sem fins comerciais, apenas para pesquisa e  desenvolvimento de novas tecnologias. Outros cem eletropostos  funcionam em prédios e demais dependências, tanto no lado  brasileiro quanto paraguaio da usina. (Informações diretas da CPFL  Energia, 2015; Brasil Econômico, 2015) 
	
		
	
	
		 Parcerias  entre o Estado e a iniciativa privada e o desenvolvimento de uma  matriz elétrica limpa e renovável 
	
		
	
	
		 A  difusão dos carros elétricos tende a beneficiar agentes econômicos  direta e indiretamente envolvidos, pois gera ganhos expressivos para  a indústria automobilística, indústria nascente de baterias de  tração, de postos de recarga e também para o setor elétrico.   Segundo Evans (2004) a parceria implica um grupo concreto de conexões  que ligam o Estado, de forma íntima e agressiva, a grupos sociais  particulares com os quais o Estado compartilha projetos conjuntos de  transformação. Parcerias entre Estado e iniciativa privada vêm  surgindo no Brasil, de forma tímida, com o objetivo de inserir os  carros elétricos em grandes cidades, por meio da frota pública e  também táxis privados nas quais a aliança Renault-Nissan se  destaca, além de projeto de desenvolvimento tecnológico e promoção  de efeito demonstração, com as iniciativas do programa VE da Itaipu  Binacional.  
	
		
	
	
		 A  cooperação, parceria, do Estado com os agentes privados, no caso  com as empresas que estão investindo na produção dos carros  elétricos, é fundamental para promover o desenvolvimento desse meio  de transporte. Embora países europeus e Estados Unidos  disponibilizem incentivos fiscais para os carros elétricos, eles  ainda demonstram pouca atratividade aos consumidores devido,  principalmente, à insuficiente infraestrutura de carregamento.  Nestes termos, os incentivos ao desenvolvimento industrial são  relevantes, mas incluir a criação de uma infraestrutura torna-se  fundamental. O Estado, em cooperação com os agentes privados, deve  criar condições efetivas não somente para o desenvolvimento  tecnológico do veículo, como também para a sua difusão. 
	
		
	
	
		 O  carro elétrico representa uma solução potencialmente viável para  a melhoria do transporte, da segurança climática e da qualidade de  vida da população dos grandes centros urbanos. Consequentemente, a  utilização de fontes renováveis e limpas de energia para a  mobilidade urbana surge como um importante fator para assegurar um  futuro sustentável. São eventos que se relacionam e interagem,  tornando-se um tanto inadequado vislumbrar o carro elétrico sem  associar seu abastecimento com energia limpa. No uso local, ele se  apresenta como uma tecnologia “limpa”, mas depende de outras  fontes de geração de eletricidade que podem não ser.  Na  realidade, mesmo que toda a energia venha de térmica a carvão,  considerada a mais poluente, o uso local do carro elétrico ainda é  menos poluente do que e dos carros convencionais. 
	
		
	
	
		 No  Brasil as grandes usinas hidrelétricas são as principais geradoras  de eletricidade. A maior parte da matriz está concentrada nessa  fonte, e os planos de expansão da geração de energia também  privilegiam a construção de grandes usinas. Apesar de ser uma fonte  de energia limpa, com baixos níveis de emissão de gases de efeito  estufa, elas causam grandes impactos ambientais e sociais. As fontes  renováveis, como eólica e solar, podem e devem ter um papel mais  relevante na matriz energética brasileira.   Entretanto, devido à  limitação inerente dessas fontes limpas – que ora geram energia a  plena carga, ora têm a geração totalmente paralisada por questões  naturais –, a conexão dessas novas fontes energéticas à rede de  distribuição elétrica acaba criando um fator de instabilidade.  Apesar disso, os investimentos em fazendas eólicas e usinas solares  no mundo vêm apresentando crescimento. Preservar os investimentos  realizados no Brasil, principalmente aqueles em fontes renováveis  como hidráulica, é importante, mas estabelecer uma visão  evolutiva, agregando valor com tecnologias e aplicações inovadoras  à rede de energia elétrica, torna-se necessário. 
	
		
	
	
		 O  futuro da mobilidade elétrica caminha junto com o investimento em  novas fontes renováveis de energia. O Brasil é um país  privilegiado por seus recursos naturais, sol abundante e ventos  contínuos em vários pontos, porém visivelmente alheio a essas  fontes de geração de energia. O desenvolvimento das cidades, a  mudança do padrão de consumo aliada às novas formas de  comportamento das sociedades, requerem um novo rumo das políticas  públicas focadas em energia e mobilidade.  
	
		
	
	
		 Conclusões 
	
		
	
	
		 A  viabilidade dos carros elétricos, no Brasil principalmente, depende  de uma conjunção de fatores que extrapolam os fatores técnicos  como o desenvolvimento das baterias, considerando que avanços  tecnológicos em relação ao próprio carro vêm ocorrendo. Na  realidade, são os fatores institucionais que, por meio de políticas  públicas, podem favorecer a infraestrutura de rede e de recarga,  como também por meio de subsídios e incentivos fiscais que visem à  equiparação do preço de aquisição dos carros elétricos aos  carros convencionais.  
	
		
	
	
		 A  mobilidade urbana torna-se, cada vez mais, um pré-requisito para o  bem-estar social e o desenvolvimento econômico, em especial dos  países emergentes, mais carentes de infraestruturas. É neste  contexto que o desenvolvimento e difusão dos carros elétricos vêm  ganhando destaque no cenário internacional, pois de um lado  apresenta-se um novo mercado para a indústria automobilística e, de  outro, encontram-se governos que buscam reduzir a dependência de  combustíveis fósseis e a emissão de gases efeito estufa.  
	
		
	
	
		 Claudia  do Nascimento Martins é doutora em políticas  públicas, estratégias e desenvolvimento (PPED-IE-UFRJ). É mestre  em economia (UFF), economista e professora da Universidade Veiga de  Almeida (RJ). 
	
		
	
	
		 Referências 
	
		
	
	
		 Brasil  Econômico. “Postos  para recarga de veículos elétricos se multiplicam pelo país”.  Disponível em:  <http://brasileconomico.ig.com.br/negocios/2015-07-13/postos-para-recarga-de-veiculos-eletricos-se-multiplicam-pelo-pais.html>  Acesso em: 28 de outubro de 2015. 
	
		
	
	
		 Camex  – Câmara de Comércio Exterior. “Camex  aprova redução da alíquota do imposto de importação para carros  elétricos e movidos à células de combustível”. Disponível em:  <http://www.camex.gov.br/noticias/ler/item/659>   Acesso em: 28 de outubro de 2015. 
	
		
	
	
		 David,  P. A. “Path-dependence and the quest for historical economics: one  more chorus of the ballad of Qwerty”. University  of Oxford: Discussion Papers, 1997. 
	
		
	
	
		 Evans,  P. Autonomia e parceria. Estados  e transformação industrial. Rio de Janeiro:  UFRJ, 2004 
  
 
	
		
	
	
		 Foray,  D. “The dynamic implications of increasing returns: technological  change and path-dependence inefficiency”. International  Journal of Industrial Organization,  vol. 15, 1997, p. 733-752. 
  
 
	
		
	
	
		 Freeman,  C.; Soete, L. A economia  da inovação industrial. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. 
	
		
	
	
		 Kemp,  R. E. & Soete. “Inside  the Green Box: on the economics of technological change and the  environment”. In: Freeman, C. & Soete, L. (eds.), New  explorations in the economics of technological change. London: Pinter, 1990,  p.245-57. 
	
		
	
	
		 Vieira,  J. L. A história do automóvel:  a evolução da mobilidade.  Volume 1. São Paulo: Alaúde Editorial, 2008. 
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