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                             Crianças 
    que moram nas ruas, freqüentam museus de ciência? 
    Crianças que não freqüentam escolas freqüentam, museus 
    de ciência?  
    Crianças que moram em bairros com maior índice de exclusão 
    social, freqüentam museus de ciência? 
    Escutando crianças e jovens , em sua maioria moradores de rua, sobre 
    quais eram seus interesses em um centro de ciências, chegou-se a respostas 
    inusitadas e que demonstraram potencial para a construção de 
    um projeto educacional que reforçasse e motivasse sua freqüência 
    e permanência. 
     
  Contexto 
  Em 1995, 
    a Estação Ciência da Universidade de São Paulo, 
    situada no bairro da Lapa em São Paulo, já detectava a presença 
    de crianças e jovens, aparentemente moradores de rua, mexendo em experimentos 
    e observando de perto a fala dos monitores. Alguns inclusive, bem conhecidos 
    dos seguranças e monitores, apareciam todos os dias, contavam suas 
    histórias e até intervinham nas explicações que 
    a monitoria dava aos escolares.  
  Esse contexto 
    criou a oportunidade de se procurar compreender o que buscavam no espaço 
    do centro de ciências e em como ampliar esse interesse por aprender. 
  A proposta 
    então foi a de criar um diálogo com esse público a partir 
    da experiência de duas educadoras sociais, convidadas a atuar diretamente 
    com as crianças e jovens, iniciando-se um processo de escuta da real 
    motivação da vinda e permanência. 
  Andando pela 
    Estação Ciência e conversando com as crianças, 
    detectou-se que, para elas, o espaço significava: espaço de 
    proteção – dos perigos e conflitos da rua –, espaço 
    de acolhida – alguns monitores eram considerados amigos que ouviam suas 
    histórias de vida –, espaço de aprendizado e curiosidade 
    – “venho aqui para conhecer as novidades científicas, para 
    mexer em computadores, para levar choque e arrepiar o cabelo, para saber como 
    as coisas funcionam”. 
  As crianças 
    e jovens que conversaram nesses primeiros dias com as educadoras, moravam 
    nas ruas, perambulavam pelas imediações e encontravam-se, em 
    sua maioria, fora do sistema formal de ensino.  
  Construção 
  Uma 
    mesa redonda, lápis de cor, canetas coloridas, papel para desenhar 
    e alguns livros infantis, colocada estrategicamente junto à Plataforma 
    Informática criou um espaço de referência. E eles vinham, 
    contavam para outros e traziam amigos, irmãos de rua, amigos de brincadeiras, 
    aventuras e malandragens nas ruas. 
  
    
      Fotos: 
          Divulgação / Projeto Clicar  | 
     
    
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  Em 
    1995, havia apenas três computadores à disposição 
    de todo o público visitante da Estação Ciência. 
    A internet estava dando seus primeiros passos fora do âmbito da universidade. 
    Poucas escolas e apenas as particulares tinham computadores para uso dos alunos. 
    A mesa servia como espaço de conversa e espera pela vez nos computadores. 
    Sempre que chegavam crianças de escola, eles tinham que "dar a 
    vez", e assim iam se formando grupos de crianças que, na espera 
    e, acompanhados pelas educadoras e com apoio de alguns monitores, preenchiam 
    o tempo produzindo lindos desenhos, conversando sobre a vida das ruas, trocando 
    informações sobre os abrigos e lugares para comer, indo à 
    área de física e matemática, voltando com idéias 
    de construir pipa, balão, pedindo para fazer contas ("vamos brincar 
    de escola"), emprestando livros na livraria da lanchonete. 
  Isso foi 
    só o começo. Depois vieram mais computadores, a possibilidade 
    de acesso sem fila de espera com as escolas, o aprendizado com jogos e o uso 
    do computador como espaço de guarda da memória. Sempre que vinham 
    deixavam registrada sua passagem, seu olhar das coisas do mundo da rua, das 
    problemáticas com familiares, o desejo de voltar a estudar e o entendimento 
    das coisas que viam pela Estação.  
  Assim, o 
    Projeto Clicar foi construído tendo como foco a criação 
    de um espaço educativo integrado à proposta da Estação 
    Ciência, atendendo aos interesses dessas crianças e jovens. Incentivando 
    a participação espontânea, não exigindo matrícula 
    prévia e freqüência, privilegiando um atendimento individual 
    realizado por educadores e estudantes universitários e estimulando 
    o acesso a novos conhecimentos de forma lúdica e interativa. 
  Atualmente 
    o Clicar é um programa de ações de educação 
    e cultura digital voltado para a inclusão social de crianças 
    e adolescentes com idades entre 6 e 17 anos que moram ou permanecem a maior 
    parte do dia nas ruas e que freqüentam a Estação Ciência. 
  Tem como 
    princípio o desafio de resgatar o direito à educação 
    e de propor acesso a computadores e internet a um público totalmente 
    excluído dessas possibilidades, oferecendo atividades de arte, leitura 
    e escrita, jogos, teatro, animação digital, fotografia e vídeo 
    digital. Em um espaço especialmente organizado para esse público, 
    contendo computadores, impressoras, webcam, biblioteca, mesas e materiais 
    para jogar, desenhar, pintar, brincar... aprender, estudar, realizar tarefas 
    escolares, ou somente conversar. 
  Já 
    participaram das atividades mais de 2.500 crianças e jovens em situação 
    de risco social e pessoal desde janeiro de 1996. 
  Reconstruindo 
    os caminhos até o centro de ciências   
  Os dados 
    pessoais são obtidos a partir de conversas cotidianas com as crianças 
    e jovens, sem intenção de questionar ou desenvolver uma entrevista 
    formal, e que funcionam como meio de contato inicial para um aprofundamento 
    na relação educador-criança, com o sentido de criar condições 
    de desenvolvimento de atividades educativas dirigidas e significativas.  
   
  Além 
    dos dados que englobam idade, sexo, escolaridade, situação de 
    moradia, relação com família e parentes, situação 
    de trabalho, busca-se conhecer a origem das crianças e jovens. Origem 
    entendida como local de onde eles vêm, de onde partem para vir à 
    Estação Ciência. 
  Ao analisar 
    anualmente os dados gerais pretende-se, além de descrever o perfil 
    dos participantes do Clicar e, portanto, de um segmento expressivo de visitantes 
    da Estação Ciência, compreender a vinda cotidiana e o 
    retorno constante das crianças e jovens.  
  Além 
    de indicar que há um engajamento das crianças e jovens às 
    atividades ofertadas pelo Clicar, esse levantamento permite justificar novas 
    ações e mesmo contribuir para o planejamento e oferta de atividades 
    voltadas para segmentos populacionais em situações sociais desfavoráveis. 
  Uma das questões 
    que se colocam e surpreendem é que essas crianças vêm 
    de bairros longínquos e de cidades circunvizinhas até o centro 
    de ciências. Na maioria das vezes são crianças em situação 
    social desfavorável, morando em locais sem oferta de atividades culturais 
    e de lazer e que, ao circular pela cidade, buscam, além de elementos 
    que vão contribuir para a sobrevivência (espaços de trabalho, 
    "bicos", mendicância), espaços para brincar, de lazer, 
    só para passar o tempo fora de casa, da escola, para construir amizades, 
    vínculos. 
  Nesse sentido, 
    o centro de ciências pode estar diretamente relacionado à integração 
    desse espaço no circuito cotidiano de circulação pela 
    cidade, criando-se assim uma perspectiva abrangente e significativa quando 
    se tem como meta desenvolver ações e processos educacionais 
    de inserção social e de popularização da ciência. 
    Em 2002, refizemos, tendo como referência o Mapa 
    de Exclusão/Inclusão Social construído por pesquisadores 
    da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o caminho 
    pela cidade que fazem algumas das crianças, adolescentes e jovens adultos, 
    que freqüentam espontaneamente o Projeto 
    Clicar. Esse recurso possibilitou indicar a situação social 
    dos distritos de origem dessas crianças e jovens. 
  O Mapa é 
    elaborado por um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade 
    Católica de São Paulo, desde 1998 e procura interpretar a cidade 
    de São Paulo utilizando 47 indicadores sociais. Dentre os indicadores 
    encontram-se: distribuição de renda, mortalidade infantil, mortalidade 
    de jovens com idade entre 15 e 24 anos, oferta de serviços públicos 
    como creche e educação infantil, serviços de saúde, 
    água encanada, transporte, escolas. 
  Ao transpormos 
    e incluirmos os dados de origem das crianças e jovens participantes 
    do Clicar e, portanto, freqüentadores assíduos da Estação 
    Ciência, no Mapa de Exclusão/Inclusão Social da cidade 
    de São Paulo, constatamos que a maioria deles advêm das regiões 
    de maior exclusão social, dos distritos mais miseráveis da cidade. 
  Uma hipótese 
    é que o centro de ciências, por sua localização, 
    entrada gratuita (até janeiro de 2005) e oferta de atividades significativas, 
    pode estar inserido no contexto de circulação de crianças 
    e jovens que vêm de distritos da zona Norte e Oeste da cidade, e de 
    cidades circunvizinhas ou que compõem a Grande São Paulo (Carapicuíba, 
    Osasco, Itapevi, Barueri, entre outras). 
  O fato de 
    crianças e jovens atravessarem grandes distâncias, da periferia 
    absoluta da cidade, dos bolsões de miséria até um centro 
    de ciências, cria a oportunidade de potencializar esse espaço 
    para que funcione como uma ponte real entre eqüidade e educação, 
    oportunidade e aprendizado significativos, desejo e concretização 
    de desejos, atenção, respeito e escuta na relação 
    com um público que demonstra ter descoberto o prazer de aprender e 
    de descobrir suas potencialidades pessoais e seu direito à cidadania. 
  Leia também 
    artigo 
    de Ernst Hamburger sobre a Estação Ciência. 
  Dirce Maria F. Pranzetti, Maria Cecília Toloza e 
    Beatriz Magon P. de Cerqueira são pesquisadoras ligadas ao Projeto 
    Clicar. 
  Referências 
    Bibliográficas 
  1.Huergo, 
    José A. La popularización de la Ciencia y la Tecnología: 
    Interpelaciones desde la comunicación, palestra proferida in Seminario 
    Latinoamericano Estrategias para la Formación de Popularizadores en 
    Ciencia y Tecnología, RED-POP Cono Sur La Plata, maio de 2001 
  2.Spozati, 
    Aldaíza (coord.) Mapa da exclusão/inclusão social da 
    cidade de São Paulo. São Paulo, Editora da PUC-SP, 1996. 
  3. Massarani, 
    L, Castro Moreira, I. de, Brito, F. (org.) Ciência e público 
    caminhos da divulgação científica no Brasil. Casa da 
    Ciência, Editora da UFRJ, 2002, 
    Rio de Janeiro 
  4. Santos, 
    Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade 
    e da diferença. Palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia, 
    Rio de Janeiro, 1995 
  5. Relatório 
    Anual Projeto Clicar/ Estação Ciência USP, São 
    Paulo, 2000/ 2001/2003/2004. 
  6. Santos, 
    Milton. O espaço do cidadão. Editora Nobel, São Paulo, 
    1996. 
  7. Oliveira, 
    Claudia M. A. S. O ambiente urbano e a formação da criança 
    , tese de doutorado a faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade 
    de São Paulo, volume 1 e 2, São Paulo, 2002. 
  8. Cerqueira, 
    Beatriz Magon P. O lúdico e o inesperado para as crianças do 
    Projeto Clicar, trabalho de conclusão de curso (bacharelado em Geografia), 
    FFLCH-USP, São Paulo, dezembro 2003. 
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