Os  planos de edificação da área do Cais José Estelita, na região  central de Recife (PE), podem prejudicar a ventilação natural da  região, criando uma zona de desconforto térmico principalmente na  faixa mais próxima ao solo. Essa é uma das conclusões do trabalho  desenvolvido pela arquiteta Joana Pack Melo Sousa na dissertação de  mestrado "Influência da forma urbana na ventilação natural:  um estudo de caso no Cais José Estelita, Recife", defendido ano  passado na Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do  arquiteto Ruskin Marinho Freitas.
 No  estudo, Sousa utilizou a técnica de fluidodinâmica computacional  com o uso de um aplicativo para simular os fluxos atmosféricos na  presença de diferentes perfis de barreiras físicas. Esse  procedimento é utilizado, por exemplo, pela indústria naval e  aeroespacial para determinar o melhor desenho de navios e naves.  
 O  consórcio Novo Recife pretende, com a construção de 12 torres,  verticalizar o terreno que atualmente é ocupado por armazéns do  antigo cais. A fim de avaliar o possível impacto desse projeto, a  arquiteta utilizou seis configurações distintas do conjunto das  edificações: uma similar ao projeto original do consórcio e  variações com maior ou menor altura dos prédios, distância entre  eles e presença de "porosidades" (afastamento entre os  pavimentos), fatores que dificultam ou facilitam a passagem dos  ventos vindo do mar. 
 Como  se trata de uma cidade sob clima quente e úmido, a circulação de  ar é vital para o conforto térmico. O ar úmido dificulta a  transpiração, importante resposta fisiológica do organismo para  resfriar o corpo. O vento aumenta a taxa de evaporação do suor,  resfriando a pele. Além disso, contribui para a dispersão de  partículas de poluentes em suspensão no ar. 
 De  acordo com o estudo, o afastamento entre os prédios previsto no  projeto imobiliário permite a passagem dos ventos, mas como não há  afastamento no nível das garagens, a circulação próxima ao solo  atrás das edificações é prejudicada. Como consequência, para os  pedestres nas imediações, isso significa maior desconforto térmico.  Além disso, o vento, canalizado para as laterais dos prédios,  também deverá causar desconforto pela maior velocidade devido à  concentração do fluxo do ar nas ruas transversais. 
 A  configuração de edifícios mais baixos permitiu, nas simulações,  uma melhor circulação de ar, mesmo com maior número de prédios em  relação ao projeto original. "Generalizar que a verticalização  é negativa para a cidade não é correto", ressalta Sousa, citando  estudos que mostram que edificações altas podem melhorar a  circulação ao nível do solo na zona em que o vento incide, ao  desviar o fluxo das camadas de ar mais altas para baixo. "Mas a  verticalização não tem sido positiva para Recife, devido à forma  como tem sido feita, ou seja, não são efetuados estudos que  analisem os impactos ambientais e sociais do adensamento permitido  pelo plano diretor, nem das regras estabelecidas por esse plano",  complementa. 
 Entre  as recomendações urbanísticas sugeridas pelo estudo estão a  exigência que projetos de grande impacto demonstrem as alterações  que possam ocorrer no padrão de ventilação do entorno;  substituição de muros por elementos vazados como grades e cercas  vivas; aumento do recuo obrigatório nos pavimentos de garagem,  evitando a constituição de um bloco contínuo de edificações no  nível dos pedestres e estímulo ao uso de pavimentos vazados. 
 Histórico 
 A  região do Cais José Estelita abriga, em uma área de mais de 100  mil metros quadrados, um pátio ferroviário e vários armazéns de  açúcar. Fica entre o bairro de classe média alta de Boa Viagem e o  Recife Antigo, o centro histórico da capital. As instalações  encontravam-se abandonadas pelo poder público quando foi a leilão  em 2008. A compra, realizada por pouco mais de R$ 55 milhões por um  grupo imobiliário formado por consórcio de várias construtoras,  entre elas a Moura Dubeux e a Queiroz Galvão, despertou polêmicas  desde o início, já que o terreno era garantia de dívidas  trabalhistas com os funcionários da extinta Rede Ferroviária  Federal (RFFSA), como noticiou  à época o Diário de Pernambuco. 
 Em  abril de 2012, quando se preparava a demolição das edificações –  antes mesmo da aprovação do projeto, que previa a construção de  sete torres residenciais, duas comerciais, dois flats e um hotel –  pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Prefeitura do  Recife, um movimento de ocupação contra a derrubada dos armazéns  se formou, ficando conhecido como OcupeEstelita.  As críticas centram-se em relação aos possíveis impactos do  projeto em termos de mobilidade urbana e ambiental, além dos usos  alternativos que se poderiam fazer do terreno, como parques e  construções populares, e da falta de transparência por parte do  consórcio e das autoridades nas decisões sobre o projeto. 
 A  reportagem tentou entrar em contato com o Consórcio Novo Recife, mas  não obteve resposta.  
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