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                             Hospedar-se em uma propriedade rural no interior de Santa Catarina com vista para o paredão da Serra Geral, conhecer o cultivo de ostras em um quilombo no litoral de São Paulo ou fazer uma trilha pela Floresta Amazônica no Pará. Essas são opções de viagens para aqueles que querem uma alternativa ao turismo convencional ou de massa, como as praias tradicionais, hospedagem em hotéis e resorts e pacotes turísticos. E não é diferente apenas para o turista. Também é uma forma de proteger o meio ambiente, valorizar a agricultura familiar e trazer melhorias para as comunidades locais. 
  As  atividades turísticas em áreas ecológicas e rurais consolidaram-se  no bojo do discurso ambientalista, que tem como um dos seus  principais marcos a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio  Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972. Naquela década, as  discussões sobre os problemas ambientais causados pelo  desenvolvimento econômico chegam ao turismo, rendendo críticas ao  turismo de massa, agressor da paisagem natural e das culturas locais.  Ao mesmo tempo, a difusão do discurso ambientalista e a vida  estressante das grandes cidades estimulam o interessante dos  viajantes por destinos turísticos que proporcionem experiências de  contato com a natureza e com a vida no campo.
 No  Brasil, é a partir da década de 1980 que a visitação a esses  locais começam a se configurar como novos segmentos turísticos. Em  1987, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), em parceria com o  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais  Renováveis (Ibama), dá início ao primeiro projeto de  regulamentação do setor de ecoturismo, que ganhou visibilidade e  foi impulsionado após a realização no Rio de Janeiro, em 1992, da  Conferência das Nações Unidas para o Meio ambiente, a ECO 92. 
É  também nessa década que o turismo rural começa a se  profissionalizar, inicialmente nos estados de Santa Catarina e Rio  Grande do Sul, em decorrência da necessidade de diversificação das  atividades diante da crise do setor agropecuário. Em 1998, são  elaboradas as primeiras diretrizes para o setor a partir de encontros  entre entidades públicas e privadas. 
Turismo  e sustentabilidade 
As  políticas públicas voltadas para esses setores apoiam-se nas  premissas do desenvolvimento sustentável. Desse modo, nem toda  atividade praticada no meio rural (ou ambiente não urbano) pode ser  considerada turismo rural ou ecoturismo. Segundo o documento  "Ecoturismo:  orientações básicas", do Ministério do Turismo, ecoturismo  é uma "atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o  patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a  formação de uma consciência ambientalista por meio da  interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações".  Já as "Diretrizes  para o desenvolvimento do turismo rural" o define como  "conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural,  comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a  produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural  e natural da comunidade". 
De  acordo com o docente da Universidade de São Paulo (USP) Paulo  Eduardo Moruzzi Marques, no espaço rural ocorrem atividades  turísticas que variam em uma escala entre dois polos: de um lado,  aquelas que desconsideram a população e a cultura local; e do  outro, atividades que valorizam as tradições e o ambiente, seja  agrícola ou ecológico. Entre esses dois polos, existem diversas  modalidades, como o próprio ecoturismo, o agroturismo, o turismo de  aventura, os resorts e hotéis-fazenda. 
Diante  dessa diversidade, o próprio Ministério do Turismo aponta que há  uma confusão entre as definições de cada modalidade, o que pode  levar à descaracterização desse segmento. E esse não é o único  problema. "O grande desafio para o ecoturismo é conseguir  'explorar' a fauna, a flora e até mesmo o modo de viver das  populações locais para gerar benefícios econômicos, garantindo  conservação ambiental e melhorando as condições sociais",  explica Wilker Nóbrega, docente da Universidade Federal do Rio  Grande do Norte (UFNR). Ele também aponta a importância das  políticas públicas, que têm o papel de regulamentar a atividade,  delegando as responsabilidades de cada ator envolvido: empresários,  sociedade civil organizada e o próprio poder público. Quanto maior  o planejamento, menor será a necessidade de políticas de reação  para mitigar algum problema, como o excesso de fluxo de turistas. 
Ecoturismo  na Amazônia paraense 
Outro  papel do poder público é estimular a atividade turística como  forma de diversificar o leque de opções de sustento das comunidades  locais, para não dependerem apenas da agricultura ou do  extrativismo. "Geralmente, quando a política pública aparece é  porque já existe uma ação ocorrendo, mesmo que de forma tímida. A  população começa a perceber que há um fluxo de pessoas em  determinadas épocas do ano, inclusive de estrangeiros", relata  Nóbrega, referindo-se à região da Floresta Nacional do Tapajós,  na Amazônia paraense, onde realizou pesquisas sobre atividades de  ecoturismo. "Então, a população, microempreendedores ou  empresários começam a oferecer serviços por conta própria e,  percebendo que há demanda, procuram o poder público, seja na esfera  municipal, estadual ou federal, pedindo melhorias de infraestrutura,  telecomunicações, saneamento, acesso. É um casamento de  interesses", completa. 
Dentro  da Floresta Nacional dos Tapajós, o docente da UFRN analisou as  atividades de ecoturismo em quatro comunidades do município de  Santarém. Cada uma tinha entre 200 e 400 habitantes e os serviços  de turismo eram oferecidos por uma associação dos moradores, que  possuía uma parceria com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade  (ICMBio). "Havia o interesse de empresas de grande porte em  comercializar a visitação em maior escala. Mas com o acompanhamento  do ICMBio e de organizações não-governamentais que interferiam  diretamente, o fluxo de visitantes acabava sendo controlado, evitando  a atuação de grandes empresas", explica Nóbrega. 
O  pesquisador da UFRN relata um caso em que o ecoturismo ajudou a  contornar uma deficiência do sistema educacional de uma comunidade,  embora não seja a solução ideal. Os recursos financeiros  destinados para o ensino fundamental não chegavam até essa  população, então o salário da professora do ensino fundamental  era pago com o dinheiro proveniente da cobrança de uma taxa de  permanência na região para os turistas. 
Dentre  as atividades oferecidas nessa e em outras regiões da floresta, as  mais comuns são as trilhas, que apresentam vários níveis de  dificuldade. Também há a construção de estruturas que geram pouca  intervenção no ambiente, como mirantes e torres de observação de  pássaros, além do acompanhamento das atividades que a população  desenvolve no dia a dia, como a pesca, a coleta de frutas e a  produção de farinha de mandioca. 
Experiências  de agroturismo 
As  pesquisas de Moruzzi Marques, da USP, na área de turismo rural, têm  como foco experiências de agroturismo. "O que nós buscamos  analisar é em que medida essas atividades de turismo favorecem ou  não a valorização das diferentes funções da agricultura, muito  além daquela meramente produtiva. Como e quais dessas experiências  criam novas oportunidades para os agricultores familiares, mantendo  suas atividades tradicionais e abrindo novos campos para mostrarem  sua agricultura, oferecendo novas oportunidades para que eles sejam  reconhecidos socialmente", explica o pesquisador. 
Uma  das experiências pioneiras de agroturismo no Brasil está na cidade  catarinense Santa Rosa de Lima, situada nas Serras Gerais. Lá,  agricultores familiares de origem alemã oferecem serviços de  estadia em pousadas, café colonial feito com sua própria produção,  venda de produtos artesanais e passeios a lugares próximos de suas  moradias, como atrativos naturais e culturais. 
Os  agricultores dessa cidade e de outras de Santa Catarina que estão  investindo no agroturismo estão organizados em uma associação  chamada Acolhida da Colônia, que disponibiliza um  site na internet com informações para os visitantes. "É  interessante para poder planejar a viagem à região de maneira  bastante independente. Isso permite fugir do turismo de massa, dos  pacotes, abrindo oportunidades para pequenas iniciativas", analisa  Moruzzi Marques. 
Outra  experiência estudada por ele está na cidade de Cananeia, no litoral  sul de São Paulo, onde a comunidade quilombola de Mandira cultiva  ostras, uma das atividades autorizadas dentro da reserva  extrativista. Associada à ostreicultura, os moradores desenvolvem  projetos de turismo, que incluem visitas às instalações da engorda  de ostra e passeios no mangue e nas ruínas históricas. "Evidente  que todas essas experiências têm algum tipo de problema", pondera  o pesquisador, "desde problemas de comunicação e acesso a esses  locais até conflitos entre os moradores quilombolas, em relação à  concepção do projeto". 
Tanto  a comunidade de Mandira quanto o Acolhida da Colônia tiveram o apoio  de políticas públicas, ao menos inicialmente. O quilombo fez parte  de um projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrário para a  constituição de um circuito turístico da agricultura familiar, que  não existe mais. No entanto, os moradores deram continuidade às  atividades e agora fazem parte do Circuito Quilombola no Vale do  Ribeira, organizado sob a forma do turismo de base comunitária, onde  a população local possui o controle sobre seu desenvolvimento e  gestão, revertendo a maior parte dos benefícios para a própria  comunidade.
  Resistência e desafios
  Em Cananeia se destaca outra experiência de turismo de base comunitária, no Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Na Vila do Marujá, os próprios moradores oferecem todos os serviços para os visitantes que querem relaxar na ilha. Esse caso foge à regra, pois lugares visados, como praias, geralmente são tomados por grandes empreendimentos turísticos. Na Praia do Forte, na Bahia, por exemplo, a vila de pescadores desapareceu, dando lugar a um shopping a céu aberto. Situações como essas acabam eliminando os meios tradicionais de sobrevivência dos moradores e criam ambientes onde a “pobreza” não está presente. Além da exploração do potencial turístico dos locais por grandes empresas, há a pressão de outras atividades econômicas. A pecuária e o monocultivo, atividades mais rentáveis, representam uma ameaça para os ambientes naturais ou áreas ocupadas pela agricultura familiar e para vida das populações que moram nessas regiões. Embora o ecoturismo e o agroturismo não sejam capazes de competir economicamente com o agronegócio, eles podem ajudar a estabelecer limites à sua expansão, na medida em que valorizam os modos de vida das comunidades locais, suas atividades de sustento e o meio ambiente.
 
  
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