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                             O  dia 5 de novembro de 2015 marcou o Brasil após o rompimento da  barragem de rejeitos da mineradora Samarco, de propriedade das  empresas Vale e da anglo-australiana BHP. O desastre ambiental  liberou uma enxurrada de lama � estimada entre 50 e 60 milhões de  metros cúbicos � e destruiu o distrito de Bento Rodrigues, na  cidade de Mariana, região central de Minas Gerais. 
 A  estimativa � da consultoria Bowker Associates, especializada na  gestão de riscos relativos às construções desse tipo. Os relatórios são assinados pelo geofísico e doutor em planejamento ambiental  pela Universidade da Califórnia, David Chambers. 
De  acordo com um relatório da ONU, os rejeitos continham materiais tóxicos. A Samarco nega essa  informação. Após o rompimento, o governo de Minas Gerais estima  que mais de 320 mil pessoas foram atingidas de alguma forma pelo rio  de lama. 
Vários  questionamentos foram levantados pelo público leigo nos quase cinco  meses desde a catástrofe. Um dos mais relevantes � se haveria  tecnologia suficiente para prever ou evitar esse tipo de catástrofe. 
A  resposta, talvez chocante, � que o rompimento da barragem do Fundão  era não s� previsível, como poderia ser evitado. A afirmação �  do próprio Chambers, em entrevista � ComCiência.  “Nós temos a tecnologia para a construção de barragens que são  muito mais seguras do que o tipo feito na barragem do Fundão.  Precisamos colocar as considerações de segurança na frente de  considerações financeiras�, comenta o pesquisador  norte-americano. 
De  acordo com o geofísico, represas do tipo jusante (como aquelas  construídas para barragens de abastecimento de água) são as mais  seguras. Construções como as realizadas pela Samarco são feitas  apenas para cortar o custo de operação. 
Reação  � tragédia 
Se  não foi utilizada de maneira preventiva, a tecnologia também tem  papel importante para remediar a situação. At� janeiro deste ano,  a lama havia percorrido mais de 600 km, fazendo do rompimento o maior  acidente com barragens dos últimos 100 anos.Extruder Machine 
O  coordenador do Grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do  Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA), Pedro Jacobi, explica  que a resposta para um acidente de tais proporções deve unir  tecnologia instrumental e social. 
“A  tecnologia tem a capacidade de verificar o impacto de um desastre na  qualidade de água e ambiental, em termos regionais. Esse � um  primeiro aspecto, mas a tecnologia voltada ao uso social também foi  importante, toda a articulação que houve na sociedade civil para  mobilizar diferentes especialistas que se organizaram rapidamente  para dar uma resposta aos problemas causados pelo grau de  contaminação dessa água�, comenta o pesquisador do IEA. 
Mestre  em planejamento urbano e regional pela Harvard University e doutor em  sociologia pela USP, Jacobi acredita que seja fundamental recorrer �  pesquisa e � utilização de novos métodos que estejam “além dos  caminhos da natureza� para reverter os danos causados ao ambiente  nesse tipo de desastre.  
Economia  e danos ambientais 
O  caso da mineração � emblemático não apenas pelo desastre de  novembro de 2015. A atividade retrata de forma interessante a ligação  entre a demanda por tecnologia e seus impactos no meio ambiente. Sem  minerais raros, como tântalo, tungstênio e estanho, seria  praticamente impossível fazer aparelhos eletrônicos funcionarem nos  moldes atuais. Isso mesmo, boa parte dos smartphones, tablets,  notebooks e outros produtos semelhantes precisa dos resultados dessa  atividade para existir. 
David  Chambers � o pesquisador responsável pelo estudo sobre a barragem  do Fundão � e a especialista em gerenciamento de riscos ambientais  Lindsay Bowker  comentam os riscos da conservação de rejeitos no relatório “The risk, public liability & economics of tailings storage  facility failures� (O risco, responsabilidade civil e economia de  acidentes em instalações de armazenamento de rejeitos, em tradução  livre). 
“A  métrica da mineração moderna j� est� bem mapeada: maior produção  da mina � necessária em função das notas baixas do minério, um  século de declínio de preços � compensado pelo declínio de  custos por tonelada�, explicam os pesquisadores. 
Ainda  de acordo com o relatório, essa métrica demanda um desenvolvimento  contínuo, por meio de economia de escala. Ou seja, quanto mais  eficiente � a operação (melhor e maior tecnologia), também �  mais profunda a pegada deixada pela atividade no planeta. 
Por  outro lado, Jacobi comenta o aspecto econômico de dependência pela  tecnologia. "� indiscutível que vivemos em uma sociedade que  demanda recursos naturais. Os recursos foram explorados durante anos  de forma insustentável, hoje tornou-se necessário que eles sejam  explorados de uma forma mais sustentável, mas � uma equação  difícil de ser realizada � pelas próprias características da  forma de exploração�, afirma o pesquisador do IEA-USP. 
O  coordenador do grupo de estudos sobre o meio ambiente ainda argumenta  que os especialistas em mineração deverão focar em formas de usar  novos aparatos e técnicas para que a atividade seja realizada de  forma mais sustentável, mesmo que isso diminua a lucratividade.  "Quando voc� tem uma grande parcela da população dependente  desse tipo de exploração, a soma � extremamente problemática�,  afirma Jacobi. 
Novo  código de mineração 
Os  especialistas ainda apontam que este � um momento chave para que a  sociedade pressione os legisladores. H� mais de cinco anos em  discussão na Câmara dos Deputados, o novo Código de Mineração  deve ser finalmente votado. 
 “Minha recomendação inclui tornar a  construção de barragens como a do Fundão a montante ilegal e  obrigar as empresas a publicar uma garantia financeira para as falhas  catastróficas de barragens�, aponta Chambers. O geofísico diz  ainda que essas duas medidas podem ajudar a reduzir o risco de falha  desse tipo de construção ao mesmo nível das barragens de  abastecimento de água, que chega a ser at� dez vezes menor. 
O  especialista em planejamento urbano da USP acredita que seja preciso  que o Estado tenha maior poder de regulação sobre atividades com  risco tão alto contra o meio ambiente. O déficit de controle e  recursos humanos para que seja feita essa fiscalização torna a  questão ainda mais complexa. “Se a sociedade civil não se  mobiliza, o risco � ainda maior�, alerta Jacobi. 
No  dia 2 de março, foi realizado um acordo entre Samarco, Vale, BHP  Billiton com a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.  Dentre os principais pontos estão o repasse de R$ 4,4 bilhões por  parte da Samarco para recuperação do meio ambiente e atividade  econômica nas regiões afetadas. 
"Este  dia � um marco para todos os envolvidos, uma vez que um acordo �  sempre melhor do que uma disputa judicial. Ele permitir� acelerar as  medidas de remediação do meio ambiente e indenização dos  afetados, complementando todas as ações iniciadas pela Samarco  desde o primeiro momento", comentou Murilo Ferreira,  diretor-presidente da Vale. 
O  Ministério Público Federal questiona o acerto extrajudicial feito  pelas empresas com o governo. Em nota  oficial, afirma que “o acordo prioriza a proteção do  patrimônio das empresas em detrimento da proteção das populações  afetadas e do meio ambiente�. 
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