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 O  apresentador leu seu cartão: “Um relato sobre os principados de  Valáquia e Moldávia, de William Wilkinson, inspirou o mais  famoso romance deste autor”. Os três concorrentes deram suas  respostas; na verdade, suas perguntas às quais o enunciado lido pelo  apresentador era a resposta. Todos acertaram (a pergunta/resposta é  “Quem foi Bram Stoker?” e o romance em questão é Drácula).  Dois dos concorrentes eram multicampeões do programa, acumulando,  juntos, mais de US$ 5 milhões em prêmios ao longo de suas várias  participações; mas foi o novato quem venceu naquela noite de 16 de  fevereiro de 2011, obtendo mais pontos nos dois dias da competição  com suas respostas. No ar desde 1964, Jeopardy!, um game  show com a singular forma de responder com perguntas, teve também  um campeão bem singular: Watson. Um dos concorrentes, Ken Jennings,  ao dar sua resposta, complementou: “Saúdo nossos novos senhores,  os computadores”.
 Batizado  em homenagem ao primeiro CEO da IBM, Thomas J. Watson, o  supercomputador Watson é o sucessor do DeepQA, do qual herdou a  capacidade de entender a linguagem natural – como os seres humanos  se comunicam naturalmente através da fala e da escrita – para  recuperar informações de um banco de dados, ao invés do método  usual de palavras-chave e classificação das respostas ordenadas de  acordo com um índice. 
O  feito de Watson no game show lembra outro, realizado também  por um projeto da IBM, quando o Deep Blue derrotou o então campeão  mundial, o russo Garry Kasparov, em 1997, em uma série de partidas  de xadrez. Mas, comparado à capacidade de entender perguntas feitas  em linguagem natural e buscar respostas a elas, ganhar em um jogo de  tabuleiro é uma realização bem mais simples. 
Por  exemplo, Watson durante o desafio de Jeopardy!, na noite  anterior em que se sagrou campeão, foi apresentado ao enunciado:  “Seu maior aeroporto leva o nome de um herói da Segunda Guerra  Mundial; seu segundo maior aeroporto, de uma batalha da Segunda  Guerra Mundial”. Watson respondeu: “Toronto?”. Errou (a  pergunta/resposta é “O que é Chicago?”, o herói da Segunda  Guerra é o aviador Edward O’Hare e a batalha é a de Midway). 
Mas  que aplicações pode haver na computação cognitiva – que lida  com situações complexas, com informações ambíguas, incertas,  duvidosas e até contraditórias – além de bater campeões de  jogos de perguntas e respostas – ou, no caso, respostas e  perguntas? “O sistema de computação cognitiva da IBM é capaz de  trabalhar com dados estruturados e não-estruturados, levando a  grande flexibilidade no aproveitamento do seu conteúdo”, explica  Fabio Scopeta, líder do IBM Watson para o Brasil e a América  Latina, em entrevista por e-mail. Assim, há um ano e meio, a  corporação resolveu apostar nesse potencial para transformar Watson  em uma unidade de negócios com um investimento de US$ 1 bilhão. O  sistema tem sido utilizado para treinamento de pessoal na área de  saúde, desenvolvimento de soluções ecológicas e auxílio a  cientistas para formular novas hipóteses e investigá-las a partir  da análise e síntese dos terabytes de dados disponíveis em bancos  de dados, como fichas de pacientes e clientes, registros de  funcionamento dos equipamentos de produção, banco de dados  científicos, financeiros e governamentais. 
No  entanto, segundo reportagem do Wall  Street Journal de janeiro de 2014, a empresa tem encontrado  dificuldades para fazer o projeto decolar e atingir objetivos  bastante ambiciosos de gerar US$ 10 bilhões em revendas até 2025,  com U$ 1 bilhão anual a partir de 2018. Até outubro de 2013,  segundo o jornal americano, o faturamento total do projeto estava na  casa de apenas US$ 100 milhões. 
A  IBM, de todo modo, continua firme em seus objetivos. “Em 2014, o  IBM Watson dobrou sua base de clientes a cada trimestre e estendeu  sua atuação para 17 indústrias em 24 países”, diz Scopeta. O  grupo espera expandir a atuação do projeto com o aprendizado de  novos idiomas, entre eles japonês, espanhol e português. 
É  previsto que até o final de 2015, Watson seja capaz de interagir de  forma natural em português brasileiro. “O processo de aprendizagem  de outro idioma por um sistema de computação cognitiva é gradual e  isso não é algo que acontece a curto prazo”, ressalta Scopeta. O  objetivo é treinar o sistema para compreender pelo menos 300 mil  palavras, entendendo tanto a semântica (significados) quanto a  sintaxe (construção das frases). Esse desenvolvimento tem sido  feito junto com o primeiro cliente no Brasil, o Bradesco, por meio de  diversos documentos da instituição – mas sem o uso de dados  confidenciais dos clientes do banco. 
Watson  não está sozinho no mercado para aplicações da computação  cognitiva na exploração de big data não-estruturados. O  projeto Autonomy foi desenvolvido em Cambridge, Reino Unido, por uma  empresa homônima, fundada em 1996 a partir da Cambridge  Neurodynamics, firma especializada em reconhecimento de impressões  digitais por computadores. Após um processo  de aquisição bastante polêmico em 2011, o Autonomy passou a  pertencer à Hewlett-Packard, onde foi desenvolvido o projeto HP IDOL  (Intelligent Data Operating Layer – Camada Inteligente de Operação  de Dados). 
O HP  Autonomy/IDOL utiliza uma abordagem diferente para o tratamento dos  dados. A programação por linguagem natural (NPL) do Watson demanda  um treino extensivo para o reconhecimento de regras linguísticas,  com amplos dicionário e corpus anotados. Para aplicações  comuns, esses dicionários e corpus já estão construídos;  no entanto, para aplicações mais específicas com jargões próprios  de determinadas áreas, como os dados médicos, eles precisam ser  construídos e anotados manualmente. A NPL também pode encontrar  dificuldades com o uso comum, mas não padrão da linguagem, como nos  posts pessoais em mídias sociais (com abreviações, gírias,  ortografia não-convencionais, emoticons e emojis). 
“A  HP IDOL utiliza uma abordagem probabilística, independente da  linguagem para compreender a informação humana, ajustada com o uso  da linguística”, explica Joe Leung, gerente de marketing analítico  da HP, em entrevista por e-mail. Leung completa: “Para textos que  não se ajustam às regras linguísticas padrões, a IDOL enfrenta o  desafio tratando todas as palavras como símbolos abstratos de  significação que existe nos padrões e relações,  independentemente das regras formais da linguagem”. Isso tem  permitido ao projeto da HP, entre outras coisas, a analisar o  desempenho e orientar as ações da Polícia Metropolitana de Londres  através do acompanhamento  automatizado das mídias sociais. 
Mas  não só de grandes corporações, como instituições bancárias, e  clientes governamentais, como departamentos de polícia, tais  projetos viverão. O usuário individual comum também poderá  utilizar serviços gerados por essas plataformas. O projeto da IBM  inclui o Chef Watson que, com base na computação cognitiva, faz  recomendações culinárias para os usuários. “Para chegar nesse  resultado, o sistema leu o banco de receitas da Bon Appétit (um dos  maiores sites de receitas do mundo) e foi treinado para entender as  melhores combinações químicas entre os alimentos e que tipo de  gosto costuma agradar os humanos”, esclarece Scopeta. 65 receitas  inéditas geradas pelo projeto foram compiladas nas 224 páginas do  livro Cognitive cooking with Chef Watson: recipes for innovation  from IBM & the Institute of Culinary Education” (Cozinha  cognitiva com Chef Watson: receitas para inovação da IBM & do  Instituto de Educação Culinária). 
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