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                             No Brasil, pesquisadores têm apostado em tecnologias como  impressoras 3D, Arduino e Raspberry Pi para criar projetos de  acessibilidade para pessoas com deficiência. A previsão é que  essas ferramentas, classificadas como open hardware,  possibilitem a comercialização de próteses e cadeiras de rodas  robóticas de baixo custo. “Estamos tentando sempre usar  equipamentos mais baratos. Porque você pode fazer um robô perfeito,  mas não vai adiantar nada se ele não for acessível”, explica o  professor Eric Rohmer, do Laboratório de Computação e Automação  (LCA) da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) da  Unicamp.
  O Arduino e o Raspberry Pi são microcomputadores que podem ser  programados para rodar diversos softwares e serem usados como  plataforma de prototipagem eletrônica. Já a impressora 3D permite a  impressão de modelos de próteses que podem ser retrabalhados e  aprimorados, nos quais pesquisadores podem trabalhar funções e  programas. Todas essas tecnologias são classificadas como open  hardware ou hardware livre, como o termo é conhecido no Brasil.  O conceito, inspirado no movimento do software livre, trabalha com  licenças livres e lançamento irrestrito de informação sobre o  projeto do hardware. Isso possibilita que qualquer pessoa tenha  acesso ao modo de criação dos equipamentos e tenha a liberdade de  aplicá-lo em diversos projetos.
  No LCA da Unicamp está sendo desenvolvido um protótipo de cadeira  de rodas robótica. Ainda não batizado, sua base é uma cadeira  motorizada comum, que vem com um joystick acoplado. Ele foi  substituído por placas e um novo circuito, e incorporou um Arduino e  um Raspberry Pi na parte traseira. A ideia é que a cadeira se mova  sem manipular o joystick, usando apenas tecnologias como detecção  de movimentos faciais ou detecção do olhar, dependendo do tipo de  deficiência da pessoa.
   O pesquisador Eric Rohmer  apresenta o protótipo de cadeira robótica, que fica no LCA.  Foto:  Sarah Schmidt
  Para isso, a cadeira tem um sensor a laser na parte frontal para a  detecção de obstáculos. Segundo o professor Eric Rohmer, essa  peça, que ele estima custar US$ 10 mil, deve ser substituída por um  Kinect, sensor de movimentos do console Xbox, que custa cerca de R$  500,00. O protótipo ainda tem uma câmera frontal para permitir o  controle remoto da cadeira.
  Interação homem-máquina e sistemas de controle
  A equipe de desenvolvimento do protótipo é formada, além de  Rohmer, pelos pesquisadores Eleri Cardozo (Unicamp), Leonardo Olivi  (Universidade Federal de Juiz de Fora), Paulo Pinheiro (Centro de  Tecnologia da Informação Renato Archer), Ricardo Souza e Amadeu do  Nascimento Júnior. Eles desenvolvem os softwares de comando da  cadeira usando técnicas de interação homem-máquina via detecção  de movimentos e sensores faciais. A ideia é que as técnicas sejam  aplicadas em conjunto para aprimorar a experiência de um usuário  que tenha perdido os movimentos das partes inferior e superior do  corpo. Os sistemas de controle são:
  - Remote Help
  Neste modo, a cadeira eventualmente pode ser controlada por outra  pessoa, via computador. Isso é útil quando o usuário da cadeira se  cansa, ou mesmo não pode controlá-la de forma autônoma. A câmera  acoplada ao protótipo orienta quem aciona o controle remoto. Para  este uso, é importante que a residência da pessoa com deficiência  seja um ambiente automatizado, que permita interagir com os comandos  emitidos pelo controlador.
  - Controle por eletromiografia e expressões faciais
  Neste caso, a cadeira pode ser controlada por gestos como piscadas.  Um capacete com eletrodos detecta os sinais eletromiográficos, ou  seja, aqueles emitidos por movimentos musculares. Cada movimento pode  ser associado a uma direção e comando pré-programados. Já o  controle por expressão facial pode ser feito com a tecnologia  RealSense, da Intel. É possível definir ações que indicarão a  direção que a cadeira deve tomar, como por exemplo, simular um  beijo para mover-se para a frente, meio sorriso para virar a cadeira  para o lado etc.
  - Eye  tracking
  Esse sistema exige que um pequeno  monitor seja acoplado à cadeira, para que a pessoa com deficiência  possa olhar fixamente para uma das opções de exibição da tela,  pois ela rastreia o movimento dos olhos.
  - Shared  control (controle compartilhado)
  Neste caso, o software é  programado para que a máquina auxilie nas escolhas da pessoa,  ajudando nas decisões de movimentos, cálculos de distância etc. O  sistema interage com o ambiente. “Às vezes a pessoa quer chegar  bem próximo da parede para ver um quadro. Geralmente os sistemas  totalmente autônomos não permitem essa aproximação. O nosso  sistema permite que a pessoa chegue perto, mas com segurança. Se a  pessoa está em um local aberto, com espaço, a cadeira irá se  movimentar em uma velocidade maior. Se o ambiente é fechado,  movimenta-se com mais cuidado. A velocidade é definida pela  máquina”, explica o professor Rohmer. O especialista aponta uma  questão importante: para se desenvolver tecnologia assistiva,  máquinas totalmente autônomas não são desejadas. “As pessoas  não querem. Porque seria a mesma coisa que se tivesse alguém atrás  delas, empurrando. Elas não querem isso, mas sim estarem ativas no  controle, dirigir. Isso é muito importante. Não há diferença se é  o robô ou alguém que está levando a pessoa até o local que ela  deseja”, avalia.
  Próteses com impressora 3D
  A impressora 3D também é uma  aliada no desenvolvimento de tecnologias assistivas de baixo custo. A  professora Maria Claudia Ferrari de Castro, do Departamento de  Engenharia Elétrica do Centro Universitário da FEI vem  desenvolvendo estudos nessa linha e atua em um grupo de pesquisa de  processamento de sinais captados do próprio indivíduo.
  A pesquisadora orientou o aluno de  graduação Elídio Falsin Neto na produção de uma prótese  de mão utilizando  prototipagem rápida em três dimensões. O objetivo foi produzir uma  prótese mioelétrica operada através de servomotores e cabos,  buscando a diminuição de custos. Em sua confecção foi usado como  matéria-prima um polímero termoplástico, o acrilonitrila-butadieno-estireno (ABS), que também pode reduzir os  custos do projeto ao chegar ao mercado.
  No momento, a prótese está sendo  aplicada no desenvolvimento e aprimoramento do controle da interface  robótica por meio de sinais mioelétricos (aqueles que provêm da  contração muscular) e podem ser detectados por eletrodos aplicados  na pele. “Fizemos uma primeira versão de uma prótese com  impressora 3D e a junção com um sistema de controle. Fizemos a  aquisição de sinais, através de eletromiografia, o processamento  desses sinais e o controle da prótese. Pretendemos agora melhorar  tanto a parte de design quanto a de processamento do sinal”,  explica a pesquisadora.
   Imagem da primeira versão  da prótese desenvolvida na FEI. Foto: Maria Claudia Ferrari de  Castro/FEI/Divulgação
  O sistema de reconhecimento  desenvolvido sob a coordenação da professora pode ser personalizado  para cada usuário. Isso quer dizer que o usuário precisa ser  treinado por um tempo com o software para ele aprender os padrões de  contrações. “Assim, toda vez que vier aquele padrão de  contração, o sistema atua fazendo determinado movimento na prótese.  O nosso sistema atua em conjunto com o MYO (Myo Gesture Control  Armband). O sistema que desenvolvemos foi feito para aquisição e  amplificação do sinal eletromiográfico, o que permite a  personalização dos padrões de movimento da mão”. Agora, o  projeto da prótese e do sistema devem entrar em fase de testes.  “Estamos procurando voluntários desde o ano passado, mas ainda não  encontramos nenhum. Está difícil”, destacou Castro.
  Seguindo a mesma linha de  prototipagem em três dimensões de próteses, o professor Eric  Rohmer também está trabalhando no projeto Galileo  Bionic Hand,  desenvolvido em parceria com pesquisadores da Galileo University, na  Guatemala. O objetivo é construir uma prótese de mão robótica com  módulos em impressão 3D baseados em modelos de projetos em open  hardware.
 
 A ideia é que a Galileo Hand tenha  movimentos mais precisos que as próteses mecânicas e possa,  inclusive, ter integração com smartphones para a seleção de  módulos de movimentos diferentes. A meta é chegar a uma prótese  que custe, no máximo, U$ 500,00.
  Para efeitos de comparação com o  que o mercado dispõe atualmente, Rohmer cita a BeBionic,  prótese robótica comercial com vários módulos de ativação, com  detecção da atividade muscular. O preço médio dela está entre U$  25.000 e U$ 35.000. “Queremos manter os diferentes padrões de  ativação da BeBionic. Obviamente que não será possível ter todas  as funções disponíveis nela, mas o nosso objetivo é manter um bom  padrão. Estamos pesquisando interfaces de controle para desenvolver  uma mão robótica mais simples a um custo mais acessível”, afirma  Rohmer.
  Tanto Castro quanto Rohmer  pretendem que as pesquisas desenvolvidas com as próteses e com a  cadeira de rodas robótica cheguem ao mercado, mas ainda não há  previsão de quando isso deve ocorrer.
  O que deve vir por aí
  Para Rohmer, o próximo boom da robótica assistiva será o  exoesqueleto. “Podemos chamar o exoesqueleto de ‘cadeira robótica  3.0’. Espero começar a pesquisar essa área em breve”,  sinalizou. O termo ficou famoso por aqui após a abertura da Copa do  Mundo 2014, quando o jovem Juliano Pinto, que não tem os movimentos  dos membros inferiores, utilizou um modelo desenvolvido pelo  neurocientista Miguel Nicolelis para dar o chute de abertura do  evento.
   Imagem do exoesqueleto da  Rewalk. Foto: Rewalk/Divulgação
  Pelo mundo, há outras pesquisas em curso para aprimorar a  experiência de uso do exoesqueleto. No Japão, a empresa  CyberDyne  já comercializa alguns modelos, e nos Estados Unidos, existe o  Rewalk. “Ele supre boa parte do peso e  ameniza o esforço para andar. Dá para usar também em reabilitação,  para quem perdeu o movimento dos membros inferiores ou mesmo por  trabalhadores que precisam fazer um trabalho pesado. No Japão, uma  das maiores necessidades é o cuidado com idosos, que precisam ser  carregados e auxiliados em tarefas. Cuidadores podem usá-lo para  suportar mais peso. Mas o material ainda é muito caro”, finaliza  Rohmer.
 
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