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 Uma  das maiores barreiras de um pesquisador na hora de colocar um projeto  na prática é a burocracia e a falta de financiamento. Os editais  governamentais disponíveis normalmente são muito restritos e  específicos, e projetos que fogem do tradicional comumente são  rejeitados. As plataformas de crowdfunding,  ou financiamento coletivo, são uma oportunidade de mudar esse  cenário, ajudar pesquisadores, e, ainda, promover a comunicação de  tópicos científicos para a sociedade.
 A  ideia é não apenas divulgar a ciência, como também torná-la  participativa, de modo que qualquer um possa contribuir com um  projeto e até receber recompensas por isso. É o que diz a  pesquisadora da Unesp Samantha Sasha de Andrade, que atualmente  realiza um estudo sobre o  tema. “A importância do crowdfunding está na possibilidade de participação da sociedade.  A  quebra das barreiras geográficas e a utilização do meio digital  para a transformação de ideias em algo real, sem mediação, é o  que beneficia a ciência. Em outras palavras, poder contribuir para  um projeto em outro estado, mesmo com uma pequena quantia, e receber  como recompensa resultados de pesquisa, talvez mude a concepção que  se tem de ciência hoje no país”. 
 O  sistema de recompensas é, segundo Andrade, um dos fatores que levam  as pessoas a contribuírem. Porém, as contribuições na área  científica ainda não são tão numerosas como as de outras  campanhas. “O  site  Catarse fez uma pesquisa com seus usuários e uma das questões foi  ‘qual área você tem interesse em contribuir’. O resultado  mostrou que 64% têm interesse em apoiar projetos de educação, mas  apenas 48% projetos de ciência. Isso, para mim, mostra que as  pessoas desconhecem os benefícios e o reflexo que a ciência tem na  sua vida”, complementa a pesquisadora. 
 No Catarse, de 81 campanhas na  área de ciência e tecnologia, apenas 26 obtiveram sucesso. Por  isso, ainda há um longo caminho a trilhar para despertar maior  interesse nas pessoas sobre a área, para que elas percebam a  importância de investir. 
 A  primeira vez da ciência no Catarse 
 Em  2013, foi financiado o primeiro projeto de ciência do Catarse, o  “Genoma do mexilhão dourado”. O objetivo da criadora da  “vaquinha virtual”, uma bióloga da UFRJ, era sequenciar o  material genético de uma espécie de mexilhão que chegou ao Brasil  em navios chineses, extremamente invasiva e danosa para o bioma  brasileiro. Por meio do sequenciamento, a ideia era descobrir como  combatê-la e impedir que se espalhasse ainda mais. 
 A  meta de R$ 40 mil da campanha, cujas recompensas incluíam até ter  seu próprio nome dado a um gene, foi até ultrapassada (R$ 40.736).  Além de incluir as pessoas diretamente na pesquisa, teve como mérito  promover a educação científica. 
 Em  setembro de 2015 foram nomeados os primeiros genes do mexilhão, e a  pesquisa continua – atualmente é financiada pelo governo federal e  por mais 361 pessoas, e pode ser acompanhada pelo site Improviso  Científico. 
 Vaquinha  virtual para outros projetos científicos 
 Foi  inspirado no projeto do mexilhão dourado que o biólogo e professor  da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Marcos Vital, juntamente  com a bióloga Gracielle Higino e a equipe do  Laboratório  de Ecologia Quantitativa da  universidade,  pensaram no projeto “Ciência livre: ecologia e bioestática para  todos”. 
 O  objetivo era conseguir recursos para elaborar e divulgar  gratuitamente material didático sobre a bioestática, matéria que,  pela complexidade, gera dificuldade para alunos de universidades. Os  autores também pretendiam criar e manter um blog sobre divulgação  científica e ecologia, que pudesse ser lido por qualquer pessoa, com  ou sem formação científica. “Queremos  ajudar estudantes e pesquisadores de todo o país, formar bons  cientistas e tornar a divulgação parte da rotina no nosso  laboratório. Esperamos que o blog seja um meio de aproximar as  pessoas da universidade e da ciência de modo geral, e que as ajude a  exercer o pensamento crítico”, diz Higino. 
 Como  o projeto é muito amplo, ele dificilmente se encaixaria nos editais  tradicionais, por isso foi criada uma campanha na  plataforma Kickante. A  campanha terminou em novembro e arrecadou cerca de R$ 10 mil reais. A  meta inicial eram R$ 13 mil, mas como a campanha era flexível (e não  na modalidade “tudo-ou-nada”), eles receberam o valor arrecadado. 
 “O crowdfunding permitiu algo que não aconteceria com um edital de pesquisa  tradicional: envolver as pessoas no projeto desde o início. Todo o  processo de criação da campanha e de comunicação (página no  Facebook, blogs etc) envolveu os alunos do laboratório de maneira  muito intensa, o que é fantástico para a formação deles. E, de um  ponto de vista mais amplo, pudemos já envolver as pessoas que serão  nosso alvo na produção de material didático desde essa etapa do  financiamento”, diz Vital. O projeto pode ser acompanhado pelo Facebook. 
 Outra  campanha no Kickante que chamou atenção recentemente foi a da  neurocientista Susana Herculano-Houzel, dona de um currículo  de destaque – ela assinou, recentemente, artigo publicado na  revista Science.  Mesmo com seu grande reconhecimento,  Herculano-Houzel teve que parar suas atividades no Laboratório  de Neuroanatomia Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro  (UFRJ),  devido à falta de  financiamento do governo. Isso fez com que ela criasse a campanha  “Contribua com a pesquisa científica no Brasil”. Bem-sucedida,  arrecadou mais de R$ 100 mil. Com o valor, pretende retomar os  trabalhos e também realizar palestras gratuitas em universidades de  vários estados. 
 Perspectivas  futuras 
 Para  Samantha Andrade, dois aspectos deixam a desejar no crowdfunding:  a desconfiança do brasileiro nos métodos de pagamento digital e a  falta de regulamentação. “O crowdfunding não possui regulação no Brasil, o que significa dizer que tanto o  doador quanto quem busca o financiamento não possuem suporte legal  (e fiscal) sobre as transações. Isso, aliado à desconfiança da  sociedade em utilizar o meio digital para pagamentos, dificulta o  processo de difusão dessa forma de financiamento”, ressalta. 
 A  pesquisadora explica que, nos Estados Unidos, a plataforma Experiment, exclusiva para  projetos científicos, conta com o apoio de 71 universidades e  facilita o trabalho do pesquisador. “A estrutura do site permite  que o pesquisador disponibilize um projeto – com metodologia,  orçamento, objetivos e justificativas – como o que fazemos para  Fapesp ou CNPq, por exemplo. Lá é ainda mais difícil obter  financiamento para pesquisas por agências financiadoras, e o crowdfunding surgiu como uma grande oportunidade”. 
 O  modelo de crowdfunding,  em geral, é novo, e ainda existe muito a ser descoberto e explorado.  Além de ser uma forma de participação direta da sociedade na  ciência, é uma saída para muitos obstáculos com os quais os  pesquisadores se deparam ao longo de suas pesquisas: burocracia e  restrição de editais, tudo isso somado ainda a uma crise financeira  no país. 
  Marcos  Vital acrescenta que qualquer nova possibilidade de arrecadação de  verba para pesquisa científica é positiva, e pode ser somada aos  meios tradicionais já existentes. “O  financiamento coletivo voltado para a ciência ainda é novidade aqui  no Brasil, mas acredito que, com o avanço na divulgação e educação  científica, mais pessoas se interessarão e entenderão como a  ciência é importante, e, com isso, o crowdfunding pode crescer ainda mais nessa área”, finaliza a bióloga Gracielle  Higino. 
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