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 A  Justiça Federal deu até o fim de janeiro de 2016 para a Agência  Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cumprir as exigências feitas  pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPF/SP), para  reduzir as taxas de partos cirúrgicos na rede particular de saúde.  A ANS deve elaborar uma nova resolução normativa para assistência  ao parto, com multa de R$ 10 mil ao dia em caso de descumprimento.
 Entre  as exigências do MPF/SP estão o cadastramento de obstetrizes e enfermeiras  obstétricas na cobertura dos planos de saúde; remuneração três  vezes maior para a realização de partos normais em relação às  cesarianas; e a elaboração de indicadores e notas de qualificação  para as operadoras de planos privados e aos  hospitais. 
 O  que muda na assistência ao parto na rede privada 
 Com  as exigências do MPF/SP formalizadas em uma resolução normativa, o  consumidor de plano de saúde terá um instrumento legal que lhe  garanta acesso às informações sobre a qualidade do atendimento  prestado pelos profissionais e hospitais credenciados. Um recurso  similar foi implantado recentemente pela ANS por meio da resolução  normativa 368, que facilitou o acesso às taxas de cesárea dos  obstetras. Até então, esta informação não era disponibilizada, e  as gestantes dependiam da indicação de outras pacientes, ou  tentavam levantar estas informações investigando a conduta do  médico por conta própria. Um questionário organizado pelo site Amigas do Parto,  lista de forma bem-humorada uma série de questionamentos que  auxiliam a obter informações sobre a conduta médica do  profissional. 
 Mas  a questão mais significativa, caso a ANS atenda as exigências do  MP, é a inclusão das enfermeiras obstétricas e obstetrizes no  cadastro dos planos de saúde. Este modelo de assistência já é  adotado em países como a Grã-Bretanha, Holanda, Canadá, Alemanha e  países escandinavos, onde a maioria dos atendimentos é realizado  por estas profissionais, havendo encaminhamento para o médico  obstetra somente caso surjam complicações que necessitem de  intervenções.  
 No  Brasil, a atuação das enfermeiras obstétricas e obstetrizes ainda é tímida, mas vem crescendo a cada ano,  em função da procura por partos menos  intervencionistas. Este atendimento se dá, atualmente, por meio  particular ou do SUS. A inclusão no cadastro  nos planos irá contribuir para ampliar a atuação destas  profissionais. 
 As  exigências do MP tocam também num ponto polêmico, que é a  remuneração diferenciada pelo tipo de parto. Esta exigência tenta  compensar a diferença no tempo de atendimento necessário para acompanhar o desenrolar natural de um trabalho de parto, que pode  durar muitas horas, comprometendo a agenda do profissional, que precisa ficar à disposição da  parturiente. 
 O  que ainda precisa ser melhorado 
 Para  Ana Cristina Duarte, obstetriz e coordenadora do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), o credenciamento das  enfermeiras obstétricas e obstetrizes é o ponto que mais terá impacto  positivo na redução das taxas de cesariana, dentre todos os exigidos pelo MP. Para ela, triplicar o valor da remuneração dificilmente resolveria a  questão, pois ainda não compensaria o maior tempo  dispendido para acompanhar o parto normal por um médico. 
 Duarte  chama atenção, ainda, para a falta de regulamentação na questão  da responsabilidade legal pelo parto atendido pela enfermeira dentro  do hospital. O Conselho Regional de Medicina (CRM) considera que,  onde há um médico presente, ele é o responsável legal pelo  atendimento. Sendo assim, no caso de um desfecho ruim num parto  hospitalar ocorrido sob os cuidados de uma enfermeira, a  responsabilidade legal continua sendo do médico plantonista, clínico  ou o diretor clínico. Para evitar este tipo de inconsistência, esse ponto deverá ser  detalhado na resolução normativa.  Caso a ANS atenda às exigências  do MP, terá que contemplar também a questão da remuneração nos casos em que o  a tentativa de parto normal termina em cirurgia, aponta Duarte. Isso é importante pois muitas vezes a cirurgia é realizada após horas de espera de trabalho de parto. Classificar como normal ou cesárea, então, não indicaria a remuneração justa para todos os responsáveis envolvidos. 
 
 Camilla  de Vilhena Bemergui, bacharel em Direito, relata que durante a  gestação chegou a procurar por obstetras do plano de saúde, mas  percebeu que a maioria não tinha experiência no atendimento ao  parto normal, e precisou contratar um profissional não credenciado,  que lhe assegurou o atendimento desejado. Assim como ela, outras  usuárias de plano têm procurado alternativas, por meio da  contratação particular de profissionais (médicos, enfermeiras  obstétricas ou obstetrizes) ou no atendimento pelo SUS em casas de  parto ou hospitais que oferecem este tipo de assistência.  A questão está longe de ser resolvida. Um estudo publicado na Revista de Saúde Pública, fruto do doutorado de Luciano Patah, avaliou a relação entre o modelo de assistência obstétrica em diversos países e a taxa de cesárea. A pesquisa concluiu que as maiores taxas foram de países em que vigora um modelo de assistência tecnológico centrado na figura do médico e no uso de intervenções. Esse é o modelo adotado pelo Brasil, o que indica que mudanças de cunho mais estrutural são necessárias para que haja efetivamente um avanço na questão. 
 Cesáreas e riscos 
 A  decisão da Justiça Federal tem sido considerada pelos profissionais  da área e pelas famílias como um importante passo para reduzir o  número de nascimentos por via cirúrgica sem indicações médicas  reais. A cesariana apresenta riscos, tais como  hemorragia, infecções, reações à anestesia, assim como maior mortalidade materna e neonatal do que o parto vaginal.  Por  este motivo, sua indicação é aconselhada somente em casos muito  específicos.  
 O  estudo ‘Nascer  no Brasil’, coordenado por pesquisadores da Fiocruz, e uma revisão de  estudos de base populacional da Universidade Estadual de Pelotas  levantam a suspeita da existência de uma correlação entre o  crescimento das taxas de cesáreas nos últimos anos com o aumento  nos casos de prematuridade.  
 Para  compreender esta correlação, é necessário entender como é  realizado o cálculo da idade gestacional. O tempo médio é de 40 semanas, que é o período necessário para o bebê estar  completamente formado. Mas este tempo é estimado em função da data  da última menstruação e do exame de ultrassom feito por volta da  12ª semana de gravidez, e apresenta um desvio padrão de mais ou  menos 2 semanas. Ou seja, o que se tem é uma estimativa do tempo ideal, entre a 38ª e a  42ª semana da gestação. Considerando esse desvio, um  bebê com idade gestacional estimada de 38 semanas pode ter, na  realidade, 36 semanas.  
 Desta  forma, suspeita-se que a prematuridade esteja relacionada, principalmente, ao crescimento de cesáreas eletivas, sem indicação,  ou seja, aquelas sem que a mulher  tenha entrado em trabalho de parto. Um bebê nascido fora do início do trabalho de parto poderá apresentar má formações, em especial  no pulmão, que é um dos últimos órgãos a amadurecer, e terá  maiores riscos de apresentar problemas respiratórios. 
 Apesar  dos riscos, a prática da cesárea se difundiu no país. A taxa  nacional média é de 56,74% para partos cirúrgicos (dados do ano de  2013, Sinasc),  enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de  apenas 15%. Este índice varia para cada região, tendo sido maior  para as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. 
 
 
   
 Porcentagens  	de parto normal e cesáreas por região. Em azul, parto normal, com taxas maiores no Norte e Nordeste. Em laranja, a taxa de cesáreas, maior no Sudeste, Sul e Centro Oeste. (Fonte: SINASC, dados de  	2013). 
 
 
 
Esta  taxa, porém, é diferente para partos realizados pelo SUS e pela  saúde suplementar. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com o IBGE, mostrou  que, das mulheres atendidas pelo sistema suplementar,  74,16% agendaram os partos ainda durante o pré-natal. Esta taxa é  quase o dobro daquela do SUS, que  foi de 35,79%. 
O  especialista em análise de dados Roberto Colacioppo, autor do blog Atirei  o Pau no Gráfico, avaliou  os dados de 2012 do Sinasc. Ele encontrou uma tendência de maior  número de nascimentos por via cirúrgica durante a semana (de  segunda a sexta) e nos horários entre 7 – 20 horas, com ligeiras  quedas entre 12 h – 14 h e entre 18 h – 19 h. Ou seja, as cesarianas estão sendo agendadas durante a semana, no horário do  expediente. 
 
 Para  saber mais 
Antes  da Hora: Cesarianas desnecessárias contribuem para o nascimento  de bebês imaturos – por Alice Giraldi e Ricardo Zorzetto (Revista  Fapesp, Edição 228, fevereiro de 2015). 
Parto  Normal vs. Cesárea - (parte 1): a magnitude do problema, por  Dra. Melania Amorim. 
Parto  Normal vs. Cesárea - (parte 2): por que as taxas de cesárea são  tão elevadas no Brasil? por Melania Amorim. 
Parto  Normal vs. Cesárea - (parte 3): principais pretextos para  cesariana sem respaldo científico, por Melania Amorim. 
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