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No dia 5 de novembro de 2015, os termômetros  marcavam 29°C na cidade de Mariana (MG), um pouco acima da  média para uma primavera, mas ainda agradável. Calmo, o município  com cerca de 58 mil habitantes � reduto histórico: foi fundado em  julho de 1696. At� aquela quinta-feira de novembro, seus moradores  nunca tinham enfrentado grandes sustos. At� que às 16h29 do  fatídico dia, a cidade foi tomada de assalto pelo rompimento da  barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues. Era o início do  maior desastre ambiental do Brasil.
  � em Mariana que est� instalada a Samarco, empresa controlada pela  Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. A Samarco � uma entre as  mais de 8 mil empresas que operam atividades de mineração no  Brasil, conforme o Sumário Mineral 2014,  publicado pelo Departamento Nacional de Produção  Mineral (DNPM). Os números da mineração no Brasil são  colossais. Juntas, as companhias listadas respondem por mais de 200  mil empregos diretos, de acordo com dados de um relatório  do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). 
 Em 2014, as exportações do setor mineral brasileiro ultrapassaram  os US$ 34 bilhões, com o ferro ocupando o topo da lista, respondendo  por 75% dos insumos, seguido por ouro (7%) e ferronióbio (5%). “O  Brasil � um player global importante do setor, tanto que sua  produção mineral � uma das maiores do mundo�, sustenta um trecho  do relatório do Ibram. “Cidades e estados são  tão dependentes desse tipo de empreendimento que seu fechamento  traria a imediata falência de muitas prefeituras�, observa o  geólogo Fábio Augusto Gomes Vieira Reis, professor do Departamento  de Geologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp). 
 Perdas ainda estão sendo contabilizadas 
 Ao menos 17 mortes foram confirmadas em razão do desastre, o rio  Doce foi destruído e nascentes foram contaminadas. Além disso,  muito do que se perdeu com a lama tóxica que dominou Mariana e  outros municípios ainda segue imensurável. “Eu  e a equipe do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental  fomos para a região em novembro. Começamos coletando amostras por  Mariana e fomos descendo o rio Doce at� Regência, onde ele deságua  no mar. Na região de cabeceira, próximo a Mariana, vimos os piores  estragos. Foi onde a lama cobriu povoados e onde se registraram as  fatalidades�, conta Andr� Cordeiro Alves dos Santos, professor do  Departamento de Biologia da Universidade Federal de São Carlos  (UFSCar). 
 �O cenário em Bento Rodrigues e um pouco mais  abaixo, em Paracatu de Baixo, � de completa destruição. Nas  margens do rio e em alguns de seus efluentes, a lama cobriu  completamente. Não encontramos nas amostras nenhum organismo, seja  invertebrado ou vertebrado, no leito do rio, nem microrganismos nas  águas. At� abril, a lama depositada na margem tende a continuar  descendo por conta das chuvas. O impacto (ainda) est� acontecendo. Espécies de animais e vegetais que s� existiam ali, por  exemplo, acabaram. Cadeias alimentares foram completamente  destruídas�, continua Santos, da UFSCar. 
 �Contabilizar as perdas do ecossistema, do que  deixou de existir, � tarefa muito subjetiva e complexa�,  acrescenta Ademar Ribeiro Romeiro, professor do Instituto de Economia  da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “As áreas de pesca  e turismo também sofreram impactos severos�, explica. Ele também  alerta que os custos com o tratamento da água e aquisição de água  potável são repassados � população, o que fragiliza ainda mais a  j� grave situação dos afetados. 
 Apesar da tragédia, na opinião de Reis, da  Unesp, “não se deve ter preconceito por esse tipo de  empreendimento de grande importância, inclusive estratégica, para o  país. Segundo o pesquisador, faltam, sim, investimentos em projetos  mais modernos e, especialmente, em projetos de pesquisa e  desenvolvimento por partes de empresas privadas e governos, para que  novas soluções tecnológicas sejam encontradas. “É preciso  melhorar o aproveitamento econômico de rejeitos e a busca por  tecnologias economicamente viáveis para o tratamento e disposição  desses resíduos. O Brasil investe muito pouco em pesquisa,  desenvolvimento e inovação tecnológica�, reclama. 
Foi  acidente? 
 A ideia de acidente,  como algo “casual, fortuito e  imprevisto�, defendida pela Samarco para  se referir � tragédia, tem sido descartada, e dois importantes  fatores contribuem para derrubar essa afirmação. O primeiro data de  2013, quando o Ministério Público Federal emitiu um parecer  alertando para os riscos da barragem de Fundão. Elaborado pelo  promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto,  o documento atesta que “o contato entre a pilha de rejeitos e a  barragem não � recomendado por causa do risco de desestabilização  do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos�. 
 O segundo fator � relativo aos tremores de terra.  No dia do desastre, foram registrados dois abalos no município de  Mariana � de magnitude 2.0 e 2.6. Mas, segundo relatório do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo, as  movimentações foram pequenas e, consequentemente, insuficientes  para culminar em desastre. 
 Desastre, acidente, tragédia. Independente do  termo utilizado para se referir ao que ocorreu em Mariana, atitudes  devem ser adotadas. Para o engenheiro  Daniel Prenda de Oliveira Aguiar, autor da pesquisa “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens �  ISB�, “as principais ações, em curto prazo, devem focar no  reforço do quadro de fiscalização, bem como educação e  comunicação ao público em geral, tanto para as comunidades  afetadas, quanto para aqueles que empreendem atividades de  mineração�, explica. 
 Na visão de Maíra Sert� Mansur, secretária  operativa da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, organização que representa aproximadamente 150 mil pessoas em todo o mundo  vítimas de impactos da mineração, o que aconteceu em Minas Gerais  não foi um caso isolado e sim mais um desastre do setor. �Ao  longo dos anos, temos denunciado muitas tragédias provocadas pela  mineração, em específico da empresa Vale S.A., sobre a vida de  comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas e de  populações urbanas empobrecidas em diferentes partes do Brasil e do  mundo�, esclarece. Segundo ela, as  semelhanças entre narrativas sobre os impactos são o “testemunho  da insustentabilidade de todo o setor da mineração�. 
Ação  de marketing repercute mal 
 Na tentativa de melhorar sua imagem, a Samarco tem  investido em publicidade. Além dos links patrocinados espalhados  pelas plataformas do Google e do Facebook, a companhia lançou, em 15  de fevereiro, durante horário nobre, um comercial intitulado ��  sempre bom olhar para todos os lados�. Ao invés de atores famosos, colocou no ar o rosto de seus  colaboradores em uma espécie de pedido de desculpas. Quatro dias  depois, a Articulação Atingidos pela Vale publicou um vídeo intitulado “É sempre bom olhar para o nosso próprio lado�,  ironizando a campanha da companhia.  “Todo dizer  � um território de incompletudes e, na relação entre o que se diz  e o que se silencia, materializam-se sentidos. A campanha da Samarco  exemplifica essa lógica�,  analisa Fabiano Ormaneze, professor de semiótica da Pontifícia  Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). O especialista  recorda que a empresa se negou a pagar indenizações e, agora, tenta  minimizar os impactos. 
 “Essa  tentativa (de fugir das responsabilidades) aparece na forma de um  vídeo em que funcionários dizem frases de efeito como ‘a gente  amanheceu com essa missão de acolher as pessoas� e ‘a gente  abriu os braços�. Para (tentar) melhorar sua credibilidade,  a empresa  precisa silenciar outros discursos que circulam sobre ela e, para  isso, usa construções que têm respaldo social�,  avalia. 
 Qualidade  da água ainda causa confusão 
 �São 63 milhões de metros cúbicos de lama  distribuídos por cerca de mais de 1000 km²”, dimensiona Santos,  professor da UFSCar, a respeito do rejeito que se espalhou por todo o  curso do rio Doce. Entre os municípios atingidos est� Baixo Guandu,  no Espírito Santo. Dias após o rompimento da barragem, o prefeito  da cidade, Neto Barros, ironizou: “Encontramos praticamente  a tabela periódica inteira na água�, referindo-se aos resultados  das amostras de água coletadas na região. 
 Felizmente, a declaração de Barros foi  exagerada, j� que a Agência Nacional de Águas (ANA) informou não  ter encontrado diferença na água aferida em 2010 e naquela  analisada após o rompimento. Mas  amostras coletadas em diversos pontos do rio e analisadas por  instituições de pesquisa independentes apresentaram concentrações  de metais tóxicos acima do que � caracterizado como seguro pela  legislação, como o arsênio e mercúrio em vários pontos do rio. 
 �Dizer que um rio não tem contaminação a  partir de umas poucas amostras retiradas de alguns poucos pontos �  tão temerário como dizer que h�. Sabemos que, como a  mineração na região � antiga, sua bacia e seus corpos de água j�  têm concentrações de metais tóxicos maiores do que se comparadas  a bacias não impactadas�, afirma Santos. Segundo ele, o resíduo que vazou da barragem tem altas concentrações de ferro  (por se tratar de uma mineração de ferro) e alumínio (por ser um  dos principais componentes do solo). “Além disso, como qualquer  resíduo de mineração, também tem altas concentrações de outros  metais quando comparada a solos de lugares sem mineração, pois são  subprodutos extraídos da rocha no processo�,  completa. 
 Santos lembra que a presença de metais tóxicos  não significa que a água est� automaticamente imprópria para  consumo. “Quer dizer que o risco da população que vai consumir  essa água � maior se comparado a uma população que recebe água  de bacias não impactadas�,  sintetiza o pesquisador da UFSCar. 
 Transtornos  serão sentidos por muitos anos 
 Além dos  impactos econômicos diretos que ocorreram e ocorrerão em menor ou  maior grau na pesca, na captação de água para consumo humano e  para pecuária, existem os impactos indiretos em retirar das  populações ribeirinhas sua condição de subsistência e seu  contato com o rio, o que causa profundas alterações sociais e  culturais. “O  impacto na vida das pessoas daquela região � imenso e difícil de  mensurar em curto prazo. Talvez s� tenhamos uma ideia clara depois  de alguns anos�,  analisa Santos. 
 A bacia do  rio Doce j� vinha sofrendo com uma série de impactos ambientais  ocasionados pelo lançamento de esgotos doméstico e industrial,  desmatamento da vegetação nativa, processos erosivos, dentre outros  impactos que praticamente todas as bacias hidrográficas têm  sofrido. 
 De acordo com Santur, da Articulação Atingidos pela Vale, após o  desastre, se observou uma maior abertura para pautar o tema da  mineração como um debate nacional e não apenas como um caso  isolado na região de Minas Gerais e Espírito Santo. “Acreditamos  que o caso do rompimento da barragem do Fundão � exemplar para se  discutir os impactos da mineração em grande escala nos territórios,  na natureza, na economia e na sociedade�,  comenta. 
 Reis, da  Unesp, avalia que passou da hora de a sociedade notar que os impactos  ao ambiente voltam como um bumerangue. “Devemos  entender que � mais barato, a longo prazo, atuar de forma  responsável com o ambiente. Muitas vezes, os benefícios, no curto  prazo, não compensam os prejuízos no longo. Somente conseguiremos  buscar soluções realmente adequadas com investimento pesado em  inovação científica e tecnológica, questão ainda incipiente no  país�,  conclui. 
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