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 Segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Senado Federal, a opinião de quase 90% dos  entrevistados é de que a maioridade penal deve ser reduzida no Brasil. Um  resultado parecido com esse é provável de ser alcançado em qualquer roda de  conversa informal quando o assunto vem à tona. Afinal, as pessoas estão perplexas  e frustradas com o fato de que cada vez mais pessoas aparentemente adultas  cometem crimes e, no final das contas, não têm a retribuição adequada para o  crime que cometeram, sendo tratadas de maneira "privilegiada" pela justiça. 
Essa atitude quase unânime pode ser explicada por duas  teorias influentes da psicologia: a Teoria de Atribuição do Comportamento (formulada  pelo psicólogo austríaco Fritz  Heider em 1958), que se refere à maneira como as  pessoas fazem inferências explanatórias sobre o próprio comportamento ou de  outros, e pela Teoria da Mente (desenvolvida pelo psicólogo  britânico Simon Baron-Cohen e colegas e publicada em 1985), que é a  habilidade de atribuir estados mentais para outras pessoas através da  observação do comportamento e pela analogia com nossos próprios estados mentais.  No caso de um crime cometido por um adolescente, as evidências imediatamente  disponíveis são incompatíveis com o tratamento diferenciado recebido pelo  perpetrador do crime. Afinal, o senso comum é que o amadurecimento das  características sexuais secundárias que ocorre na puberdade significa que o  sujeito já é "adulto".  Além disso, o  processo de inferência da causalidade do crime é enviesado pela expectativa das  pessoas em relação à capacidade do cérebro adulto em escolher entre o certo e o errado. Existe  também uma tendência de atribuir à origem do comportamento negativo (ou falhas), de outros, a causas internas e não externas (o inverso é verdadeiro no caso de  comportamento positivo, ou sucessos). 
  Entretanto, existe uma dissonância entre a maturidade sexual  e cerebral dos indivíduos. Enquanto a maturidade sexual indica que o sujeito  está apto para reproduzir e ocorre no início da adolescência, o cérebro  continua amadurecendo durante toda a adolescência, até os primeiros anos da  segunda década de vida, principalmente nas suas regiões parietal e pré-frontal. 
  A região pré-frontal do córtex cerebral controla as  chamadas funções executivas, que têm o papel de gerente  cognitivo do nosso comportamento e pensamentos. O córtex pré-frontal é excepcionalmente  desenvolvido em seres humanos, mesmo quando comparada com outros primatas. Essa  diferença é utilizada para justificar o repertório cognitivo diferenciado de  seres humanos, que não encontra paralelo em outros animais. 
  Devido à complexidade das suas funções uma boa parte  do amadurecimento do córtex pré-frontal ocorre em um longo período de interação  com o ambiente durante a adolescência, chamado de período crítico de  plasticidade. Neste período, o ambiente molda facilmente as conexões sinápticas  entre os neurônios, preparando os circuitos cerebrais para as demandas da vida  adulta. A adolescência é um estado transicional caracterizado psicologicamente  pela imaturidade das funções executivas. Essa característica transicional não  implica que o adolescente é um adulto imperfeito. Pelo contrário, o estágio de  amadurecimento das funções executivas é adequado para que o cérebro se  beneficie o máximo possível das interações com o ambiente. Tome como exemplo  uma das funções executivas, o controle da impulsividade. A impulsividade do  adolescente, associada com o comportamento de risco típico dessa idade, além  dos efeitos negativos óbvios, como aumento na taxa de mortalidade, exposição a  doenças sexualmente transmissíveis etc, também traz o benefício de aumentar as  oportunidades de interação ambiental e social, que contribuem, por sua vez,  para produzir um cérebro mais eficiente em lidar com os desafios cognitivos da  idade adulta.  
  Existem várias evidências científicas de que existe  uma tendência de alongamento do período da adolescência em seres humanos.  Primeiro, o amadurecimento do córtex pré-frontal está levando mais tempo para  ocorrer, provavelmente pela ação de fatores ambientais, através de mecanismos  epigenéticos (aqueles resultantes de  interações entre genes e ambiente).  O termo epigenético se refere a modificações na expressão gênica que ocorrem  sem mudança na sequência do DNA, através da metilação do DNA, expressão de micro RNA,  ou modificação das histonas, que são proteínas que "empacotam" o DNA.  Além disso, a puberdade está acontecendo mais  cedo, tanto para meninas como para meninos. 
  Essas considerações sugerem a importância das  políticas judiciárias do país serem informadas sobre questões do  desenvolvimento do sistema nervoso. Afinal, as transgressões do código penal são  cometidas através de decisões tomadas por um sistema extremamente complexo, mas  imperfeito, o cérebro. As penas atribuídas pelo sistema judiciário são baseadas  no pressuposto da competência mental para a tomada de decisões. Neste artigo  fica claro que essa competência em adolescentes está comprometida, não porque o  cérebro adolescente é mais imperfeito do que o adulto, mas por causa dos requisitos  para o desenvolvimento adequado das competências cognitivas. Cabe à sociedade  zelar pelo andamento adequado do processo, proporcionando aos adolescentes um  ambiente enriquecido em termos sensoriais, cognitivos e sociais e, no caso de  criminosos juvenis, impedir que a susceptibilidade plástica do cérebro  adolescente seja influenciada por estímulos negativos presentes em instituições  penais destinadas a adultos. 
Antonio Pereira é doutor em  biofísica e professor associado ao Instituto do Cérebro, da Universidade Federal  do Rio Grande do Norte (UFRN). 
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