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 Escrevi sobre  multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, em dois outros textos (Pires,  1996; Pires, 1998), e sobre transdisciplinaridade no último. Nesses textos,  sempre tratei esses temas – e suas implicações na educação e no ensino – como  provisórios, pois considero-os conceitos em permanente construção. Nesta nova  oportunidade de voltar a esses temas, retomo algumas das considerações dos  textos anteriores e trago novas reflexões, resultado de mais estudos e  experiências sobre eles. 
A primeira consideração a fazer é a necessidade, que  sentimos já há algum tempo, de integração entre as disciplinas dos currículos escolares.  Mas, como sabemos, em todos os níveis de ensino no Brasil, temos uma  organização curricular fragmentada e desarticulada. Parece que nossos currículos  escolares são constituídos por compartimentos estanques e incomunicáveis, que resultam  num esforço de formação de alunos e professores também tão fragmentada que nos  parece insuficiente para o desenvolvimento cotidiano de práticas sociais que,  cada vez mais em nosso mundo moderno, exigem formação mais crítica. 
Já nos momentos anteriormente citados, desenvolvi  reflexões sobre esse caráter fragmentado e desarticulado de organização  curricular na educação escolarizada no mundo atual. Segundo essas reflexões,  podemos identificar a origem dessa prática de organização curricular – de fato,  na prática de organizar toda a vida moderna de forma fragmentada e  desarticulada – na exigência de formação dos indivíduos que a sociedade  moderna, com suas formas próprias de organização social, trouxe às instituições  educacionais, inclusive à escola em todos os níveis. 
Do ponto de vista histórico e social, a origem da  fragmentação da vida em todas as suas dimensões, ou seja, a forma como a  modernidade organiza todas as relações sociais, pode ser compreendida pelo  estudo das relações de produção de nossa sociedade, isto é, a sociedade capitalista.  A sociedade moderna é a sociedade capitalista, que, pela forma histórica como  organizou – e ainda organiza – as relações sociais, traz processos de ruptura e  alienação do próprio gênero humano enquanto tal. Isso significa dizer que o  modo de produção capitalista, que é o modo de organização de nossa sociedade,  é, em si, um modo de produção que fragmenta os sujeitos sociais, pelos  processos de exploração e alienação do trabalho a que os submete. 
Embora não cabendo aqui um estudo  mais aprofundado sobre as características desse modo de produção, para  compreendermos suas implicações nas relações sociais atuais, incluindo a  educação escolarizada e sua organização curricular, é importante lembrar que o modo  de produção capitalista se organiza pela oposição entre as classes sociais, ou,  como nos ensinou o pensamento marxista clássico, a oposição entre os proprietários  dos meios de produção e os proprietários da força de trabalho. Essa oposição  determinou as formas de ser e de agir nas nossas sociedades. Algumas ideias, ou  seja, formas de pensar que fundamentam as relações sociais sob esse modo de  produção, que fundamentam o modelo econômico, político e social em que nos  encontramos, chamamos de doutrina. 
A doutrina político-social-econômica,  na qual se fundamenta o capitalismo, é o liberalismo. Diferentemente do que  poderia sugerir a expressão “liberalismo”, as ideias que emergem dessa doutrina  político-social-econômica referem-se essencialmente ao “direito de cada um  atingir para si próprio uma posição cada vez mais vantajosa” (Kruppa, 1994), no  que se refere ao seu lugar na sociedade, conquistado pelo poder econômico. Essa  autora destaca para análise alguns princípios que sustentam o conjunto de  ideias liberais: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a  democracia. 
Se considerarmos toda a história  do desenvolvimento do modo de produção capitalista no mundo, vemos como seus  princípios foram defendidos de tal forma que parecessem valores universais e  não princípios de uma determinada doutrina, com determinados objetivos e  estratégias. O lema da Revolução Francesa expressa claramente os princípios da  doutrina liberal: liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil, do ponto de  vista histórico, desde Tiradentes (1746-1792),  passando pela Abolição (1888) e a Proclamação da República (1889), esses  princípios estiveram presentes. 
O mais importante na análise  desses princípios refere-se ao fato de que, na doutrina liberal, as relações  sociais são compreendidas como relações entre as pessoas individualmente. Ou  seja, o centro da vida social, da vida em sociedade, é o indivíduo, único  responsável – individualmente – por seu sucesso ou fracasso. Ora, sabemos que a  realidade social é mais complexa do que isso, a sociedade não se restringe à  soma direta de indivíduos. O liberalismo, portanto, como doutrina  político-econômica, fundamentou a organização das sociedades capitalistas desde  sua origem, contribuindo para sua consolidação, ao ponto de lograr transformar  seus princípios, carregados de intenções concretas, em princípios aparentemente  universais nessas sociedades. No entanto, as crises econômicas e, de certa  forma, políticas, pelas quais as sociedades capitalistas passaram, obrigaram  seus defensores – representados, principalmente, pelos governos dos estados  capitalistas – a tomarem medidas para sua manutenção. Junto a essas medidas  práticas, de política econômica, a doutrina liberal também foi reajustada. 
Em um estudo anterior (Pires; Tozoni-Reis,  1999), analisamos essa nova etapa da organização das relações sociais no mundo  capitalista que ficou conhecida como “nova ordem mundial”. Naquele momento, já  perguntávamos: que nova ordem é essa?  O que é nova e qual é a ordem? Como essa nova ordem define as demandas sociais? À primeira vista, o tema sugere que nova ordem mundial significa o progresso  tecnológico que modifica (mas não transforma) a base técnica da produção e traz  modificações na organização do trabalho, exigindo novas diretrizes para a  qualificação e a formação humana. A chamada Terceira Revolução Industrial, sociedade  pós-industrial, pós-capitalista, pós-moderna, pós-histórica ou sociedade  global, traz em seu interior o avanço do conhecimento, constituindo-se assim na sociedade do conhecimento (Frigotto,  1995). Nessa sociedade, a flexibilização das formas de produção, de participação,  de auto-organização, de trabalho em equipe, de produtividade, de competitividade  e qualidade total (Antunes, 1995; Frigotto, 1995) são características de  organização social. As modificações nas relações sociais, provenientes dessa  organização, são acompanhadas de um processo de internacionalização peculiar: a  globalização. 
Assim, a nova ordem parece ser o  cenário econômico, político, social e cultural da sociedade em sua atual forma  de organização. Articulado a esse processo de globalização está a expansão do  neoliberalismo, que nada mais é do que a doutrina liberal reformulada como  alternativa teórica e política à crise do capitalismo internacional. Ou seja, o  neoliberalismo é a redefinição da doutrina liberal para que esse novo estágio  do capitalismo enfrente as crises geradas por ele mesmo. Essa redefinição pode  ser entendida, principalmente, pelo seu descomprometimento com as políticas  públicas, pela tentativa de implantação do chamado “Estado mínimo” para o  enfrentamento da crise financeira do modelo do “Estado de bem-estar social”,  que significava a definição de políticas públicas de saúde, educação,  transporte, moradia – além de muitas outras – que garantiam o bem-estar do  conjunto da população. 
A proposta política neoliberal de  organização social sob o modo de produção capitalista, nessa fase mais atual, ganha  espaço com a crise teórica, política e econômica do capitalismo internacional,  mais diretamente a crise econômica que atingiu os países mais ricos na década  de setenta do século XX, como consequência da então conhecida “crise do  petróleo”. Essas crises colocaram a necessidade de reorganizar o modo de  produção capitalista. O modelo neoliberal, implantado nos países capitalistas  avançados, expandiu-se por toda parte, indo além dos aspectos econômicos. Sua  expansão pode ser compreendida como um fenômeno internacional de enorme  importância. 
A doutrina  político-social-econômica neoliberal tem como principal característica a busca  de uma política econômica que, sem intervenção do Estado, vigore sem qualquer  limitação dos mecanismos do mercado. Friedrich Hayek a formulou principalmente  com o livro O caminho da servidão, publicado  pela primeira vez em 1944. Hayek coloca-se veementemente contra o Estado previdenciário,  de bem-estar social, argumentando que esse tipo de organização da sociedade  abate a iniciativa individual que produz a riqueza, da qual toda sociedade se  beneficia a médio e longo prazo. Nesse sentido, a desigualdade social é um  valor positivo para gerar e manter o desenvolvimento econômico. A desigualdade,  segundo os princípios dessa doutrina, é uma estratégia importante para a  prosperidade, pois garante a concentração de riquezas que beneficiaria a toda  sociedade. O Estado neoliberal pode ser entendido, principalmente, pelo seu  descompromisso com as políticas públicas econômicas e sociais. 
O agravamento da desigualdade é  uma das marcas do avanço neoliberal. Essa desigualdade tem gerado a contestação  das políticas internacionais neoliberais que tem se expressado em diversas  manifestações em todo o mundo. A criação e consolidação do Fórum Social  Mundial, em oposição aos encontros do G-8 (e a partir de 2009, do G-20), os  protestos do movimento ambientalista nos últimos anos, e outros movimentos  sociais que protestam contra o modelo de desenvolvimento econômico e suas  consequências no agravamento das desigualdades sociais, são alguns exemplos,  assim como a atual crise econômica internacional que enfrentam todos os países do  mundo capitalista. 
Essa nova ordem repercute  também e diretamente na organização do trabalho. O avanço tecnológico e a  automação dos meios de produção são elementos reestruturadores das relações de  trabalho. Antunes (1995), discutindo as metamorfoses no mundo do trabalho,  coloca a discussão da reestruturação como um processo mais complexo e  contraditório do que o apresentado pelos defensores do neoliberalismo e da nova  organização do trabalho e das sociedades. 
Nesse cenário, aparece a  especialização multifuncional, exigida principalmente pela automação dos  processos de produção. A economia mundial, com suas enormes diferenças, tende a  exigir trabalhadores qualificados, com nova base técnica e cultural. Essa  exigência, somada ao desemprego estrutural que atinge diariamente a todos os  países do mundo, traz para as relações de trabalho a competitividade. Temos,  ainda, problemas econômicos agravando-se em diferentes dimensões em vários  países do mundo, como inflação, desemprego, taxas de juros, déficit  orçamentário, crise financeira, dívida externa e política econômica em geral (Santos,  1996). 
No Brasil, a privatização dos  serviços de saúde e educação foi iniciada nos anos 1970, durante a ditadura  militar, precedida pela deterioração dos serviços públicos nessas áreas. Mas a  efetiva implantação do projeto neoliberal ocorreu nos anos noventa, atingindo  seu ponto alto no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, tendo  continuidade nos dois mandatos do presidente Lula e no atual mandato da presidente  Dilma. Em cinco mandatos presidenciais sucessivos, a política econômica  adotada, desde 1995, implantou um agressivo programa de privatização de  empresas e serviços públicos: transformou os serviços de saúde em fonte de  acumulação, por meio dos seguros e planos de saúde; consolidou a privatização  do ensino, que não se deu pela privatização direta das instituições escolares,  mas pela crise de qualidade na escola pública; privatizou os transportes direta  ou indiretamente através, por exemplo, da agressiva privatização das rodovias,  entre outras medidas. 
Nesse contexto, como pensar a  educação, a educação escolarizada e a organização curricular? 
As instituições educativas (a  família, a escola e outras) sempre estiveram vinculadas às relações de  produção. Com a Revolução Industrial – que inaugurou a modernidade –, a escola foi  se consolidando como principal instituição de formação para o trabalho,  principalmente em sua dimensão política: a formação cultural ideológica dos  indivíduos para o trabalho industrial, fundamentada no controle do tempo, na  eficiência, na ordem e disciplina, na subserviência etc. (Enguita, 1989). 
Dessa forma, o ensino convive com a contradição que  historicamente existe em seu interior. De um lado, coloca-o a serviço da  formação das elites dirigentes e, de outro lado, produz conhecimentos críticos para  a interpretação das relações sociais contraditórias que conduzem a seu  enfrentamento e transformação. Nesse espaço, a organização curricular  fragmentada e desarticulada, disciplinar, reflete a cisão histórica das  atividades humanas imposta pelo modelo industrial à maioria das populações  (Frigotto 1995a). A rígida barreira existente entre as disciplinas, impostas  pela ciência moderna às atividades de pesquisa e ensino (Almeida Filho, 1997),  reflete o trabalho industrial no qual o homem moderno, concretamente, vive sua  atividade básica. Pode-se dizer que o conhecimento veiculado nas escolas vem  sendo organizado de forma tão estanque e fragmentada como a organização do  trabalho industrial que coloca o indivíduo como objeto de ação parcial e  obriga-o a constituir-se em um homem dividido, alienado, desumanizado. A  realidade social e científica da modernidade é marcada por essa fragmentação (Manacorda,  1991). 
Os setores mais críticos da sociedade vêm denunciando essa  situação e empreendendo esforços para superá-la. A atual reorganização do modo  de produção capitalista internacional que vimos neste texto traz modificações  no mundo do trabalho (Antunes, 1995), e como não poderia ser diferente, na  organização do ensino. As novas tecnologias presentes no trabalho industrial  reorganizam as relações de trabalho e de produção. O taylorismo e o fordismo,  como modelos até então estabelecidos, começam a dar lugar a novos modelos. Isso  significa dizer que o controle do tempo, a produção em série e a massificação  do trabalhador coletivo, que predominaram nas relações sociais de produção  durante todo o século passado e que são a expressão do caráter fragmentado,  alienador e desumanizador da organização do trabalho industrial, vêm sendo  substituídos pela – ou pelo menos vêm convivendo com a – flexibilização das  formas organizativas de trabalho, pelo estabelecimento de novos padrões de  controle (gestão participativa, por exemplo) e pela busca da qualidade total,  entre outras inovações. É importante considerar, também, o estrondoso  crescimento do setor de serviços nas sociedades capitalistas, que é grande  indicador das modificações no mundo do trabalho (Antunes, 1995). 
Com as modificações no mundo do trabalho que estamos  presenciando, o nível de qualificação exigido dos novos trabalhadores se altera,  criando a necessidade, para o setor produtivo, de valorizar (o que significa de  certo modo investir), na formação geral do conjunto da população (Frigotto,  1995b). Podemos dizer que, agora, os meios de produção querem trabalhadores  mais qualificados, flexíveis, com nova base técnica e científica (constituída  fundamentalmente pela informática), os chamados “trabalhadores multifuncionais”.  Essa exigência de nova base técnica e científica vem produzindo modificações na  organização da produção capitalista (Lojkine, 1995) que, de uma forma bastante  geral, representa um certo avanço no que diz respeito ao caráter mecânico e  fragmentado das formas organizativas tradicionais do trabalho moderno. Podemos  considerar que as formas de trabalho parcializado e mecânico, que eram  predominantes no mundo do trabalho até então, praticamente determinavam a  organização de toda vida social, inclusive da escola e dos currículos  escolares. As modificações – que não chegam a ser transformações profundas – na  organização do trabalho também trazem determinantes para a organização da vida  social, criando uma tendência de maior flexibilidade na formação dos  indivíduos. Mas essa flexibilidade, essas modificações no mundo do trabalho ainda  estão muito longe de superar a alienação, a fragmentação e a parcialização que  lhe são características. 
O desenvolvimento completo, pleno, consciente e universal  do ser humano, que supera a alienação e a fragmentação de seu ser, exige muito  mais do que modificações nas formas de exploração do trabalho; exige, de forma  radical, a superação da própria exploração. Essa multifuncionalidade exigida do  trabalhador ainda é insuficiente para superar os problemas de fragmentação e  desarticulação de sua atividade vital, o trabalho. Assim como as formas  tradicionais fragmentadas de organização do mundo do trabalho – o espaço mais  concreto da vida social – definem a organização curricular na educação escolar,  as novas formas flexíveis e multifuncionais de organização do trabalho definem  a organização dos currículos escolares. 
Na organização dos currículos escolares, temos ouvido  falar muito nas diferenças entre disciplinaridade, multidisciplinaridade,  interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. No entanto, essas diferenças  precisam ser melhor compreendidas: é  preciso  diferenciá-las conceitualmente. A ideia de integração e de totalidade que aparentemente  perpassa esses conceitos tem referenciais teórico-filosóficos muito diferentes.  Uma organização do ensino interdisciplinar é diferente da organização multidicisciplinar  ou transdisciplinar e muito diferente da organização de ensino disciplinar. As diferenças  aqui, a meu ver, não são de grau ou nível de integração, como em geral aparece  nos discursos dos educadores. 
Vejamos, primeiramente, a multidisciplinaridade. A meu  ver, ela se esgota nas tentativas de trabalho conjunto, pelos professores, entre  disciplinas em que cada uma trata de temas que são comuns a todas elas,  trata-os sob sua própria ótica. Dessa forma, o trabalho multidisciplinar articula  basicamente os temas estudados. Poder-se-ia dizer que na multidisciplinaridade,  as disciplinas do currículo escolar colocam professores e estudantes “perto”  mas não “juntos”. A ideia aqui é de justaposição de disciplinas (Almeida Filho,  1997). 
A transdisciplinaridade tem sido muito estudada nos  últimos tempos, muitos eventos nacionais e internacionais têm sido dedicados a  esse estudo. Oliveira (2005) afirma que há muitas e diferentes formas de defini-la, e que Sommerman é um dos autores que  melhor a definem como a “efetivação de uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas”.  Isso implicaria, segundo Oliveira (2005), na comunicação mais profunda entre as  diferentes disciplinas. Nesse sentido, a transdisciplinaridadesignificaria “o reconhecimento da interdependência de todos  os aspectos da realidade”. Assim, o conceito de transdisciplinaridade se  aproxima do de interdiscipinaridade, mas o que os diferencia, segundo essa  autora, é o fato de que, para a interdisciplinaridade, as disciplinas não  desaparecem, isto é, coexistem no trabalho integrado de interpretação do mundo  e de suas relações e, na transdisciplinaridade, elas deixam de existir como  referência para essa interpretação. Sobre tudo isso, afirma: 
Diante da abrangência  desta perspectiva de transdisciplinaridade, desenha-se uma enorme dificuldade  em superar o totalitarismo quase planetário desempenhado pela ciência clássica  e pela tecnologia no mundo moderno. Frente a isso, tem-se focalizado a  construção de conhecimento(s) transdisciplinar(es) a partir de intersecções  menores, como aquelas entre a ciência e a tradição, ou entre ciência e arte, ou  ciência e filosofia, como passos necessários para chegar a estágios mais  avançados de transdisciplinaridade (Oliveira, 2005, p.337). 
O problema que encontramos aqui é que, muitas vezes, com a  intenção de superar a fragmentação dos currículos escolares que se encontram  organizados segundo os princípios da disciplinaridade, inspirados nos  princípios da transdisciplinaridade, as escolas e os professores  descaracterizam o trabalho escolar de transmissão e apropriação – que deve ser  ativa e não passiva – dos conteúdos escolares. A transdisciplinaridade não  implica num “vale tudo” no trabalho educativo, mas tem sido referida com alguns  desses propósitos no âmbito escolar. 
Quanto à interdisciplinaridade, essas discussões tomaram  corpo no interior das críticas à organização do ensino, do papel do conhecimento  na sociedade capitalista, da ruptura entre a teoria e prática e a função social  dos conteúdos escolares (Follari, 1995b). A busca de novos pressupostos levaram  a propostas de modificações estruturais na organização social e,  consequentemente, na organização curricular. A interdisciplinaridade apareceu,  então, para promover a superação da super especialização e da desarticulação  entre teoria e prática, como alternativa à disciplinaridade. Ou seja, as  discussões acerca da interdisciplinaridade têm inspiração na crítica à  organização social capitalista, à divisão social do trabalho e à busca da  formação integral do gênero humano. 
A integração entre teoria e prática de que trata a  interdisciplinaridade refere-se à formação integral dos sujeitos educandos;  trata-se de uma perspectiva de totalidade do processo educativo. Uma das  questões aqui é o aprofundamento da compreensão sobre a relação entre teoria e  prática, onde se destaca a importância da definição de qual prática pretendemos  relacionar à teoria (Follari, 1995b). A relação integradora entre teoria e  prática a que nos referimos implica em ações críticas e transformadoras no  interior da sociedade capitalista. Isto é, a prática – social ou educativa – exige  a reflexão teórica, é a superação da ação não pensada pela prática concreta,  refletida, a ação concreta pensada, defendida por Saviani (1991) para a  formação de professores. Assim, a interdisciplinaridade é muito mais do que a  compatibilização de temas, métodos e técnicas de ensino; é, como defende  Frigotto (1995a), uma necessidade e um problema relacionado à realidade  concreta, histórica e cultural, constituindo-se, assim, como um problema ético-político,  econômico, cultural e epistemológico: 
A  interdisciplinaridade se apresenta como problema pelos limites do sujeito que  busca construir o conhecimento de uma determinada realidade e, de outro lado,  pela complexidade desta realidade e seu caráter histórico. Todavia esta  dificuldade é potencializada pela forma específica que os homens produzem a  vida de forma cindida, alienada, no interior da sociedade de classes (Frigotto,  1995a, p.31). 
Trazendo essas reflexões para a compreensão de nosso tema –  o ensino e sua organização curricular –, a interdisciplinaridade pode ser  tomada como uma possibilidade de quebrar a rigidez dos compartimentos em que se  encontram isoladas as disciplinas dos currículos escolares. No entanto, ela não  deve ser vista como uma superação das disciplinas, mas, como propõe Follari  (1995b), uma etapa superior das disciplinas, disciplinas essas que se  constituem como um recorte mais amplo do conhecimento em uma determinada área.  Esse recorte tem o objetivo de possibilitar o aprofundamento de seu estudo, é  uma necessidade metodológica legítima e necessária, porém insuficiente para  garantir a formação integral dos indivíduos. 
A etapa superior referida diz respeito à busca da  integração para muito além da troca de informação sobre objetivos, conteúdos,  procedimentos e compatibilização de bibliografia entre os professores, pois é  uma tentativa de maior integração dos caminhos epistemológicos, da metodologia  e da organização do ensino nas escolas. 
Marília Freitas de  Campos Tozoni-Reis é professora livre-docente do Departamento de Educação do  Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu 
Referências bibliográficas 
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  Enguita, M. F. A  face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas. 1989. 
  Follari, R. A. “Algumas considerações práticas sobre  interdisciplinaridade. In: Bianchetti, L., Jantsch, A. “Interdisciplina y  Dialectica: acerca de um malentendido”. In: Bianchetti, L., Jantsch, A. Interdisciplinaridade: para além da  filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes. 1995. 
  Frigotto, G. “A interdisciplinaridade como necessidade e  como problema nas ciências sociais”. In: Bianchetti. L., Jantsch. A. Interdisciplinaridade: para além da  filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes. 1995a. 
  _______________ “Educação e formação humana: ajuste  conservador e alternativa democrática”. In:Gentil, P.A.A., Silva, T.T. (org.) Neoliberalismo, qualidade total e educação.  Petrópolis: Vozes. 1995b. 
  Kruppa, S. M. P. Sociologia  da educação. São Paulo: Cortez,  1994. 
  Lojikine, J. A  revolução informacional. São Paulo: Cortez. 1995. 
  Manacorda, M. A. Marx  e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez. 1991. 
  Oliveira, H.T. “Transdisciplinaridade”.  In: Ferraro-Jr, L.A. (org). Encontros  e caminhos: formação de educadoras (es)ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA,  Diretoria de Educação Ambiental, 2005. 
  Pires, M.F.C.“Reflexões sobre a interdisciplinaridade na perspectiva de  integração entre as disciplinas dos cursos de graduação”. Revista do IV Circuito ProGrad. São Paulo. Unesp. 1996. 
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  Pires, M.F.C. & Tozoni-Reis,  J.R. “Globalização, Neoliberalismo e Universidade: algumas considerações”. Interface: Comunicação, Saúde e Educação. n°4, p.29-39, 1999. 
  Saviani, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 10. ed. São  Paulo: Cortez. 1991. 
  Santos, B. S. Pela mão  de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,  1996. 
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