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 A  primeira imagem que geralmente se associa a um mapa político é o tradicional  mapa do Brasil com os estados, suas capitais, e o Distrito Federal,  estrategicamente posicionado no coração do Planalto Central. Este e outros  mapas políticos, tão frequentes em nosso cotidiano desde os primeiros anos de  escola, representam fronteiras político-administrativas do sistema mundo, que  são apenas uma das dimensões cartografáveis da política. Há outras. 
No nosso idioma,  uma só palavra – a política – encerra todas essas dimensões. Outros idiomas,  como o inglês, diferenciam polity, a dimensão institucional da política,  de politics, o processo político,e policy, o programa  político. A ciência política se dedica à investigação de cada uma dessas  dimensões, mas um desafio ainda maior é descobrir como esse trinômio se  inter-relaciona e opera na prática (Zuckerman, 2005). Neste contexto, os mapas  eleitorais e a análise geoespacial de votos e indicadores socioeconômicos podem  contribuir significativamente. 
A tradição dos mapas eleitorais se originou na  geografia francesa do início do século passado. Em 1913, André Siegfried (1995,  reedição comemorativa) publicou o Tableau politique de la France de l'Ouest sous la IIIe République,  com uma análise inovadora que  marcou a fundação de um campo acadêmico novo: a geografia eleitoral. Usando  mapas eleitorais posteriores ao início da 3ª República, Siegfried (1995) demonstrou a estabilidade do voto pela  direita nos pays de l'Ouest durante amplo período. 
Siegfried identificou a influência da  estratificação socioespacial no voto de maneira inusitada: pesquisou e  encontrou relação entre o voto de esquerda e direita no norte da França de  acordo com o tipo de rocha predominante na região. Resumiu sua descoberta com  uma senteça célebre: le granite vote à droite, et le calcaire vote à gauche. O que o pesquisador francês quis dizer é que o norte  da Vendée, por ser granítico, teve uma ocupação de caráter rural e baixa  concentração de habitantes, o que favoreceu o predomínio de um certo elitismo  (influência dos notables) e do catolicismo. Essa região votava pela direita. Já o sul, região de solo calcário, era mais  densamente ocupada e o peso da Igreja Católica era menor. No sul, a votação  pela esquerda era predominante. 
Um século após Siegfried,  as bases da sua geografia e sociologia eleitoral continuam atuais. Há,  entretanto, cem anos de evolução nos métodos cartográficos e nas técnicas de  análise estatística espacial. Nas  últimas décadas, a análise geoespacial vem agregando expertise através de  pesquisas interdisciplinares. Essa difusão decorre, em boa parte, da crescente  disponibilidade de bases de dados georeferenciadas e de Sistemas de Informação  Geográfica (SIG) com funções de estatística espacial, tanto comerciais como de  livre acesso. Além da análise descritiva e exploratória com base em mapas e  estatísticas espaciais, os recentes avanços em modelagem espacial e  procedimentos de estimação, métodos inferenciais, e instrumentação  computacional permitem modelar conjuntos de dados espaciais relativamente  grandes e complexos, ampliando o potencial das análises1. 
Vejamos, por exemplo, o  potencial dos mapas eleitorais para o conhecimento e análise da formação dos  territórios eleitorais no Brasil no período de 2002 a 2010. Os mapas de  desvio-padrão e de autocorrelação espacial das votações municipais do  presidente Lula (2002 e 2006) e da presidente eleita Dilma Rousseff (2010)  retratam as mudanças ocorridas nos territórios eleitorais de uma eleição para  outra. O padrão de 2002, que se assemelha ao de um mosaico de municípios de  votações altas e baixas, contrasta com o padrão regionalizado de 2006. 
    
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A construção do novo padrão territorial na  região Nordeste, que desde 1989 não havia demonstrado essa coesão com nenhum  outro candidato ou partido, pode ser associada às políticas sociais de  transferência direta de renda implementadas no primeiro mandato do governo  Lula, em particular ao programa Bolsa Família (Soares e Terron 2008; Terron  2009). A contribuição do Bolsa Família nos rendimentos mensais per capita nos  municípios do Norte e do Nordeste são significativamente superiores aos demais  municípios do país. 
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Em 2010, o padrão espacial da votação  municipal da presidente eleita é muito semelhante ao padrão regional da  reeleição do presidente Lula, em 2006. Os métodos de análise geoespaciais  permitem também medir as semelhanças entre os padrões. A autocorrelação  espacial entre duas variáveis, uma das técnicas para tal fim, funciona da mesma  maneira que uma correlação estatístisca: numa escala de 0 a +1 ou -1, os valores  próximos de 0 indicam uma ausência de correlação, e os próximos de +1 ou -1 se  aproximam da correlação total, direta ou inversa. Entre as votações municipais  de 2002 e 2006, a  correlação espacial é -0,20 (correlação negativa fraca), enquanto que entre as  votações de 2006 e 2010 é 0,67 (correlação positiva forte). 
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O poder associado aos territórios eleitorais  não se limita ao voto. Há o poder articulado nas campanhas, no exercício de  mandatos, e inclusive, o poder de fiscalização do representante eleito que pode  ser exercido pela sociedade. Esta última forma depende, entretanto, da  identificação e delimitação dos territórios eleitorais em que as pessoas vivem  e votam, para que tomem conhecimento de sua existência. Os mapas eleitorais dos  candidatos vencedores das três últimas eleições presidenciais e de um indicador  associado ao Bolsa Família mostram uma parte do potencial dos métodos e  técnicas cartográficas disponíveis para representação e análise espacial do  poder e das dimensões da política. Ao trazer o espaço para a ciência política,  a cartografia viabiliza o conhecimento sócio-político-territorial de diferentes  recortes espaciais, e a análise das politics, jogos de poder, e das policies,  políticas públicas, em seus vários contextos sociais. 
Sonia Terron é engenheira cartógrafa, mestre  em geodésicas, doutora em ciência política e pesquisadora da Diretoria de  Geociências do IBGE. 
Referências 
Anselin, Luc. 1999. Spatial econometrics (Working  Paper). Center for Spatially Integrated Social Science (CSISS).  http://www.csiss.org/aboutus/presentations/. 
Anselin, Luc, Raymond   J. G. M. Florax, e Sergio  J. Rey,  orgs. 2004. Advances in spatial econometrics:  methodology tools and application. New  York: Springer. 
Bailey, Trevor C, e Anthony C Gatrell. 1995. Interactive  spatial data analysis. UK: Longman. 
Câmara,  Gilberto, Marília S. Carvalho, Oswaldo G. Cruz, e Virginia Correa. 2002.  Análise espacial de áreas. In Análise espacial de dados geográficos,  Suzana D. Fucks, Marília S. Carvalho, Gilberto Câmara, e Antonio M. Monteiro  (org.). São José dos Campos, SP: INPE.  http://urlib.net/sid.inpe.br/sergio/2004/10.07.15.04. 
O'Loughlin, John. 2003. Spatial analysis in political  geography. In A companion to political geography, org. John Agnew,  Katharyne Mitchell, e Gerard Toal, 30-46. 2 ed. Oxford, UK: Blackwell.  
  http://www.colorado.edu/ibs/pec/johno/pub/Companion_to_Pol_Geog_2003.pdf 
Siegfried, A, 1995. Tableau politique de la France  de l´Ouest sous la IIIe République Republicação. Imprimerie Nationale. 
Smith, Michael J, Michael F Goodchild, e Paul A  Longley. 2007. Geospatial analysis: a comprehensive guide to principles,  techniques and software tools. Winchelsea - UK: The Winchelsea Press. 
Soares, Gláucio Ary Dillon, e Sonia Luiza Terron. 2008. Dois Lulas:  a geografia eleitoral da reeleição (explorando conceitos, métodos e técnicas de  análise geoespacial). Opinião Pública 14, n. 2: 269-301. 
Terron,  Sonia Luiza. 2009. A composição de territórios eleitorais no Brasil: uma  análise das votações de Lula (1989 - 2006). Tese de doutorado, Rio de Janeiro:  IUPERJ. http://uerj.academia.edu/SoniaTerron ou  
  http://www.opiniaopublica.ufmg.br/biblioteca_detalhe.php?tema=el&&tipo=teses. 
Zuckerman, A. org., 2005. The social logic of  politics, USA: Temple University Press. 
Nota: 1. Análise Geoespacial - ver Anselin 1999;  Anselin et al. 2004; Bailey & Gatrell 1995; Câmara et al. 2002; O' Loughlin  2003; Smith et al. 2007.  
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